Empresa alemã de alcance mundial fundada em 1863 e uma das marcas mais conhecidas da indústria farmacêutica, a Bayer teve despesas globais de 5,3 bilhões de euros apenas em pesquisa e desenvolvimento em 2019. Neste caso, despesa não é gasto sem retorno, mas investimento. E a aposta em inovação seguiu intensa neste 2020 de pandemia.
Na América Latina, isso se refletiu na criação de uma inédita área de Transformação Digital da divisão Pharmaceuticals, baseada no Brasil. É uma posição inédita no setor de Tecnologia da Informação da companhia. Para ser a diretora-executiva, foi contratada a indiana Niyantri Ramakrishnan, que assumiu a função em agosto.
Criada em Mumbai, Niyantri, 36 anos e dois filhos, já morou, estudou e trabalhou nos Estados Unidos e em Portugal, e vive no Brasil há sete anos e meio. Com MBA executivo na americana Harvard Business School, ela já trabalhou anteriormente em nosso país na AstraZeneca e Novartis. Assumiu na Bayer o desafio de intensificar a presença do digital interna e externamente.
Em entrevista por videoconferência, Niyantri falou ao Future Health de sua nova função num departamento inédito e da expectativa pelo LifeHub SP, um hub de inovação aberta que acaba de ser lançado ao público em um evento online, o Bayer Life, em 24 e 25 de novembro, mas que já vem funcionando internamente.
Em agosto, você se tornou responsável pela área Digital Transformation. Queria que você falasse desse cargo, que é novo na empresa.
É um cargo novo que foi desenvolvido recentemente aqui. Tem uma grande importância na organização porque, mais do que nunca, precisamos de uma transformação digital mais acelerada.
Esse cargo foi desenvolvido para passar de TI para transformação digital, de um conceito que era mais tradicional para um modelo mais arrojado.
A gente está se estruturando, através do meu time, para garantir mais agilidade, flexibilidade, com dinamismo na nossa resposta para criar soluções que vão ter impacto nas vidas dos nossos pacientes, médicos, cuidadores.
Você tem uma equipe de quantas pessoas?
Minha equipe está se formando. No momento, tem cinco pessoas, mas está migrando para uma estrutura maior com doze pessoas.
Como a pandemia afetou e como pode afetar todo o trabalho da Bayer?
A pandemia, em muitos sentidos, foi um “wake up call”. É um momento de reflexão para repensar a forma que a gente atua, como trabalha e se prepara. Já existia uma vontade para inovar mais, para transformar, para ser mais digital. Mas isso foi impulsionado durante a pandemia. Conseguimos achar formas de continuar com o modelo de negócio que a gente precisa, mas nos flexibilizar para não ficar com os processos estagnados.
Encontramos formas ágeis de trabalhar para reinventar, repensar, questionar como ser mais eficientes e agregar mais valor.
Assim, aqui no Brasil, em questão de um mês já passamos da fase de inserção, de começar a desenvolver as ideias, até a de colocar na rua e executar. Fiquei impressionada, ainda mais por ter entrado agora na empresa, do quanto essa aceleração foi absorvida pelas pessoas no dia a dia. Todo mundo muito alinhado com o nosso propósito de “saúde para todos e fome para ninguém”.
Que lições foram aprendidas nesse período, no 2020 maluco que a gente está vivendo?
Em termos de lições, duas principais. Primeiro, a gente não pode prever o futuro. Ninguém pensou que 2020 seria um ano desses, com pessoas ficando 100% no digital. Para pessoas como eu na área de transformação digital, pode ser um sonho porque é o futuro que a gente quer, só que não dessa forma, numa situação de crise mundial.
Aprendemos a não deitar nos louros porque nunca se sabe o dia de amanhã. E também a potencializar isso na organização.
Segundo aprendizado foi ver a disposição de encarar o digital. Claro que a crise levou a uma adoção digital por necessidade. Todo mundo precisou ficar em casa, usar telemedicina, pedir para entregar um produto em casa. O pós-normal ou novo normal vai ser dinâmico e o futuro não será igual aos tempos pré-Covid. Isso é uma previsão muito clara. A gente precisa se preparar para esse futuro. A taxa de aceleração era mais lenta antes do Covid, mas continuará muito forte mesmo numa fase pós-vacina.
O digital seria o grande desafio para a Bayer atualmente, então?
Acho que é uma oportunidade, mais que um desafio. Vemos essa afinidade com o digital tanto internamente na organização quanto externamente. Em termos de desafios, há coisas que a gente pode pensar que controla, mas não controla. Por exemplo, quanto tempo vai demorar até tudo voltar para um cenário 100% “face to face”? Ninguém sabe isso. Mas os fatores controláveis são como potencializar mais e mais essa oportunidade digital, conhecer nossos pacientes, suas necessidades, suas jornadas, quem está sofrendo junto. Temos foco nesse pilar de humanização de como trazer soluções, como interagir, como entender o trabalho.
Quanto mais humanizada a experiência, maior impacto para quem está recebendo um serviço, um produto, uma interação.
Nosso formato digital tem quatro pilares importantes, esses são nossos desafios. O primeiro é olhar para o cliente. O segundo é desenvolver as capacidades das pessoas para esse futuro, para garantir que pacientes tenham mais acesso, tratamento adequado. O terceiro é a cultura [da empresa], o “mindset” de como a gente consegue mudar nos pequenos momentos do dia, não só nas grandes coisas. O quarto pilar é o core de tecnologia. A gente precisa ter o feijão com arroz que funciona muito bem. Não adianta ter uma solução muito, muito legal com um aplicativo com mil botões diferentes se o básico não funciona. No final, transformação digital é simplicidade.
Como você definiria, pela sua experiência relativamente ainda curta na empresa, a cultura de inovação na Bayer? Como isso é passado para funcionários, colaboradores?
Ainda mais aceleradamente durante a pandemia, demos passos para elevar uma cultura de inovação que já existia. Já havia uma base de precisar nos desafiar, olhar novas soluções. Na Bayer, a cultura de inovação é muito incutida dentro dos times. Trabalhamos com metodologia ágil, o processo de design thinking é bem forte.
A gente já tem estruturas de inovação, não é só um conceito distante, não é só buzzword. É muito concreto em termos de estrutura de processos, de forma de trabalho, do mindset dos times no dia a dia.
É uma pauta constante na nossa agenda. Temos discussões que geram ricas discussões também na diretoria e no resto da organização. Ser digital não é todo mundo estar no Instagram o tempo todo… Digital para nós é o significado do que faz sentido para termos uma qualidade de vida melhor.
Que case de sucesso da Bayer na inovação você destaca?
A forma com que a gente respondeu à pandemia. Estamos sendo reconhecidos pelas comunidade médica porque tivemos um milhão de contatos virtuais com esses profissionais na América Latina, cerca de 85 mil médicos. Fizemos sessões para ajudar médicos e assistentes a maximizar suas consultas, a saber como receber com regras de ouro seus pacientes nos consultórios.
Compartilhamos nosso conhecimento. São coisas simples que, às vezes, podem ter mais impacto.
Além disso, a gente lançou 100% digitalmente três produtos [Nubeqa, para câncer de próstata; Xarelto, para trombose venosa e embolia pulmonar]; e Kyleena [um contraceptivo de atuação prolongada]. Pudemos atingir mais pessoas. O digital democratiza o acesso à informação, ao conhecimento.
Algum projeto em desenvolvimento que você possa divulgar?
Temos uma parceria importante com a empresa One Drop, que trabalha com “digital therapy”, ou terapia digital, que pode ser 100% ou complementar num tratamento. A One Drop já tem uma solução para diabetes, um modelo preventivo, preditivo e também personalizado para a pessoa acompanhar um tratamento em nível digital com todas as informações, e com seu médico tendo acesso.
Nessa parceria com a One Drop, vamos usar esse conceito para criar novos produtos digitais para outras doenças, outras áreas em que a gente atua.
Outro exemplo é uma entidade interna que temos, a Leaps. Uma área em que a Bayer trabalha com parcerias grandes para a expansão de portfólio. Fizemos a aquisição da BlueRock Therapeutics, de terapia gênica, e depois da AskBio, de biotecnologia. Para a terapia gênica, estamos entrando na arena. É um futuro em que a gente acredita, um novo conceito de tratar doenças.
O que é o LifeHub, o hub de inovação que a Bayer está lançando? Como ele funciona? O que vai proporcionar?
É nosso hub de inovação aberta. Acreditamos que o futuro para inovação e transformação digital está em parcerias. Para a gente aprender mais sobre o que existe, achar soluções para problemas que já identificamos, observar o ecossistema digital para ver o que a gente pode usar, potencializar para melhorar a experiência dos pacientes.
O LifeHub é um hub de inovação cross-divisional – ou seja, todas as divisões são unificadas em um hub.
O objetivo é potencializar essas oportunidades de inovação, de formas de solucionar problemas usando metodologias ágeis e novas como design thinking, learning by doing.
Como uma empresa centenária como a Bayer, que tem uma tradição enorme e um produto como a Aspirina que é praticamente sinônimo para analgésico, lida para não ficar parada no tempo? Como é saber que você está carregando a tradição de uma empresa mundial e seguir em frente?
Com os tipos de ação que a Bayer está tomando, até mesmo minha contratação é um exemplo disso. Não podemos deixar as estruturas como eram tradicionalmente. Falamos de inovação incremental, arquitetural e disruptiva, as três contam. A gente se estrutura para o sucesso e também modifica se for necessário.