• Como a medtech Sanar quer ajudar médicos do dia em que pisam na faculdade até sua aposentadoria

    O radiologista Caio Nunes, cofundador da Sanar
    Jose Renato Junior | 30 set 2021

    Nos últimos 20 anos, o número de médicos brasileiros mais que dobrou. Se em 2000 havia no país 230 mil profissionais, em 2020 eles somavam 502 mil. A relação de médico por mil habitantes também deu um salto: de 1,41 para 2,4 nesse mesmo período. E, todos os anos, as 342 escolas médicas do Brasil ofertam 35 mil novas vagas em seus cursos.

    Os dados do estudo Demografia Médica no Brasil 2020, elaborado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Universidade de São Paulo (USP), mostram também o tamanho do público-alvo de uma empresa fundada em 2014 por um então residente de medicina e três amigos administradores.

    A Sanar é, segundo o agora radiologista e cofundador Caio Nunes, uma medtech que nasceu com o objetivo de ampliar o conhecimento e melhorar a jornada do médico do momento em que ele é um estudante até quando decide se aposentar.

    Para acompanhar todo esse trajeto – que, de acordo com o Demografia Médica, dura cerca de 40 anos –, a startup tem hoje uma gama de produtos, que vão de conteúdo médico a linha de crédito. 

    Seus produtos e serviços andam fazendo tanto sucesso que o número de funcionários saltou de 100 para quase 400 durante a pandemia, e a empresa conseguiu um aporte de R$ 60 milhões.

    Mas tudo começou com uma editora de livros médicos. “Sempre fomos muito pouco apaixonados pela ideia do que faríamos, e mais apaixonados por resolver um problema que enxergamos, independentemente de como isso vá acontecer”, ele conta.

    EM CADA ETAPA DA CARREIRA MÉDICA, UM DESAFIO

    A grande sacada inicial da Sanar veio da observação de três variáveis: 1) o mercado de saúde, “muito grande e fragmentado”, diz Caio; 2) o grande contingente de médicos, “mal servidos nesse mercado e enfrentando uma série de desafios na carreira”, e, por fim, 3) players que atuavam “de uma forma tradicional, com preços muito altos e com pouca tecnologia e inovação”.

    Os médicos, afirma Caio, demandavam mais produtos e serviços para sua jornadas. “Os que existiam operavam de uma maneira muito engessada, tanto do ponto de vista da construção do produto quanto de preço e de forma de pensar”, diz. 

    Como ele próprio havia acabado de se formar e fazia residência para radiologia, Caio percebia essas lacunas no mercado. E, certo dia, recebeu a ligação de um amigo de infância, o administrador Leandro Lima, com quem ele havia crescido em Alagoinhas, interior da Bahia.

    Com outros dois administradores, Mauricio Lima e Ubiraci Ferreira, Leandro chamava o amigo para se juntar a um empreendimento que tinha a ver com a área de Caio.

    “Ele me disse que estavam olhando uma oportunidade legal em saúde e queria me ouvir”, relembra Caio.

    “Como sempre gostei de empreender, me interessei e então fomos desenhando o primeiro embrião da Sanar, que já mudou pelo menos duas vezes de forma significativa.”

    No início, a empresa não foi tão estruturada, como costuma acontecer com diversas startups. “Geralmente, há um problema muito claro e a startup já pensa a forma de resolver aquilo. Essa não é a nossa história”, diz. 

    Na Sanar, conta o médico, havia uma vontade muito grande de empreender,  o problema era claro, mas a forma de solucioná-lo, nem tanta. 

    Como Mauricio vinha de uma experiência em uma empresa de educação, que editava livros para provas e concursos, os quatro decidiram começar por aí. E a Sanar nasceu como uma editora de livros para médicos.

    OUVIR O CONSUMIDOR: A LIÇÃO QUE FEZ A DIFERENÇA

    Os livros da Sanar eram vendidos por meio de páginas criadas no Facebook. E, bem antes de se expandir o conceito de community manager, a startup já fazia a gestão de suas comunidades online.

    “Essas comunidades foram muito mais poderosas do que os próprios livros, porque foi ali que a gente começou a entender o usuário, identificar suas dores e transformar aquilo em produtos e serviços”, afirma Caio.

    Essas páginas da rede social começaram a funcionar como palcos de debates a respeito das dores da jornada do estudante médico, da carreira médica, dos concursos de profissionais da saúde. E tudo servia de insumo.

    Mesmo com um produto tradicional, eles conseguiam ser muito mais eficientes do que uma editora comum: seus livros ficavam prontos, em média, em seis meses, contra os quatro anos praticados no mercado.

    “Fazíamos uma produção colaborativa do livro: fatiávamos o conteúdo e o distribuíamos para vários experts produzirem dentro da própria comunidade. Ela também servia como um canal de distribuição para esse produtos.”

    O primeiro investimento chegou quando a Sanar já tinha 40 funcionários e era essencialmente uma editora de livros físicos muito focada em provas e concursos para profissionais de saúde. 

    “Receber um investimento foi nossa primeira grande guinada”, afirma ele. “Mas a mudança mesmo veio antes, quando conversamos com um advisor da nossa rede de contatos e ele fez uma pergunta que mudou nossa trajetória.”

    OUVIR A PROVOCAÇÃO DE UM MENTOR: A PRIMEIRA PIVOTAGEM

    Quando os quatro empreendedores achavam que já estavam no caminho certo, o mentor perguntou: “O que vocês querem com isso? Querem só ganhar dinheiro ou entrar numa jornada que pode transformar a forma como as pessoas lidam com a saúde e com a educação e como os profissionais de saúde interagem com tecnologia?”. 

    Caio diz que a resposta a essa pergunta fez os empreendedores passarem por um processo de autoconhecimento. “E então optamos por esse caminho de transformar a realidade, transformar a sociedade.”

    Ao optar por esse caminho, os quatro foram conversar com uma série de pessoas mais experientes. “Naquela época, a gente não conhecia ainda o termo startup ou VC, de venture capital”, confessa Caio. 

    “Fomos aprender, e descobrimos que, para fazer nosso negócio de forma escalável, acessível, precisaríamos mudar muito a mentalidade de como a gente fazia a atração e retenção de talentos, e para isso faltava dinheiro.”

    Quatro meses depois, eles fizeram a primeira rodada de investimento. Caio deixou seu trabalho part-time como radiologista em outros grupos de saúde para se juntar ao trio de amigos que estava totalmente dedicado à operação da Sanar.

    Grande parte do investimento foi destinada a transformar o produto em digital.

    “O médico e o estudante de medicina já têm uma carga muito grande de estudo, de trabalho”, afirma o radiologista. “E todo mundo estava vendendo para eles produtos fragmentados, cursos ou preparações específicas. Mas eles queriam achar tudo num lugar só”, continua.

    “E então veio a ideia de juntar todos os produtos que a gente tinha de uma forma mais rudimentar e ser uma Netflix da medicina, uma plataforma onde eles podem se atualizar, achar tudo que precisam para a jornada deles.”

    O Sanarflix, plataforma de streaming que nasceu nessa pivotagem, é até hoje o principal produto da Sanar. “Mas vários outros foram surgindo  muito organicamente de demandas que a gente ia ouvindo dos clientes/usuários, no caminho.”

    A FAMÍLIA CRESCE E MAIS PRODUTOS SURGEM

    A Sanar entendeu que que grande parte do valor do produto não estava na distribuição, mas na cadeia completa.

    “Quando a gente fala de conteúdo médico, queríamos ser disruptivos também no preço. E conteúdo médico é muito caro, porque é preciso contratar um profissional para gravar uma aula”, relata Caio.

    Para evitar esse problema e para garantir a qualidade dos conteúdos, a Sanar contratou médicos professores e verticalizou sua produção, agilizando a oferta de lançamentos. 

    “Eu fazia residência no Hospital das Clínicas, em São Paulo, famoso por ter excelentes profissionais. E fui chamando os que eu já tinha visto dando aula”, Caio conta sobre como conseguiu juntar uma rede de profissionais renomados.

    “Ao produzir o próprio conteúdo, a gente vai muito mais focado não no que a gente acha que é mais importante, mas o que o usuário acha que é mais importante para ele.”

    Hoje, essa rede de professores é responsável pela produção de conteúdo de outros produtos como o SanarPós, cursos de pós-graduação certificados pelo Ministério da Educação, e o Sanar Residência, que são os cursos preparatórios para residência médica. 

    A demanda para um dos produtos mais recentes ofertados pela Sanar foi percebida graças ao Sanarflix. “Ele é superbarato, custa R$ 19,90 por mês. E, mesmo assim, quando as pessoas cancelavam o serviço, alegavam que era por falta de dinheiro”, revela Caio.

    O que parecia um contrassenso – como um aluno que paga R$ 7 mil, R$ 10 mil de mensalidade não tem R$ 20 por mês? – se mostrou verdadeiro. 

    Ao analisar dados de relatórios e de pesquisas, eles notaram um crescimento acelerado de estudantes de medicina vindos de famílias com rendas mais baixas e que, por terem tido educação com qualidade inferior, não conseguiram cursar universidades públicas.

    Além disso, com a carga de estudos alta, 80% dos estudantes não conseguem trabalhar enquanto cursam a universidade, segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

    “Pensamos em como fazer desse limão uma limonada e passamos a ofertar a eles crédito”, conta Caio a respeito dos produtos Sanar Up

    “Medicina é uma profissão que paga salários muito bons no Brasil. E tirar dos alunos a preocupação financeira durante a faculdade, potencialmente vai fazer deles profissionais melhores”, diz.

    Os produtos desta linha, hoje, têm como foco não só o estudante, mas também o médico recém-formado, “que quer comprar um equipamento, que quer dar uma próxima tacada na vida”, diz o cofundador.

    CARGO DE HEAD DE COMMUNITY FOI CRIADO EM 2020

    Giácomo Degani, integrado ao time em 2020

    Toda essa gama de produtos e serviços se deve, afirma Caio, ao fato de a Sanar “ouvir muito o que o usuário está dizendo na ponta”. Tanto que, em fevereiro do ano passado, a empresa criou o cargo de Head de Branding e Community, ocupado por Giácomo Degani.

    “Cheguei pouco antes da pandemia, mas já estávamos acompanhando o vírus e imaginando que os médicos aqui passariam por uma série de dificuldades e precisariam de apoio”, conta Giácomo. 

    “E, a partir de março, a gente redirecionou vários dos nossos produtos para Covid. Começamos a produzir conteúdo, traduzir artigos científicos, fazer a curadoria de todos os estudos que estavam sendo publicados.”

    Em março, a Sanar conseguiu um novo aporte, desta vez de R$ 60 milhões, liderado pelos fundos DNA Capital e Valor Capital. De lá para cá, de 140 colaboradores a empresa passou para quase 400.

    “A necessidade de recurso vem muito puxada por investimento de tecnologia e produto, porque a gente sabe como esse mercado é quente, e a Sanar precisa ser competitiva para atrair bons talentos”, afirma Caio.

    Hoje, a comunidade Sanar conta com 100 mil usuários no site principal, o Sanarmed, responsáveis por quase 2 milhões de visitas/mês. O Sanarflix tem um perfil no Instagram com 260 mil usuários. 

    “E contamos com um time de embaixadores, composto por um cada faculdade de medicina do Brasil”, diz Giácomo. “Eles são também um pouco nossos olhos e ouvidos dentro delas”, afirma.

    “Um dos principais diferenciais da Sanar hoje é ter uma rede assim de engajamento, de diálogo, de fóruns com médicos que se estende por vários produtos.”

    Para Caio Nunes, o objetivo da startup “é cobrir a jornada dos médicos e médicas de ponta a ponta”. “A gente acredita que, os ajudando, conseguimos ajudar a medicina a ser feita de uma forma melhor”, afirma o cofundador.

    Nada mal para quem começou sem saber muito que rumo seguir. “Queremos ainda avançar nessa jornada para servir aos médicos com muito mais produtos além da educação”, diz Caio. 

    “Veja que a gente está interessado em resolver os problemas dos profissionais de saúde, e estamos sobretudo focados na jornada do médico e estudante de medicina, e não necessariamente nos produtos. Os produtos, provavelmente, vão mudar muito ainda.”

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