• Como a Internet das Coisas Médicas (IoMT) promete dobrar o tamanho do mercado de saúde até 2026

    Wagner Andrade, fundador e CEO da dataRain.
    Wagner Andrade é fundador e CEO da dataRain. (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 15 mar 2023

    O que é preciso para que a Internet das Coisas Médicas (IoMT) deslanche de vez, beneficie tanto pacientes quanto profissionais de saúde e cumpra a previsão de dobrar o mercado de tamanho até 2026?

    Para responder a esta pergunta, conversamos com Wagner Andrade, veterano no mercado tech. Foi ele quem trouxe, em 2002, o MedTrak – primeiro prontuário eletrônico de paciente usado no Brasil, adotado inicialmente pelo Hospital Albert Einstein.

    Especialista em tecnologia em nuvem, ele é fundador e CEO da dataRain, startup pertencente ao ecossistema VentureLabs, parceira certificada pela Amazon Web Services (AWS) para o setor público no país e membro da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde.

    Antes de mais nada, vale lembrar que a IoMT é um conjunto de dispositivos e aplicativos de saúde conectados e integrados, quando vinculados a plataformas de nuvem, que possibilitam o armazenamento e análise de dados capturados.

    A faceta mais visível – mas não a única – desse novo mundo são os wearables (a tecnologia vestível) como smartwatches – que oferecem aplicativos de saúde, monitoramento remoto e coleta de indicadores médicos básicos em tempo real, bem como os níveis de condicionamento físico. 

    Já existem também eletrocardiógrafos digitais em forma de pulseira, monitores de pressão arterial via biometria facial e biossensores, implantáveis ou não, que serão cada vez mais aplicados em tratamentos médicos e acompanhamento de pacientes com doenças crônicas.

    Wagner comentou que o uso desses dispositivos tende a crescer com a implantação completa do 5G no país. 

    “Além das teleconsultas e teleconferências de apoio a diagnóstico com especialistas, teremos a possibilidade de acompanhar os indicadores clínicos em tempo real”, diz.

    Ao longo da conversa, fica evidente que ainda precisa haver um esforço grande das instituições de saúde para melhorar suas áreas de TI a fim de que a computação em nuvem se torne mais presente e possibilite o uso em massa de aplicações (apps, dispositivos e softwares) que habilitam a IoMT.

    A AWS calcula que, globalmente, em 16 anos de existência, levou para a nuvem cerca de 15% das aplicações que poderiam ser migradas. Wagner acredita que essa proporção é realista para o cenário brasileiro.

    Hoje, a startup atende 150 clientes e tem 40% de sua receita vinda do setor de saúde. Organizações como o Hospital Israelita Albert Einstein, Prevent (plano de saúde e rede de hospitais Sancta Maggiore), Hospital Santa Marcelina, Hospital Japonês Santa Cruz, SIVOE, Hospitais HCLOE e a Secretaria de Saúde de São Paulo estão entre eles.

    Estas instituições têm projetos relevantes de: 

    • Infraestrutura de nuvem para suportar os principais sistemas de missão crítica de hospitais; 
    • Soluções de Big Data e Analytics para sequenciamento genômico e pesquisas; 
    • Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning (ML) para processamento de imagens médicas digitais; 
    • Telemedicina e interoperabilidade.

    Acompanhe a conversa entre Wagner Andrade e FUTURE HEALTH em detalhes:

    FUTURE HEALTH: A dataRain começou a operar em 2018, já como parceira da AWS. Como é a abordagem e a atuação de vocês? 

    WAGNER ANDRADE: Somos uma empresa de infraestrutura como serviço (IaaS). E quando falamos em serviço, não trabalhamos necessariamente na construção de produtos, mas no desenvolvimento de práticas. Então, temos prática em Big Data, Analytics, IA e ML. Também trabalhamos fortemente na capacitação de nossos clientes. 

    FH: Vocês também recomendam caminhos e tecnologias a serem utilizadas, certo?

    WA: Sim, sempre propomos a arquitetura e explicamos porquê. Se o cliente concorda, trabalhamos em um projeto de implementação com equipe mista – com recursos humanos do cliente e nossos trabalhando juntos.

    É fundamental, também, que o cliente percorra trilhas de treinamentos que recomendamos, para terem fundamentação teórica. Não adianta ter a fundamentação sem a prática nem a prática sem a fundamentação.

    FH: O primeiro projeto da dataRain em saúde foi com o Hospital Israelita Albert Einstein. De que se tratava?

    WA: Em 2018, o hospital fez uma parceria com um instituto de pesquisa americano e criou uma mega base de dados de estudos genômicos. Só que a fundação patrocinadora estava com problemas de caixa e sugeriu que toda a base fosse migrada para o data center do Einstein.

    O hospital disse que apesar de toda expansão recém realizada era incapaz de suportar o volume de dados. Decidiram buscar a AWS, que nos chamou. Nós fizemos o estudo e pegamos o projeto. Criamos toda a infraestrutura de nuvem para que o Einstein, a Universidade de São Paulo (USP) – que era parceira da pesquisa no Brasil – e os americanos pudessem ter acesso a essa base de dados. 

    A partir daí, começamos a ver outras oportunidades no Einstein. Eles tinham uma série de iniciativas, essencialmente departamentais, e o pessoal da TI não tinha uma visão do todo, holística mesmo. Ajudamos, então, a direção do hospital a trazer tudo para um único contrato guarda-chuva – que mantemos até hoje.

    FH: Essa visão holística levada para o Einstein tem a ver tanto com área de pesquisa genômica quanto com outras áreas do hospital?

    WA: Exatamente. Hoje, no Einstein, atendemos o hospital propriamente dito – com toda a área de infraestrutura e operação clínica; a área de telemedicina – que representa aproximadamente 60% de todo o consumo de nuvem do Einstein; o Instituto de Ensino e Pesquisa; e várias das startups que nasceram lá na incubadora Eretz.bio – caso da Genomika e da Varsomics.

    Mais recentemente, eles decidiram vender a aplicação de telemedicina no marketpace da AWS, que se parece com a loja de aplicativos do Google. Um bom software escrito com tecnologia AWS e que pode ser licenciado para outras empresas.

    FH: Instituições que não estejam em maturidade tecnológica equivalente à do Einstein têm mais receio quando se fala de nuvem, por causa de vazamentos de dados e outras questões de cibersegurança?

    WA: Nenhuma organização consegue fazer, sozinha, um investimento em segurança de dados como a própria AWS, que investe alguns bilhões por ano nisso.

    Ela chega a ter robôs que ficam varrendo a internet toda em busca de comportamentos anômalos, identificando os endereços IP de onde partem esses comportamentos. Na medida em que um deles tenta acessar algo na nuvem, já passa por uma camada extra de retenção.

    Durante muito tempo, os dois setores mais reticentes para aderir à computação em nuvem, por preocupação com segurança, foram justamente o de saúde e o bancário. Este ano, durante o Summit AWS, o VP de tecnologia do Itaú contou o case deles.

    O PIX do Itaú representa, hoje, 37% de toda a movimentação desse tipo no país, roda 100% na nuvem AWS e nunca teve um incidente de segurança.

    FH: Vocês têm clientes de porte médio na área de saúde? Afinal, a nuvem não é apenas para organizações gigantes… 

    WA: A nuvem democratizou brutalmente o acesso a recursos computacionais que, antes, eram restritos a poucos. Por causa do conceito de elasticidade – a infra se ajusta à demanda corrente – também não há a necessidade de se pagar por uma infraestrutura ociosa para ter condições de atender a picos de demanda.

    A diferença de volume de faturamento entre a nossa maior e a menor conta no setor de saúde é de mil vezes. Tenho clientes que pagam milhares de reais e, na outra ponta, há quem pague alguns milhões de reais. Todos têm acesso a exatamente o mesmo nível de tecnologia. 

    Essa é uma grande vantagem da nuvem – você está sempre com a última versão, com o estado da arte, não se preocupa em fazer uma virada de versão, porque é feito de forma automática e transparente para você.

    Hoje, uma organização de pequeno porte contrata o High Performance Computing (HPC) a hora que desejar. Ou seja, é possível ter um esquema de supercomputação por horas, dias, semanas, e depois voltar ao seu processo normal, com um custo de armazenamento bem baixo.

    A Amazon tem uma outra coisa interessante, se o dado é realmente público e a
    instituição que tem a propriedade dos dados quer disponibilizá-los publicamente, existe um programa chamado Amazon Open Data. Nele, o armazenamento é grátis, com a condição de que esse dado realmente fique acessível para a comunidade científica interessada nessa informação.

    FH: Como instituições pequenas e médias podem usar a nuvem? Que tipo de demanda costuma ter esse cliente?

    WA: Às vezes ele não está buscando mais eficiencia tecnológica, mas uma coisa muito comum em organizações hospitalares que estão crescendo…

    Você sabe o quanto o espaço dentro do hospital é caro e valioso. Então, cada metro quadrado gasta com infraestrutura administrativa ou de TI é perda de faturamento.
    Vários gestores de organizações hospitalares estão começando a entender isso. Há três semanas, fui chamado por um hospital de Florianópolis que tem tudo on premise (servidor local). Eles queriam saber se era verdade que se migrassem para a nuvem, liberariam espaço. 

    Eu disse que sim. No espaço do data center, eles poderiam construir pelo menos oito leitos de UTI. E ainda que os 14 profissionais de TI de lá poderiam ser convertidos em produtores de códigos e geradores de aplicações para o negócio. 

    Ou seja, inteligência na gestão dos recursos. Assim, ele poderia reduzir significativamente o ciclo de desenvolvimento de novas aplicações.

    É interessante que hoje ninguém mais questione que a nuvem é mais barata para operar do que data center. Muita gente ainda mantém o data center simplesmente porque precisa amortizar o investimento já feito. Mas já fica pensando que tudo que for criado no futuro é para colocar na nuvem.

    FH: É possível afirmar que não temos uma utilização mais pesada de IoT para medicina por falta de uma padronização para o tráfego de dados? 

    WA: Sim. Você se lembra que 15 anos atrás, nós tínhamos quatro ou cinco sistemas operacionais para celular?  Quando de fato, os usuários se afunilaram entre dois sistemas – o iOS da Apple e o Android do Google –, tivemos uma explosão no uso de apps. Vai ser a mesma coisa com IoT. Na hora que tivermos um ou dois padrões de fato – em termos de protocolo de comunicação usada pelos dispositivos –, o uso da IoT vai explodir também.

    FH: Você argumenta que a implantação do 5G é fundamental para ampliar, popularizar o uso de IoMT. Por outro lado, ainda temos esse problema da falta de um padrão…

    WA: Quando pensamos na adoção do novas tecnologias, pensamos também em barreiras de adoção. Uma delas era justamente o custo de rede.

    A rede era cara e não tinha largura de banda suficiente. Com o 5G, resolvemos as duas questões. Esse barateamento brutal escala a produção de microprocessadores cada vez mais especializados.

    Não tenho dúvida de que a decolagem da IoMT é uma questão de pouco tempo. Daqui a pouco, seu Apple Watch vai verificar que você tem um Apple Card no carro e, se ele estiver monitorando algo em você e detectar uma arritmia, vai usar a conexão com o carro para já enviar um alerta para o médico. 

    Não espero que isso aconteça daqui a cinco anos, mas em dois, três anos, no máximo

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