• Ajudar o paciente a retomar o protagonismo da vida: este é o objetivo da Rede de Medical Coaches Brasil

    Segundo a advogada Mariana de Albuquerque Campos (foto) e o ex-executivo da indústria farmacêutica João Carlos Ferreira, o medical coach é treinado para lidar com as questões que resultam do diagnóstico que desestruturou a vida do cliente
    Jose Renato Junior | 23 abr 2021

    Em 1999, dois meses após ter se casado, a israelense Shiri Ben-Arzi foi diagnosticada com uma doença que pode evoluir para uma forma grave, a hipertensão arterial pulmonar. Seu médico deu poucas esperanças e, durante dez anos, ela foi tratada da forma errada.

    “Por causa do tratamento que recebeu, seu quadro se agravou. E, ao longo do processo, Shiri foi percebendo o quanto ela, como paciente, se deixava levar e perdia o protagonismo sobre a própria vida”, conta João Carlos Ferreira, cofundador da FTR, empresa de consultoria de desenvolvimento de liderança focada na área da saúde.

    O impacto que o tratamento teve na vida de Shiri foi brutal, a ponto de ela passar a ter uma atitude de antagonismo com os médicos. Nesse processo, ela desenvolveu uma metodologia que culminou na criação do Medical Coaching Institute.

    “Se eu tiver que explicar para uma pessoa o que é o medical coaching em uma frase, eu digo: é o coach ajudando o paciente a retomar o protagonismo da própria vida”, diz João, que é um dos poucos brasileiros certificados pelo programa de Shiri.

    Da mesma forma que o processo de coaching ajuda um indivíduo a lidar melhor com os desafios que enfrenta usando as competências que tem, o medical coaching apóia pessoas que lidam com um desafio de saúde, além de promover a melhoria da comunicação entre pacientes e profissionais de saúde.

    O método passa por fazer o interessado avaliar quais são as coisas que realmente são importantes para ele, onde ele quer colocar sua energia e com quais barreiras vai lidar.

     

    O medical coach João Carlos Ferreira

    “Não somos como os profissionais da saúde. Não estamos lá para tratar a doença, porque para isso tem o médico, o enfermeiro, o fisioterapeuta, uma série de profissionais.”

    Segundo Mariana de Albuquerque Campos, que, como João, é também cofundadora da Rede de Medical Coaches Brasil, estar em tratamento médico é um pressuposto do atendimento desse tipo de profissional.

    Em tese, explicam eles, qualquer coach poderia trabalhar com uma pessoa que está passando por um tratamento médico. Um medical coach, no entanto, tem todo seu treinamento voltado para lidar com as questões que resultam do diagnóstico que desestruturou a vida do cliente.

    “É preciso tirar o foco da pessoa da dor para colocar esse foco de volta nela”, diz João. “A partir daí, a pauta está aberta.”

    De acordo com Mariana, às vezes as sessões são apenas dedicadas a como aquela pessoa vai tentar encontrar mais otimismo em seus dias. “O que é muito interessante na relação do medical coach é que nossa meta é realmente ajudar essa pessoa a voltar para a sua essência, mas muitas vezes a pauta da sessão é dada pelo estado da pessoa naquele dia.”

    QUALQUER PACIENTE É UM CLIENTE EM POTENCIAL

    Segundo Mariana, qualquer pessoa que esteja passando por uma crise de saúde e enfrentando uma doença é um potencial cliente de um medical coach. Mas não é só: cuidadores e outros profissionais de saúde também podem solicitar esse tipo de atendimento. 

    “Logo no início da pandemia, enfermeiros do Hospital Universitário da USP estavam sobrecarregadas, com a vida de cabeça para baixo”, lembra João. “Não tinham mais horário para nada, gente morrendo, demanda intensiva. Fizemos um trabalho de ‘vamos dar um tempo para nós’.”

    A Rede de Medical Coaches Brasil foi criada em 2019 por um grupo de profissionais que foi treinado pelo instituto de Shiri Ben-Arzi. 

    Os casos que atendem são tão diferentes quanto as propostas das sessões. “Caso a pessoa nos contrate e a necessidade dela é definida no tempo, já está definido no tempo o nosso trabalho”, explica João. 

    E exemplifica: “Um cliente, por exemplo, estava em tratamento paliativo e distante da família e queria resolver essa questão. Assim que voltou a se aproximar da família, acabou nosso trabalho”.

    O processo é, portanto, focado em um resultado – uma vez obtido esse resultado, o cliente que escolhe se quer outro trabalho ou se prefere encerrar o trabalho. “A média gira em torno de 10 a 12 sessões”, diz Mariana. 

    MEDICAL COACHING NÃO É PROCESSO TERAPÊUTICO

    Segundo a profissional, muita gente confunde as sessões de medical coaching com psicanálise. “O processo terapêutico normalmente tem uma intenção mais investigativa, de um aprofundamento”, diz. 

    “Já nós trabalhamos com metas estabelecidas pelo cliente. Não é incomum meu cliente fazer também psicanálise ou terapia.”

    Com formação em economia, João conta que, para ele, é importante que seu trabalho tenha metas. “Começo com a definição de onde o cliente quer chegar”, diz. 

    “Não é raro chegar alguém com uma demanda não realista, não viável. Mas, quando conversamos e investigamos o cerne da questão, chegamos a objetivos viáveis.”

    A empresa fez um trabalho com uma entidade que concentra pessoas com uma doença rara chamada paramiloidose, um distúrbio neurológico degenerativo e genético. 

    A questão que o cliente de João trouxe era o trabalho. “A doença diminui muito a capacidade de trabalhar, e ele precisava sustentar a família”, relembra o coach. 

    “Eu não tinha como conseguir um emprego para ele e isso não tinha nada a ver com saúde. Mas nós trabalhamos o possível: tirar a fantasia dele dos empregos que não fariam sentido, colocá-lo em ação para tentar o que pode, pensar coisas que ele poderia fazer pela renda da família que não fosse um emprego. E para ele fez sentido.”

    O coach precisa saber muito pouco sobre a doença em si de seu cliente. “O que a gente precisa saber é como o ser humano está”, diz Mariana. 

    Segundo ela, quando uma pessoa tem uma crise de saúde, todas as áreas de sua vida são abaladas. “Se você é mãe, se sente ameaçada na sua maternidade. Se é esposa, se sente ameaçada no casamento. A questão financeira, a questão de trabalho, suas relações de amizade: tudo é abalado de uma forma muito grandiosa”, afirma. 

    “Os detalhes da doença só vão ser interessantes para mim se forem interessantes para o cliente. Caso contrário, não tenho por que ficar investigando.”

    UMA REDE É MELHOR DO QUE UMA PESSOA

    Durante mais de 20 anos, João trabalhou na indústria farmacêutica e foi diretor da Roche e da Sandoz. Quando, nesta empresa, trabalhava na divisão de medicamentos de hipertensão, começou a perceber a dificuldade que temos em lidar com diagnósticos e tratamentos. 

    “A pessoa não tem nada, descobre por acaso que tem hipertensão e isso muda toda sua vida: ela não pode mais consumir sal ou gordura, ela emagrece e tem que mudar toda sua rotina, tomar remédio, fazer meditação, atividade física… Até que ela percebe: se fizer tudo isso, já não é mais ela, é outra pessoa. É o que ela quer?”, questiona.

    “O médico não sabe ajudar nessa hora, ele não tem esse tempo, não tem essa formação, não tem esse treinamento. O psicólogo não ajuda a lidar com o tratamento. Ele pode ajudar a lidar com depressão, angústia. Mas o profissional que está lá para ajudar a mudar a relação da pessoa com a vida é o coach.”

    Uma doença autoimune fez a própria Mariana repensar sua vida. Advogada, ela trabalhava fazia muito tempo com mediação – e percebeu que o ritmo profissional provocava o estresse que a adoeceu.

    “Conheci o coaching e decidi que queria trabalhar ajudando pessoas a se recuperarem o protagonismo de suas vidas”, afirma. 

    “Quando recebi o diagnóstico, fiquei bem abalada. Eu chorava muito. Meu pai e minha mãe ficaram muito afetados, queriam me entupir de calmante”, relembra. “Mas eu chorava porque precisava chorar. A gente precisa abraçar as emoções. E é isso que o medical coach faz: entende como o cliente está a partir do lugar dele.”

    São pouquíssimos medical coaches no país: não mais que 10. Todos os certificados pela israelense Shiri participam da Rede de Medical Coaches Brasil. “Nem todo projeto que pegamos envolve todo mundo, mas todos são sempre convidados”, diz João. 

    Veio de Shiri a orientação para que eles se unissem em uma rede. “Ela disse: você tem a sua carteira de clientes e, de repente, fecha um acordo com uma clínica que tem 30 pacientes. Um coach não dá conta”, explica João.

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