• “Quase 90% dos brasileiros acima de 16 anos se medicam sem orientação”, alerta psiquiatra

    Adiel Rios, psiquiatra do HCFMUSP Jose Renato Junior | 17 jun 2022

    De acordo com o Conselho Federal de Farmácia (CFF), a partir de dados da consultoria IQVIA, nos cinco primeiros meses de 2021 houve um aumento de 13% na venda de antidepressivos e estabilizadores de humor. Em número absolutos, isso significa 4,7 milhões de medicamentos vendidos a mais em relação ao mesmo período de 2020.

    O uso indiscriminado de medicamentos é um problema galopante. Uma recente pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), em parceria com o Datafolha, apontou que quase 90% dos brasileiros acima de 16 anos fazem uso de substâncias sem qualquer orientação ou prescrição médica. 

    A pesquisa mostrou que a automedicação é maior entre os jovens. Na faixa entre 16 e 34 anos, 95% consomem remédios sem consultar um profissional de saúde. Já as pessoas com 60 anos ou mais se automedicam menos. 

    Entre os riscos da automedicação, a intoxicação é a mais perigosa. De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, cerca de 30 mil casos de internação são registrados por ano no Brasil por decorrência de intoxicação. 

    Outro risco da automedicação é o fato de que, se uma substância é ministrada na quantidade inapropriada, ou ainda, se combinada a outra, ela pode mascarar sintomas de uma doença mais grave.

    No caso dos remédios psiquiátricos, um perigo é subestimar as consequências do uso sem orientação médica. O consumo indiscriminado de psicofármacos (ansiolíticos e sedativos-hipnóticos, antipsicóticos, antidepressivos e psicoestimulantes) pode potencializar, anular ou gerar efeitos adversos, como intoxicação, dependência e até agravamento do quadro psiquiátrico.

    Dentre os eventos adversos causados pelo uso indiscriminado destes medicamentos, destacam-se os seguintes:

    Síndrome serotoninérgica

    Também chamada de síndrome da serotonina, a condição é resultado do aumento da atividade da serotonina no sistema nervoso central. 

    A serotonina é um dos neurotransmissores responsáveis por regular funções como humor, prazer, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal e outras funções cognitivas. 

    Em doses elevadas, contudo, a seratonina descontrola o funcionamento do organismo, gerando alterações do estado mental, das funções motoras e autônomas.

    E a principal causa desta síndrome é justamente a interação medicamentosa. Isso ocorre quando o indivíduo consome ao mesmo tempo dois medicamentos que estimulam os receptores de serotonina, ou quando mistura com outras substâncias ou medicações que potencializam sua ação. 

    Os principais antidepressivos que aumentam a serotonina no cérebro são: imipramina, clomipramina, amitriptilina, nortriptilina, fluoxetina, paroxetina, citalopram, sertralina, fluvoxamina, venlafaxina, duloxetina, nefazodona, trazodona, bupropiona, mirtazapina, tranilcipromina e moclobemida. Entre os anticonvulsivantes estão valproato sódico e carbamazepina.

    Também é preciso ter atenção quanto aos suplementos naturais. Parecem inofensivos, mas, quando combinados com antidepressivos, podem gerar a síndrome serotoninérgica. O triptofano, a erva-de-são-joão e o ginseng são alguns exemplos. 

    Os sintomas mais comuns da síndrome da seratonina podem aparecer logo nas primeiras 24 horas: ansiedade, irritabilidade, espasmos musculares, tremores, náuseas, diarreia, dilatação das pupilas, aumento da pressão e dos batimentos cardíacos, confusão mental, alucinações e, em casos mais graves, perda da consciência, convulsões, coma e morte. Ao notar os sintomas, é preciso levar a pessoa imediatamente ao pronto-socorro.

    Síndrome de descontinuação

    Essa é outra condição perigosa para quem faz uso de psicofármacos sem orientação médica. Trata-se de sintomas de abstinência que surgem após a rápida diminuição ou a interrupção abrupta da dose do medicamento tomado há pelo menos um mês.

    Um problema frequente para pessoas que tomam medicações psiquiátricas a longo prazo e sem indicação médica é que da mesma forma que o indivíduo toma a decisão por conta própria, ele também considera a possibilidade de diminuir ou retirar a medicação sem ter conhecimento das consequências.

    Segundo estudo publicado no The British Journal of Psychiatry, mais da metade das pessoas que tomavam antidepressivos apresentaram sintomas de abstinência, e cerca de 25% classificaram esses sintomas como graves. Os primeiros sinais podem surgir poucos dias (de um a quatro) após a diminuição ou retirada da medicação, dependendo do seu tipo.

    Alguns dos principais sintomas são: ansiedade aumentada, sintomas de gripe, insônia, náusea, tontura, desequilíbrio, distúrbios sensoriais, hiperexcitação, sensações de choque elétrico, lapsos de memória, diarreia, dores de cabeça, espasmos musculares, tremores, alucinações, sudorese, episódios de mania e hipomania, embotamento emocional, disfunção sexual a longo prazo ou permanente.

    Com os ansiolíticos (benzodiazepínicos), não é diferente. Indicados para transtornos de ansiedade ou para insônia, eles afetam o receptor gaba, um neurotransmissor que suprime a atividade neural, gerando um efeito calmante. Estes devem ser utilizados de forma ocasional ou, se diariamente, por poucas semanas. O risco da dependência acontece quando a pessoa toma regularmente, em doses altas e a longo prazo, o que não é indicado para essa classe de medicamentos.

    A síndrome de descontinuação dos ansiolíticos pode surgir entre 24 horas e 72 horas após a interrupção do tratamento. Os efeitos são ansiedade, insônia, irritabilidade, explosões de choro, distúrbios de humor e sonhos vívidos, além de sintomas neurológicos e motores como tonturas, vertigens, cefaleia, falta de coordenação motora, alterações de sensibilidade da pele e tremores. Já os sintomas mais graves incluem paranoia, delírio e convulsões.

    A duração da síndrome de descontinuação dos psicofármacos depende do tempo de uso, da dose utilizada, das características da medicação e do estado físico e mental do paciente. É preciso avaliar os fatores psicossociais e a resistência do paciente em manter ou retirar a medicação. E, o mais importante: dar continuidade ao tratamento e não tomar nenhum medicamento que não tenha sido prescrito pelo especialista.

    *Adiel Rios é médico no Programa de Transtorno Bipolar do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IpQ-HCFMUSP) e coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da Secretaria Municipal de Saúde de Mauá.

    Confira Também: