• “A tecnologia não mudou o consumidor – ele mudou e a tecnologia tem que se adaptar. Essa é a grande transformação”, diz diretora de marketing da Dasa

    Para Andrea Dolabela, diretora de Produto, Marketing, Experiência e Dados do grupo, colocar o paciente e o médico como o centro de suas soluções – e usar novas tecnologias para promover a integração total – são as eficientes estratégias do grupo (Foto: Wellington Nemeth)
    Jose Renato Junior | 16 dez 2020

    Depois de mais de 11 anos trabalhando essencialmente com marketing no mercado financeiro, Andrea Dolabela chegou à Dasa. Foi um caso de amor à primeira vista. No setor de saúde, diz ela, entendeu o que lidar com propósito.

    “As dores do setor, a gente sente como usuário. Todo mundo consome saúde, seja para você mesmo ou para a sua família”, afirma Andrea. “E acredito que a Dasa tem todas as condições de ser uma protagonista na mudança em direção à melhoria da saúde das pessoas.”

    Agora há quatro anos no grupo, Andrea vem acompanhando a transformação digital por qual a companhia passa desde 2015. “Agora somos um ecossistema, unindo outras empresas nessa jornada, sempre com objetivo de gerar mais valor para as pessoas”, conta ela, referindo-se às demais empresas que compõem o grupo.

    A Dasa é hoje líder em medicina diagnóstica no Brasil e na América Latina e a 5ª maior do setor no mundo, com foco em análises clínicas, diagnóstico por imagem e medicina genômica. Mais de 40 redes de laboratórios fazem parte dela, distribuídas em cerca de 900 unidades, como Delboni Auriemo, Salomão Zoppi, Lavoisier, Alta, Sergio Franco e CDPI

    Desde 2019, o ecossistema também conta com a Ímpar, segunda maior rede independente de hospitais do Brasil, que reúne hospitais como 9 de Julho (em São Paulo), São Lucas (Rio de Janeiro) e Hospital e Maternidade Brasília. No mesmo ano, o grupo uniu-se à GSC Integradora de Saúde, referência em coordenação de cuidado e gestão de saúde.

    Agora em dezembro o ecossistema anunciou a aquisição do Grupo Leforte de hospitais – e passou a ser o segundo maior player independente de hospitais do país. A aquisição de R$ 1,77 bi dobra a operação hospitalar da companhia. No ano passado, o faturamento combinado foi de quase R$ 9 bilhões.

    Há um ano à frente da área de Produtos, Marketing, Experiência e Dados, Andrea trabalha na integração da saúde, colocando paciente e médico como o centro de tudo. “Esse é o grande ponto da saúde”, afirma ela. “Durante muito tempo, pela própria forma como o setor está organizado, o foco estava na transação – o que também aconteceu no setor financeiro e em tantos outros. A ideia era construir.”

    Ela conta que a saúde ficou atrasada em relação à oferta de serviços e serviços integrados. “Ao mesmo tempo, é um dos setores em que isso é mais necessário, porque estamos falando de pessoas”, diz. “Não tenho como não pensar no ser humano como um todo.”

    Confira abaixo os principais trechos da conversa de Andrea com Future Health.

    Que iniciativas você pode destacar da jornada de transformação pela qual a Dasa passa?
    Existe uma necessidade de uma mudança cultural para se fazer a transformação digital. Ela não é sobre ser digital, é sobre cultura. As pessoas às vezes confundem e acham que a transformação digital é eu chamar uma consultoria e colocar várias squads trabalhando em produtos. Na realidade, é uma cultura diferente. É a cultura de resolver problemas reais, de trabalhar hipóteses e de construir isso de baixo para cima, através das pessoas, e não top down. E acho que essa foi a grande mudança que a gente vem fazendo. E digo “vem fazendo” porque ela nunca acaba: cada dia aparece uma coisa nova. A cultura ágil é assim, todo dia tem algo novo e você tem que se adaptar, tem que construir. O consumidor está mudando. 

    Não é a tecnologia que mudou o consumidor – ele mudou e a tecnologia tem que se adaptar a isso. Essa é a grande transformação. 

    Respondendo sua pergunta, o fator mais importante, o trigger point disso é a interoperabilidade. Temos dois clientes fundamentais: o médico e o paciente. O médico também é muito importante nessa jornada porque só os dois trabalhando e estando integrados que a saúde vai funcionar. Para construir tanto a transformação digital quanto a tecnologia que facilita a vida dessas pessoas, existe uma fundação fundamental: conseguirmos interoperar dados e sistemas. O sistema é muito fragmentado no setor e também internamente. 

    É por isso que você vê várias startups resolvendo problemas às vezes de forma muito simples, num pedacinho da jornada, e as grandes empresas com dificuldade para passar aquela rebentação.

    Isso porque existe um legado de sistemas que foram construídos com uma base diferente da que a gente tem hoje. Fazer essa mudança é complexo. É preciso acreditar, entender, investir bastante e, principalmente, ter um pensamento de longo prazo. Acho que a integração é a base de tudo. A gente só vai conseguir gerar valor para as pessoas, seja médico ou paciente, conseguindo integrar todos os serviços e todos os dados. Isso já aconteceu em outros setores e vem acontecendo em empresas menores, mas, em uma empresa do nosso tamanho, esse é o maior desafio.

    Como esse ecossistema todo da Dasa que você mencionou se liga e qual é o papel de cada um nesse grande negócio?
    Parece complexo – e é de se fazer –, mas a compreensão da base é muito simples. Cada pessoa é única e ela tem que ser percebida como única, que integra uma jornada. Você, por exemplo, eventualmente vai precisar de um médico para um tratamento. O médico vai precisar de um diagnóstico. Esse diagnóstico precisa ser preciso. E se for preciso uma cirurgia eletiva, ela tem que ser transacionada da melhor maneira. Você tem saber quem é o médico ideal para fazer aquela cirurgia, em qual hospital. Quando você tiver alta, talvez precise tomar uma medicação – e vai precisar entender essa medicação. 

    A jornada hoje é fragmentada e isso acaba gerando uma ineficiência muito grande no setor e uma dificuldade do paciente e do médico de resolver os problemas que vão acontecer ao longo dela. 

    A forma de integrar tudo isso é colocando as pessoas no centro, desenhando jornadas de saúde que engajam e que integram o paciente, o médico e toda a equipe necessária. E esse acesso deve ser facilitado através de plataformas digitais, que têm uma experiência mais simples, mais dinâmica e personalizada. 

    Como tecnologias como inteligência artificial e análise de dados são aplicadas e ajudam a fazer a integração total na Dasa? 
    A gente vem trabalhando em dados já há quase três anos com um time muito focado em algoritmos, modelos e inteligência artificial. Temos um time dedicado à inteligência artificial para o diagnóstico, com foco em imagem. E temos construído parcerias como, por exemplo, com Harvard. A gente também trabalha com machine learning e com analytics mesmo, data science, redes neurais. 

    Temos trabalhado com todos os tipos de ciências de dados e focados muito em predição e identificação de gaps de cuidado, criação e desenvolvimento de alertas clínicos para médicos e para pacientes.

    Isso tudo para facilitar e empoderar essas pessoas no momento certo para serem cuidadas. Entendemos que temos um papel fundamental com toda a informação e com toda a inteligência que já construímos no sentido de ajudar o médico e o paciente a identificar precocemente algum problema. E também gerar eficiência nos atendimentos a pacientes que têm risco maior de internação, risco de complicação grave ou que precisam se engajar em algum tratamento ou em algum cuidado específico. 

    Na prática, o que isso representa para o paciente?
    Por exemplo: ao identificar, com o uso de inteligência artificial direto na imagem, a alta probabilidade de algo que apareceu lá ser uma imagem com chance maior complicação, conseguimos acelerar o contato com o médico por esse paciente. Então, em relação a um exame que o paciente poderia demorar alguns dias para pegar, já geramos um alerta crítico, esse exame segue para ser laudado com urgência com nossos melhores médicos e entramos em contato com o médico do paciente. 

    Outro exemplo: se um médico está com um exame de mamografia que já deu uma alteração passível de biópsia, imediatamente entramos em contato com o médico do paciente para informar. 

    Isso porque percebemos que o tempo entre uma mamografia alterada e uma biópsia, para um diagnóstico correto de um câncer de mama, às vezes era muito longo. E aceleramos aquilo nos responsabilizando não só pelo resultado do laudo, mas pelo cuidado do paciente como um todo. 

    E neste momento, a que projetos você está se dedicando?
    Entendemos que a tecnologia é um ativo importante para tudo isso. Não é ela o ponto de partida e fundamental, mas hoje, por exemplo, as pessoas não vivem mais sem o celular. É lá onde está a vida de todo mundo. E estamos trabalhando aqui em uma plataforma que se chama Livia Saúde

    A Livia é uma plataforma que integra todo cuidado do paciente e toda jornada do médico. 

    É omnichannel, são vários canais, web, WhatsApp, canal para o médico e para o paciente – ela tem uma versão para cada um deles, integrando os dois e integrando os dados. Dentro da Livia Saúde o paciente tem acesso a todos os dados de exame, sejam dos nossos laboratórios ou de mais de 20 laboratórios de terceiros. Isso era uma grande dor: preciso ir ao médico e tenho que imprimir os meus dados de três sites porque fiz exames em laboratórios diferentes. Juntar tudo isso em um único lugar com uma experiência tanto para o paciente quanto para o médico soa simples, mas ninguém faz. Recentemente, por causa da pandemia, a gente acelerou muita coisa no desenvolvimento dessa wallet de exames e integramos a Livia à telemedicina. 

    Nossa plataforma de telemedicina tem o objetivo de dar aos pacientes uma opção para não sair de casa e para ter um atendimento online na hora.

    O paciente entra em uma fila e em menos de 1 minuto ele é atendido por um médico. E o atendimento é integrado ao nosso hospital. Então se ele, por exemplo, tem sintomas de Covid-19 e tem uma complicação, já é orientado a ir ao pronto-socorro. Mas ele não vai para o PS se não há necessidade. Também agendamos consultas de especialidades e já transicionamos se ele precisar de um exame. 

    E, olhando agora com perspectiva para o ano que tivemos, quais foram os aprendizados da Dasa?
    Acho que o maior aprendizado para a gente foi a capacidade de agir muito rápido e promover a integração. Somos um grupo composto por três empresas: a Dasa mesmo, de medicina diagnóstica, a Ímpar, que é a nossa rede de hospitais, e a GSC, que é uma integradora de saúde que trabalha com coordenação de cuidado e atenção primária. 

    Antes da pandemia, apesar de a gente trabalhar em grupo, eram na essência três empresas apartadas. A necessidade de integrar tudo foi muito latente nesta pandemia.

    O paciente precisa de atenção primária, precisa de um diagnóstico, de um hospital se eventualmente for internar. Ele precisa ficar em casa e ser monitorado, precisa de um homecare. Então tivemos que nos integrar como grupo e a resiliência de fazer isso muito rápido, entender o que ainda estava nos prendendo e como a gente ultrapassaria todas essas barreiras, acho que isso foi o maior aprendizado desta pandemia. Esse foi o aprendizado de várias empresas que passaram por isso. No nosso caso, a necessidade era muito clara. Estávamos fazendo exames de Covid nas unidades lotadas e os hospitais também atendendo pacientes, por isso tivemos que nos reinventar. 

    Para nos reinventarmos, usamos recursos que a gente tinha: as pessoas.

    O médico e o paciente também mudaram. Aprenderam a não se movimentar tanto, a estar em casa, a se empoderar mais da sua saúde, consumir mais conteúdo de saúde. E acho que essa mudança vai ser algo que vai permanecer. E também utilizar a tecnologia como uma das ferramentas para cuidar da saúde.

    Como está o projeto da vacina no qual a Dasa está envolvida?
    Não somos uma empresa de vacina, não é esse o nosso objetivo, mas fomos convidados para participar investindo na pesquisa clínica de uma vacina. Nosso time médico está trabalhando junto com parceiros de fora no desenvolvimento da vacina da Covax. Ela é uma subsidiária da United Biomedical, uma empresa americana que já faz vacinas há muitos anos e tem muita expertise. 

    A Covax foi fundada especialmente para o desenvolvimento de uma vacina para a Covid-19, no meio da pandemia. 

    E a Dasa fez um investimento de R$ 15 milhões junto de outra parceira, com a Mafra. Acima desse investimento, a ideia é colocar a expertise da companhia, toda nossa força e empenho em contribuir com esse estudo clínico. Ele está ainda na fase 1, as fases 2 e 3 vão ser feitas aqui no Brasil. A vacina tem demonstrado ser muito promissora. Não é uma uma corrida pela primeira vacina: o mundo é gigante, é muita gente para proteger, para vacinar. E ela ela está alinhada com o nosso propósito de melhorar a vida das pessoas. Mas não somos uma farmacêutica, não temos nenhum objetivo de ser. 

    Que projetos você pode destacar da Dasa em parceria com startups e universidades? 
    Ninguém vai construir mais nada sozinho. Todo mundo vai se conectar, estar junto com outros players que resolvem problemas específicos. Nós acreditamos nisso. A gente está no Cubo [Itaú, hub de empreendedorismo] e nosso objetivo é apoiar as startups que estão lá, mas eventualmente, sim, fazemos parcerias com várias delas. Recentemente a gente se plugou no BI da Memed, que é uma empresa de prescrição virtual de remédios. 

    A Memed tem uma solução que já estava no mercado, superevoluída, não faria sentido a gente construir internamente. 

    Trabalhamos também com outros parceiros com tecnologias específicas. A gente está muito conectado com várias empresas de fora, tem muitas startups resolvendo problemas na saúde e existem os grandes players também tentando fazer coisas específicas – principalmente nessa dinâmica de jornada do paciente, de coordenação, de integração do cuidado. Isso está mais evoluído em países do exterior, mas acredito que o ecossistema brasileiro tem todas as condições para isso. Temos uma população enorme, enfrentamos várias dificuldades, nosso setor de saúde é superfragmentado e, durante muito tempo, teve um incentivo errado, direcionado para volume. Temos esse propósito de gerar valor e acredito que a gente vai estar muito à frente de outros países do exterior. 

    Existe um caminho para se mudar comportamento, que já vem acontecendo, para engajar as pessoas na própria saúde.

    Isso é bom para todos. O setor vai tratar menos doentes e vai tirar as pessoas da complicação do hospital, além de poder ampliar acesso, porque vai ter menos gasto da alta complexidade. É bom para as pessoas que vão viver mais, com mais qualidade. Nosso papel, como parte de toda a cadeia, é também relevante nesse sentido. Temos que educar as pessoas a cuidarem da própria saúde.

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