Ao longo deste ano, Future Health entrevistou 24 dos mais renomados médicos do país para a seção Especialistas. Eles nos contaram sobre os métodos de diagnósticos, as tecnologias e os tratamentos mais inovadores e promissores de mais de 15 especialidades.
Também contaram sobre suas carreiras e seus desafios, sobre o que os motivou a escolher suas especialidades e sobre os meios que encontraram para desestressar e para descontrair.
E porque fim de ano é época de renovarmos as esperanças para os 12 meses que vêm pela frente, selecionamos aqui 9 das coisas mais motivadoras e mais otimistas que ouvimos desses profissionais – sobre a medicina, sobre o futuro, sobre vários assuntos.
Sabemos que você não tem mais idade para acreditar em Papai Noel e seus superpoderes. Mas podemos acreditar nos superpoderes dessas pessoas que fazem a diferença – e todos os dias contribuem para melhorar nossa saúde e nossas vidas.
Sobre saúde mental
“Acredito muito na necessidade da união e solidariedade, da empatia e compaixão. Temos que tentar agradecer por tudo que podemos ter aprendido e evoluído neste momento. Procurar olhar nossas feridas com aceitação e compreensão, para podermos cicatrizá-las de forma tranquila, firme e duradoura. Procurar cultivar bons hábitos de vida e práticas de bem-estar como, por exemplo, ter acompanhamento em psicoterapia, realizar atividade física, manter uma alimentação saudável, praticar técnicas de mindfulness e meditação, exercitar solidariedade, dentre várias outras práticas para nos mantermos equilibrados.”
Ricardo Jonathan Feldman, psiquiatra
Sobre questões de gênero
“A mulher precisa ser mais gentil consigo mesma. Ela não precisa ser perfeita. Precisa, sim, ser suficiente – e o resto vamos aprendendo, porque ninguém chega pronto num cargo. Você chega suficiente e lá você vai aprendendo um monte de coisa. Mas não vejo o fato de que a mente feminina é mais exigente como um demérito. Inclusive, as pessoas que contratam deveriam estar alertas sobre isso, porque para um homem é muito mais fácil comer sardinha e arrotar caviar do que para mulher. Se ela fala em caviar, provavelmente ali tem caviar mesmo.”
Letícia Kawano-Dourado, pneumologista
Sobre maternidade
“Nas décadas de 80, 90 e 2000, a reprodução humana teve inúmeras novidades e mudanças associadas a toda uma mudança sociocultural. E eu diria que nos últimos anos o empoderamento feminino é a característica mais espetacular que se une a esta tecnologia. Se, em 1970, eu dissesse para minha mãe que eu trabalharia com mulheres de 38 anos que querem ter filhos, ela ia dizer que sou um vagabundo, porque essa mulher não existia.
Mas veio a pílula anticoncepcional e transformou completamente a sexualidade nesses últimos 30, 40 anos.
Ela permitiu que as pessoas tivessem filhos quando quisessem, mas trouxe também uma ‘distração’ em relação à fertilidade feminina, porque a mulher foi para o mercado e ficou animada com a liberdade, com a condição socioeconômica que acabou completamente com sua dependência masculina. E as mulheres entravam aqui alguns anos atrás, jogavam o crachá em cima da mesa e falavam: ‘Fui enganada pelo tempo, agora quero trocar o meu crachá por um bebê’. Recentemente, elas entram aqui falando: ‘Dá aqui o meu crachá de volta, porque eu quero guardar óvulos para o futuro’. Nós estamos fazendo uma revolução e eu adoraria que os homens percebessem o que está acontecendo.”
Nelson Antunes Júnior, ginecologista e obstetra
Sobre a relação com idosos
“Fiz uma pesquisa medindo as atitudes de estudantes de medicina em relação ao cuidado, à morte, à perspectiva de se tornar um geriatra. Fui estudando as atitudes de grupos antes e depois de passarem um mês trabalhando em uma enfermaria geriátrica. Em todos os grupos, as atitudes eram melhores antes do que depois.
Ou seja, ter passado um mês em uma enfermaria geriátrica era contraproducente, eles ficavam menos interessados nos cuidados com o idoso.
Aí quis ouvi-los, saber o porquê. Em todos os grupos, saía a mesma coisa: ‘Fomos fazer medicina para salvar vidas e a gente aqui com esses pacientes fim de linha, com patologias múltiplas, confusos, deprimidos, abandonados pela família. A gente tem dificuldade de entender o que eles falam, eles têm dificuldade de entender o que nós falamos. Para muitos de nós, essa foi a primeira vez em que sentamos para conversar com um idoso. Nós não temos familiaridades nem com os nossos avós’. As atitudes começam muito cedo e eles, não tendo o referencial de uma pessoa idosa, não se interessavam por aquela morte iminente que viam à volta.
Eu tive contato íntimo com os meus avós. Mais que meus avós, eu tinha uma porção de avós postiços.
A minha avó tinha 13 irmãos, o meu avô, 17. Eu tinha velho pra tudo que era lado, e gostava. Venho de uma família multimediterrânea, meus avós nasceram em países diferentes: Portugal, Itália, Grécia e Líbano. Era fascinante! Eu ouvia as histórias como se estivesse com uma National Geographic ali, ao vivo. Lindas fábulas, histórias e muita tradição oral. Eles falavam à beça. Idoso gosta de contar história, se tiver alguém para ouvir. Como eu estou fazendo agora.”
Alexandre Kalache, epidemiologista e gerontólogo
Sobre gostar do que se faz
“Quem trabalha é o cara que nasceu pra fazer uma coisa e faz outra. Eu não trabalho, eu me divirto. Ir para uma cirurgia é o que me dá prazer, como para outras pessoas é a festa, a viagem. Eu nasci pra isso e me dá uma satisfação violenta. Quando estou criando, as coisas vêm à cabeça, a mão funciona. Não opero com rapidez: não tenho compromissos para depois de uma cirurgia, só para antes. Isso porque o ato operatório é o principal do meu dia.
Independentemente do tempo que for levar, se demoro uma ou 20 horas debaixo do microscópio, tenho sempre que me comportar da mesma forma: na vigésima hora tenho que estar como na primeira, porque um cansaço pode colocar tudo em risco.
No fim da cirurgia, agradeço ao paciente. Tenho que agradecer pela satisfação de salvar uma vida. Quando opero no sistema público, opero da mesma forma que faria no privado. Faço questão que todos meus residentes atendam de gravata e jaleco, porque um paciente que não tem recurso tem que ser atendido da mesma forma. Aquele paciente espera muito tempo e olha para você com gratidão.”
Feres Chaddad Neto, neuromicrocirurgião
“Divido meu tempo passando adiante tudo o que aprendi ao longo da minha carreira. Uma das coisas que me dá mais prazer na profissão é ter treinado mais de 100 cirurgiões cardiotorácicos em vários lugares do mundo, como Colômbia, Inglaterra, Alemanha, Israel, Índia, Paraguai, Polônia, entre muitos outros. Chamo de sucesso as técnicas que diminuem drasticamente as taxas de mortalidade. Nos últimos anos de cirurgia cardíaca pediátrica em Pittsburgh, na instituição em que atuo, temos a menor taxa global – 1,5% – entre todos os programas de alto volume. Nos EUA, a taxa média de mortalidade para os programas cardiovasculares pediátricos foi de 3,4%.”
José Pedro da Silva, cirurgião cardíaco pediátrico
Sobre inovação na saúde
“Infelizmente o setor de saúde precisou de uma pandemia para enxergar o quanto estava atrasado perante outros segmentos da sociedade e começar sua transformação digital. Hoje a gente vê os grandes players, grandes stakeholders da saúde, muito mais aptos e propensos a comprar e investir na inovação, na tecnologia digital. Hoje a gente vê hospitais que estão buscando alternativas para o seu negócio além da porta do pronto-socorro e dos blocos cirúrgicos.
A gente vê indústrias farmacêuticas, que sempre foram muito conservadoras e tradicionais, que compravam somente de outras multinacionais, fazendo negócio com startups, agilizando os processos.
A gente vê médicos, que sempre estiveram em uma zona de conforto baseada nos seus diplomas fixados na parede, vendo que só esses certificados não são o suficiente, que eles precisam ir para o lado do paciente, precisam descer um degrau. Infelizmente isso veio com a pandemia, mas por outro lado, felizmente, hoje a saúde respira esses ares de inovação, de buscar uma jornada digital para o atendimento, de colocar o paciente no centro do cuidado.”
Lorenzo Tomé, radiologista
“Apesar de termos tido realizações incríveis na medicina, como mapear o genoma humano inteiro e sermos capazes de fazer cirurgias usando robôs, ainda não inovamos de verdade em saúde. Já trabalhei em hospitais pequenos e grandes, na capital e no interior. Tanto no sistema público quanto no privado. No Brasil e fora dele também. De hospitais com os recursos mais avançados a hospitais de campanha em situação de catástrofe, como no Haiti, após o terremoto de 2010.
E percebi que todos esses hospitais contam um denominador comum: a prática de uma medicina reativa – depois que a doença ocorreu –, episódica e ‘tamanho único’, de acordo com o que funciona para a maioria das pessoas – que é o que os estudos tradicionais nos ensinam – e não de acordo com o que seria ideal para cada uma delas.
A única maneira de mudar esse cenário é por meio do cruzamento de uma infinidade de dados: socioeconômicos, de comportamento, genômica, de sensores, de exames clínicos para entender a vida e o organismo de cada indivíduo de uma forma mais completa. E, assim, poderemos começar a tratar pessoas em vez de doenças. De maneira cada vez mais personalizada. A boa notícia é que hoje em dia não faltam dados: 90% dos dados que existem no mundo, hoje, foram criados nos últimos dois anos. E na medicina isso ainda é mais proeminente.”
Mariana Perroni, intensivista
“Infelizmente evoluímos sempre em momentos de crise. Em tempos de guerra, por exemplo, a medicina evolui muito. Existem dois momentos muito importantes para a alergia e imunologia. O primeiro foi a Aids, que deu uma levantada absurda no estudo de imunologia no mundo. Foi muito difícil, mas fantástico do ponto de vista de crescimento da área. E o segundo momento é agora.
Se você pesquisar por artigos científicos sobre Covid no Pubmed vão aparecer mais de 177 mil registros, isso em um ano e meio.
Nunca existiu isso antes, é o mundo todo estudando sobre tudo. Nos últimos 20 anos o mundo evoluiu de forma em progressão geométrica e a medicina também. Então, se você me perguntar como vai ser o futuro, eu consigo falar sobre os próximos cinco ou dez anos, depois não se sabe, porque é uma PG [progressão geométrica].”
Fábio Fernandes Morato Castro, alergista e imunologista