• Como evitar que um milhão de recém-nascidos tenham sequelas neurológicas? Esta é a missão da PBSF

    Gabriel Variane, CEO e fundador da Protecting Brains & Saving Futures
    O neonatologista Gabriel Variane é CEO e fundador da Protecting Brains & Saving Futures. (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 30 mar 2023

    A cada ano, um milhão de crianças nascem com alto risco de sequelas neurológicas. Essa estatística global, trágica e gigantesca, é alvo de uma empresa brasileira. Operando desde 2016, a PBSF (Protegendo Cérebros e Salvando Futuros”, na sigla em inglês) desenvolve tecnologias para atacar esse problema que é universal, atravessando geografias e classes sociais.

    A fim de melhorar a avaliação clínica e neurológica de recém-nascidos de alto risco no mundo todo, tornando-a mais acessível, eficiente e precisa, a PBSF está adotando a tecnologia de realidade mista com os óculos HoloLens 2, trazido ao Brasil pela Microsoft.

    A ferramenta faz parte da UTI Neon (UTI Neonatal Neurológica Digital), solução pioneira que disponibiliza assistência remota, aplicação de monitoramento cerebral, armazenagem de dados, análise dos resultados e identifica precocemente disfunções cerebrais nos pacientes.

    O dispositivo, semelhante a óculos de realidade virtual, permite a realização do exame neurológico e uma discussão imersiva sobre casos clínicos em recém-nascidos de alto risco, além de conceder ao médico à beira leito informações do paciente em tempo real, sem a necessidade de deslocamento. 

    O neonatologista Gabriel Variane, CEO e fundador da PBSF detalha a inovação:

    “O passo chave para o sucesso do bebê de alto risco é a avaliação precisa do médico da ponta. Por meio da realidade mista do HoloLens 2, o profissional implementa a avaliação guiada do recém-nascido com as mãos livres e manipula a criança por meio de assistência guiada via Microsoft Teams. O especialista também usufrui de um guia holográfico que direciona o tratamento específico necessário ao paciente.”

    O dispositivo reúne listas de atividades, protocolos e formulários e permite acesso a materiais de apoio que servem como guia para o profissional da saúde na execução do passo a passo, além da captura de imagens de cada etapa. 

    “Existe um conceito na neonatologia que diz que ‘tempo é cérebro’. O HoloLens 2 garante que o tratamento dado ao paciente é o ideal para aquele caso. No caso de asfixia perinatal, por exemplo, o médico à beira leito se empodera e, de acordo com o exame neurológico e demais informações, define se a criança precisa ou não de hipotermia terapêutica, por exemplo. Nós não conseguimos regenerar neurônios, por isso o tempo é precioso se quisermos um desfecho clínico mais saudável para cada criança e sua família”, complementa o neonatologista.

    Em entrevista para FUTURE HEALTH, Variane, que também é coordenador da UTI Neonatal Neurológica da Santa Casa de São Paulo, explica o tamanho do desafio que é evitar sequelas neurológicas em 1 milhão de recém-nascidos por ano e como pretende alcançar essa ambiciosa meta.

    FUTURE HEALTH: Como surgiu a ideia de criar a PBSF?

    GABRIEL VARIANE: A Protecting Brains & Saving Futures surgiu em 2016. Eu fiz toda formação acadêmica na Santa Casa de São Paulo, e depois que terminei a residência, tive experiência em alguns centros internacionais nos EUA, Canadá e Reino Unido. Neste último, na Universidade de Cambridge, em 2015, conheci um projeto focado em atender todas as crianças nascidas no leste da Inglaterra com diagnóstico de asfixia. Obrigatoriamente esses bebês precisavam receber dos hospitais um tratamento com hipotermia e monitoramento constante.

    Um dos meus mentores à época explicou que, além da padronização médica, embasada em evidência científica, os protocolos viraram política pública porque existe um benefício socioeconômico gigantesco em prevenir que uma criança tenha sequelas a longo prazo.

    Quando voltei ao Brasil, percebi que menos de 5% dos hospitais ofereciam esse monitoramento preventivo, então havia uma oportunidade de implementar um projeto grande, centralizando todas as informações de que um profissional em UTI neonatal precisa para proceder com pacientes com risco de danos neurológicos.

    FH: Como funciona a UTI Neon?

    GV: Qual era a única forma de promover homogeneidade de protocolos e condutas numa UTI neonatal? Via uma central de monitoramento. Conforme o conceito de telessaúde foi ficando mais refinado ao longo dos últimos anos, chegamos ao modelo de UTI Neonatal Digital. 

    Trata-se de um sistema de saúde digital integrado que se vale de um sistema de educação longitudinal, com monitoramento em tempo real e disponibilidade para discutir casos clínicos críticos a qualquer momento, 24 horas por dia, com uma equipe médica remota de plantão.

    Tudo isso se soma à inteligência artificial (IA) que pode utilizar algoritmos para detecção automática de crises e outras anormalidades. Ou seja, com foco em diagnóstico precoce e mais preciso. A esse conceito digital da Neon, estamos acrescentando, agora, a realidade mista, com óculos Hololens 2.

    Todo esse sistema é plug & play. A tecnologia pode ser embarcada imediatamente, bastando uma boa conexão à internet, em qualquer localidade do Brasil e do mundo. 

    Por isso, temos capacidade de atender desde maternidades particulares em grandes centros urbanos até UTIs neonatais mais remotas, no Pará e em Roraima, por exemplo.

    FH: Quais são as principais causas de sequelas neurológicas em recém-nascidos?

    GV: A asfixia perinatal é uma das patologias mais presentes no nascimento. 

    Mais de um milhão de bebês recém-nascidos apresentam asfixia perinatal anualmente. No Brasil, isso acontece com algo em torno de 20 mil a 30 mil bebês. São duas a três crianças por hora. De 15% a 25% morrem. 

    É a terceira principal causa de morte em bebês no mundo e, dentre os que sobrevivem, mais de um terço, cerca de 35%, vão ter lesões neurológicas graves. Quando utilizamos metodologias de monitoramento e prevenção, a mortalidade e as sequelas diminuem drasticamente.

    A prematuridade, quando o bebê nasce antes de 37 semanas de gestação, é outro fator de risco para danos neurológicos, sobretudo entre os nascidos com menos de 28 semanas ou 1 kg de peso. Nessa faixa, o risco de lesões cerebrais é altíssimo.

    Outra condição que podemos destacar é uma má formação do coração chamada cardiopatia congênita. Se ela diminui o fluxo de oxigênio sanguíneo pelo corpo, o cérebro certamente será comprometido, ocasionando lesões neurológicas.

    Mas existem diversas outras situações com risco de danos neurológicos em recém-nascidos. De uns anos para cá, contudo, temos sido capazes de, aliando conhecimento científico e tecnologia, garantir não somente sobrevida, mas qualidade de vida a cada vez mais recém-nascidos. 

    FH: Como surgiu a oportunidade de utilizar os óculos Hololens 2 nas UTIs Neon?

    GV: Desde 2016, a PBSF tem parceria com a Microsoft. Como temos esse relacionamento antigo, até íntimo mesmo, em 2021, eles comentaram sobre uma tecnologia de realidade mista que estaria disponível em 2023 no Brasil. 

    Começamos, então, a conceber como trazer essa tecnologia para o nosso modelo de saúde digital. Foi quando nos perguntamos “qual o nosso maior gap hoje?”. E descobrimos que havia uma lacuna no empoderamento e treinamento contínuo do profissional que está à beira do leito, na UTI.

    O primeiro teste do Hololens 2 foi o exame neurológico do bebê com asfixia perinatal. Dados de 2018 nos informavam que a hipotermia terapêutica para bebês com asfixia perinatal era pouco adotada, fosse no Brasil fosse em outros lugares do mundo. E descobrimos que isso ocorria pela falta de treinamento no procedimento. Era difícil treinar todos os profissionais em todos os leitos neonatais de maneira contínua.

    Foi aí que pensamos: “por que não utilizar a realidade mista para isso?” Imagine: temos um médico na UTI neonatal que pode até ter recebido treinamentos mas não tem tudo fresco na memória. Quando ele identifica falta de oxigenação no recém-nascido, veste os óculos e inicia a aplicação. Neste momento ele se conecta com um médico altamente especializado na central de monitoramento que, em primeira pessoa, está vendo o mesmo que ele está vendo à beira do leito. Então, o profissional mais experiente vai guiando. 

    Além dessa facilidade, o profissional da UTI abre o protocolo e faz a avaliação do quadro passo a passo. Com os dados todos inputados corretamente, o sistema indica ou não a hipotermia terapêutica. Tudo de maneira segura e quase automatizada. Além de empoderar o profissional, todas as informações estão sendo gravadas e alimentando uma inteligência artificial que melhora a interpretação do sistema para os casos seguintes.

    Ao aumentar a precisão diagnóstica, o procedimento aumenta também as chances de indicação de tratamentos mais assertivos e eficazes. Por fim, destaco a possibilidade de integração de dados na nuvem: desde informações sobre monitoramento cerebral até exames de imagem, ecocardiogramas etc. Tudo de forma integrada, imersiva e, sobretudo, homogeneizando os protocolos.

    FH: Pode compartilhar alguns números de alcance da PBSF e de efetividade do uso da tecnologia em UTIs neonatais?

    GV: A PBSF está presente atualmente em 40 hospitais de oito estados brasileiros, monitorando mais de 7.500 bebês. Sobre os resultados da nossa tecnologia, temos 25% menos mortes de bebês por asfixia perinatal, que, repito, é a terceira maior causa de mortes em recém-nascidos no mundo. 

    Apresentamos, também, 32% menos bebês com dano cerebral do que quem não usa nossa tecnologia e 65% mais bebês que, aos 24 meses, não apresentam nenhuma alteração neurológica após alguma ocorrência no nascimento. 

    São números animadores, mas queremos melhorá-los com mais desenvolvimento e parceria com hospitais e centros de pesquisa mundo afora, desde EUA, Reino Unido até a Índia.

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