• O envelhecimento celular pode esperar?

    Ana Cristina Canêdo, diretora científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
    Ana Cristina Canêdo é diretora científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
    Jose Renato Junior | 18 ago 2023

    Até pouco tempo atrás, estratégias terapêuticas que se propunham a reverter o envelhecimento ou estender a longevidade eram consideradas como algo intangível. Pesquisas sérias, contudo, começaram a surgir nas últimas duas décadas, trazendo um novo paradigma de investigação científica.

    Trata-se da geroscience ou “gerociência”, que visa encontrar maneiras de retardar o aparecimento de doenças relacionadas à idade, abordando diretamente a fisiologia do envelhecimento.

    A gerociência visa conectar a biologia do envelhecimento à biologia das doenças, buscando como principais objetivos reduzir a multimorbidade e aumentar o tempo de saúde das pessoas.

    A senescência (envelhecimento) celular foi relatada pela primeira vez em 1961 por Hayflick e Moorhead, e se refere ao estado de interrupção irreversível do ciclo celular. Este processo está associado à gênese de múltiplas doenças crônicas, incluindo fibrose pulmonar, doenças renais, esteatose hepática, síndrome metabólica, diabetes tipo I e II, aterosclerose, doenças de Alzheimer e Parkinson.

    As células senescentes param de se replicar, mas permanecem metabolicamente ativas por desenvolverem um fenótipo secretor, que pode estar associado a um estado inflamatório crônico pró-fibrótico de baixo grau (geralmente associado ao envelhecimento e doenças crônicas), conhecido como ‘inflammaging’.

    Este estado inflamatório estéril pode provocar disfunção de células não senescentes vizinhas e distantes, contribuindo para a redução da capacidade regenerativa e impulsionando o envelhecimento tecidual. Portanto, a senescência não apenas ocorre por causa da idade, mas também acaba por impulsionar o envelhecimento.

    Para controlar o processo de envelhecimento celular, a medicina passou a desenvolver as chamadas terapias senolíticas, que têm como alvo as células senescentes, as redes que as sustentam, e os fatores secretados por elas.

    A busca pelos senolíticos se iniciou entre 2004 e 2005, por meio do geriatra clínico James Kirkland, da Mayo Clinic. Por quase duas décadas, ele estudou maneiras de remover células senescentes.

    Kirkland costumava dizer que estava cansado de prescrever as últimas inovações em cadeiras de rodas, andadores ou controle de incontinência.

    Em vez disso, queria descobrir se era possível retardar ou reverter parcialmente os processos fundamentais de envelhecimento em humanos que levam a problemas de saúde comuns à medida que envelhecemos.

    Nessa cruzada, publicou o primeiro artigo sobre senolíticos em 2015. O paper demonstra que camundongos de meia-idade que receberam a associação dos senolíticos Dasatinibe + Quercetina (D + Q), retardaram o início de várias doenças relacionadas à idade em comparação com seus pares não tratados.

    Camundongos mais velhos que receberam D + Q foram mais rápidos, mais fortes e mais ágeis do que os grupos de controle, e os efeitos positivos duraram até os meses finais de sua expectativa de vida natural.  Desde então, a associação D + Q,  fisetina, navitoclax e outros senolíticos demonstraram aliviar diversas condições em camundongos.

    Em 2019, foi realizado o primeiro ensaio clínico com senolíticos. Um estudo piloto aberto com 14 pacientes com fibrose pulmonar idiopática, que utilizou nove doses de D + Q oral durante três semanas, levando a uma melhora significativa da funcionalidade.

    Esses resultados levaram ao início de um estudo randomizado, controlado por placebo e duplo-cego de fase IIb que está atualmente em andamento. Em pequenos ensaios clínicos subsequentes, a equipe da Mayo Clinic descobriu que D + Q também eliminava células senescentes em participantes de pesquisas com nefropatia diabética.

    Atualmente, os pesquisadores estão explorando o potencial dos senolíticos também para osteoporose, glaucoma, degeneração macular, neuropatia diabética e outras condições relacionadas à idade.

    Até aqui, já são mais de 20 ensaios clínicos sobre terapias senolíticas concluídos, em andamento ou sendo planejados para diversas doenças e distúrbios. Após demonstração de segurança e eficácia, é possível que tais estudos sejam estendidos para a busca de estratégias preventivas e terapêuticas direcionadas às células senescentes na prática clínica.

    Embora um longo caminho de estudos ainda seja necessário para esta translação clínica, a proposta das terapias senolíticas parece promissora para a busca de uma longevidade saudável, e as pesquisas têm avançado de forma acelerada nas últimas décadas. 

    *Ana Cristina Canêdo é diretora científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

    Confira Também: