• As pessoas ainda veem o câncer como uma doença mortal, mas isso está começando a mudar

    Luiz Magno, diretor médico da Merck no Brasil
    Luiz Magno, diretor médico da Merck no Brasil. (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 13 jul 2022

    Fundada há mais de três séculos na cidade alemã de Darmstadt, a farmacêutica Merck está prestes a completar 100 anos de presença no Brasil. 

    Anualmente, a empresa produz mais de 3 bilhões de comprimidos, incluindo desde a vitamina C Cebion, velha conhecida dos brasileiros, até uma gama de produtos inovadores voltados ao tratamento de câncer. 

    É o caso do Bavencio (avelumabe), que pode dobrar a sobrevida de pacientes com carcinoma de células de Merkel, doença com mortalidade de mais de 95% em um ano, e o Tepmetko (tepotinibe), medicamento oral para um tipo específico e raro de tumor de pulmão, que até então não tinha tratamentos com resposta eficiente. 

    “Nossa ideia não é lançar produtos que sejam apenas mais uma solução no mercado”, diz Luiz Magno, diretor médico da Merck no Brasil. 

    “Quando olhamos para o futuro, caminhamos para inovações e tecnologias que focam onde não temos soluções disponíveis e, hoje, sem dúvida nenhuma, esses esforços se dão especialmente na oncologia.”

    No entanto, o escopo de atuação da Merck vai muito além. Com o ambicioso objetivo de impactar o futuro da humanidade, a companhia é, acima de tudo, uma empresa de ciência, que investe pesado em pesquisa e desenvolvimento –  em 2021, foram 2,4 bilhões de euros – em suas três divisões de negócios.

    Além da área farmacêutica, batizada de Cuidados com a Saúde, a Merck atua ainda em Life Science – produzindo sistemas de purificação de água para laboratórios e para fabricação de medicamentos e até ferramentas de edição de genoma – e em Electronics, com portfólio que inclui cristais líquidos e materiais de OLED para displays e materiais para circuitos integrados e para soluções de energia, entre outros.

    “Nossos três negócios caminham juntos e nossa plataforma de inovação hoje é única”, garante Magno.

    Nesta entrevista, o executivo fala sobre inovação, sobre tratamentos oncológicos e de outras doenças, como a esclerose múltipla, e sobre novas moléculas no pipeline da companhia.

    FUTURE HEALTH: Qual a importância do Brasil dentro da estrutura global da Merck?

    LUIZ MAGNO: O Brasil é um mercado relevante para a Merck global – não à toa, temos uma fábrica de 52 mil m2 no Rio de Janeiro. Somos um player de  protagonismo em todas as áreas em que oferecemos opções terapêuticas.

    A área de cardiometabolismo tem destaque porque detém a venda do principal produto de endocrinologia no mercado farmacêutico, que é o Glifage (metformina), usado para o tratamento do diabetes tipo 2 em adultos, além de outras patologias como síndrome do ovário policístico. Estamos falando de mais de dois milhões de pacientes tratados todos os meses no Brasil inteiro.

    Já em fertilidade, por exemplo, a Merck é a farmacêutica com o portfólio mais inovador. Hoje oferecemos todos os produtos recombinantes dentro dessa área e somos os únicos com todos os produtos para acompanhar o ciclo completo da fertilização in vitro.

    Também vale lembrar que temos mais de 60 centros de pesquisa nacionais pesquisando alguma molécula nossa. 

    Hoje, todos os estudos clínicos que fazem parte dos estudos prioritários em fase 3 da Merck do mundo também acontecem no Brasil, o que é um dado fantástico. 

    Ganhamos relevância do ponto de vista da pesquisa clínica e temos conseguido mostrar nossa capacidade de produzir dados com qualidade.

    FH: Onde a Merck concentra seus principais esforços de inovação?

    LM: Todas as empresas relevantes no mercado atuam em primary care, com produtos para doenças que têm alta prevalência na população. É o caso do diabetes, área em que estamos presentes e temos uma solução que atende muitos pacientes. 

    Mas, quando olhamos para o futuro, caminhamos para inovações e tecnologias que focam onde não temos soluções disponíveis hoje. 

    A ideia não é lançar produtos que sejam mais uma solução no mercado. É focar onde existem necessidades não atendidas e desenvolver tecnologias voltadas a elas. 

    Isso não é exclusivo da Merck, mas temos uma vantagem: o fato de contarmos com três divisões e todas elas serem absolutamente conectadas com inovação.

    Hoje, sem dúvida nenhuma, esses esforços se dão especialmente em oncologia. Até porque costumamos dizer que a oncologia não trata de uma doença, mas de muitas. 

    São muitos cânceres. Cada célula pode ser uma doença diferente e isso representa necessidades muito diferentes do ponto de vista terapêutico. 

    Então, quando olhamos para o nosso futuro, minha avaliação é que estamos focados principalmente nessa área, que tem a maior fortaleza do nosso pipeline.

    Além disso, a oncologia define muito bem o que é inovação em tratamento de doenças. Por exemplo, quando falamos da quimioterapia tradicional, falamos de um produto que mata células que se multiplicam. Mata todas as células, inclusive as boas e, por isso, tem tantos efeitos colaterais. 

    Por outro lado, quando falamos de uma quimioterapia mais específica, começamos a ver a inovação propriamente dita, com produtos que focam especificamente em uma reação química ou na necessidade do tumor para se multiplicar. Passamos, então, a contar com um perfil não só de eficácia, mas de segurança – muito diferente.

    FH: Que produtos da Merck são esses e o que eles têm de diferente da concorrência?

    LM: O Erbitux (cetuximabe), apesar de ter sido lançado há algum tempo, tem duas indicações principais (e inclusive caminha para novas ao longo deste ano): no câncer colorretal metastático, já em fase 3 e meio e 4, e para câncer cervical (de pescoço), tanto localmente avançado quanto com metástase em associação com a radioterapia.

    O imunobiológico BAVENCIO (avelumabe), lançado mais recentemente, interfere e atua com a imunidade do organismo contra o tumor, o que é fantástico do ponto de vista de evolução do quadro. 

    E ele veio com indicação para uma doença para a qual não existia tratamento, o carcinoma de células de Merkel, um tumor de pele que normalmente atinge pessoas acima de 65 anos e tinha mortalidade em um ano de mais de 95%. Ou seja,  quase uma sentença de morte. 

    Hoje, depois de acompanhar pacientes por quatro ou cinco anos, já temos dados de longo prazo mostrando que um terço deles sobrevive depois de um ano. O avelumabe teve mais duas indicações, uma para câncer de rim e outra mais recente para câncer urotelial. 

    No caso deste último, o medicamento traz um conceito novo, que é o de manutenção de um tratamento inicial, além de dobrar a sobrevida média desse paciente de um ano para dois anos.

    No ano passado, a Merck também lançou o Tepmetko (tepotinibe), medicamento oral para um tipo específico e raro de tumor de pulmão (o de células escamosas), para o qual os tratamentos disponíveis tinham resposta muito ruim. 

    É um exemplo clássico da importância de atingir uma necessidade que não estava coberta até agora, com impacto para um número restrito de pacientes. Imagine tomar um medicamento uma vez por dia e ter uma mudança significativa da sobrevida e da capacidade de resposta no organismo.

    FH: E o que ainda vem por aí em oncologia?

    LM: Quando falamos de futuro, além de indicações novas que continuamos pesquisando para essas moléculas já existentes, temos um pipeline em formato de tecnologia de molécula que também é inovador. 

    São várias moléculas, com classes diferentes, mas com mecanismo de ação parecidos. Temos quatro moléculas em fase 1 e três em fase 2 sendo avaliadas hoje chamadas de inibidores de defeito do DNA. 

    O conceito é simples de entender: temos células que dão errado o tempo todo, e a tendência é que o organismo mate essas células. Para um tumor crescer, ele precisa de alguma forma inibir a capacidade de o organismo matar essas células. Nossa tecnologia, por vias diferentes, tenta atacar exatamente essa capacidade do tumor de se esconder da capacidade do organismo de matar essa célula.

    FH: Que outras áreas também se destacam em inovação?

    LM: Em neuroimunologia, temos o Mavenclad (cladribina), indicado para esclerose múltipla de alta atividade, ou seja, para pacientes que evoluem de forma rápida a partir do momento do diagnóstico, perdendo capacidade motora. 

    Estamos falando normalmente de mulheres jovens, em idade reprodutiva (entre 20 e 35 anos), e que em dez anos já estariam acamadas, na cadeira de rodas ou absolutamente disfuncionais. Esse tratamento é por via oral durante cinco dias no primeiro mês e mais cinco no segundo. Depois de um ano, há um novo ciclo.

    Imagine a evolução disso em comparação com os tratamentos que temos hoje de infusão mensal ou, ainda, os que são feitos de forma oral diariamente. O mercado tem produtos disponíveis de uma classe semelhante, mas com perfil de segurança, do ponto de vista de imunossupressão, mais severo. A maioria das terapias disponíveis são contínuas, causando a imunossupressão contínua, com todos os riscos decorrentes.

    Temos dados de 2021, aguardando publicação em revista, que mostram que, entre os mais de 400 pacientes que receberam a cladribina por dois anos, 55% não precisaram tomar mais nenhum remédio para esclerose múltipla depois de quase onze anos. Mais de 90% desses pacientes não estão em cadeira de rodas, mais de 80% não precisam nem de auxílio para caminhar.

    Num país de dimensão continental como o Brasil, poder fazer a consulta, o screening, se preparar e tomar o medicamento em casa, é uma revolução que muda não só o curso da doença mas a relação com o sistema de saúde.

    FH: E quanto ao pipeline para o tratamento de outras doenças?

    LM: Em neuroimunologia, temos uma nova classe de produto para esclerose múltipla em fase 3 sendo pesquisada em dez centros no Brasil. A droga oral é chamada Evobrutinib (M2951), um inibidor de BTK que é importante no desenvolvimento e funcionamento de várias células imunes, incluindo linfócitos B e macrófagos.

    Ainda em neuroimunologia temos também um produto em fase 2 inovador porque é o primeiro da classe. Trata-se de um inibidor de TLR7, receptor que dispara a resposta imunológica. Neste momento, no Brasil, está sendo iniciada avaliação da indicação do fármaco para tratar o lúpus eritematoso sistêmico.

    FH: O que esses produtos do pipeline mostram sobre o futuro do tratamento de doenças?

    LM: A mente humana, junto com ciência, é capaz de criar coisas fantásticas. 

    O câncer sempre foi uma doença mortal. Mas se eu tenho um paciente que em 95% dos casos morria e agora, depois de três anos, está vivo, com a chance de ter a doença controlada, a situação começa a mudar. 

    Sempre falamos que a cura de doenças, especialmente as metastáticas, é algo muito difícil, mas estamos mudando a maneira como encaramos várias dessas doenças. Estamos mudando nossa relação com essas doenças por causa da capacidade de inovação associada ao investimento. 

    Fico feliz de constatar e dizer que a Merck hoje não só tem a intenção de ser uma empresa inovadora, mas também tem o investimento para isso. Em 2021, foram 2,4 bilhões de euros em desenvolvimento. Somos uma empresa de 57 mil funcionários, com 8.300 deles somente dedicados à pesquisa e desenvolvimento. 

    Isso mostra um pouquinho da fórmula do que podemos fazer no futuro, que é mudar a evolução da doença. É difícil até imaginar onde podemos chegar.

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