• Cientista revela como criou um xampu 100% eficaz para queda de cabelo

    Jackeline Alecrim - Magicscience
    Jackeline Alecrim é fundadora e CEO da Magicscience. (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 19 out 2022

    Com apenas 34 anos de idade, Jackeline Alecrim é uma farmacêutica mineira natural da pequena cidade de Capelinha, que já fez história em dois setores diferentes, porém complementares – a pesquisa científica e o empreendedorismo.

    Jack, como gosta de ser chamada, é fundadora e CEO da startup Magicscience, que desde 2017 comercializa dermocosméticos para tratamento de calvície e queda de cabelos. 

    Os diferenciais dos dois feitos de Jack são a inovação tanto na forma de conduzir a pesquisa científica – que deu origem à patente depositada e a dez formulações de produtos – quanto na inusitada maneira que ela escolheu para criar um negócio do zero: com cerca de R$ 200 de orçamento.  

    Hoje, ela é associada à empresária Cristiana Arcangeli para expandir a venda para varejo e plataformas digitais como a Amazon. Aliás, a marca passa por um processo de rebranding e ganhará a assinatura “Dr. Jack” nas embalagens.

    Jack descobriu fitoativos provenientes de um extrato biotecnológico de café e desenvolveu uma formulação de uso tópico, prática e certeira que batizou de Caffeine’s Therapy. E isso não é discurso vendedor. O teste de segurança e efetividade exigido pela Anvisa atesta 100% de eficácia da formulação. 

    Para termos de comparação, Jack diz que as demais formulações atualmente disponíveis no mercado alcançam em média 40% menos eficácia ou sequer comprovam clinicamente tais efeitos.

    Em um bate-papo com FUTURE HEALTH, Jackeline Alecrim conta como tem atuado com desenvolvimento e posicionamento de cosméticos inovadores, consultoria científica e empreendedorismo estratégico na ciência.

    FUTURE HEALTH: Como você entrou no mundo da ciência? Quando você descobriu essa vocação?

    JACKELINE ALECRIM: Eu era uma criança muito doente nos primeiros anos de vida. Lembro que aos quatro anos de idade tive uma crise de asma grave e, quando acordei, fiquei encantada com o comportamento e com o jeito de falar dos médicos que estavam à minha volta, tentando me salvar. Meus pais [ela é a filha de pai caminhoneiro e mãe dona de casa] tiveram que me levar para Belo Horizonte… venderam uma casa para pagar o voo, porque eu estava com uma parada respiratória. Quando acordei, foi amor à primeira vista. Foi a primeira vez que eu saí daquele universo da cidade pequenininha.

    Me apaixonei pela área da saúde e achava que queria ser médica, porque era a referência mais bonita que eu tinha, de um feito máximo – de salvarem a minha vida. 

    Me formei no Ensino Médio e não passei no vestibular para medicina. Fiquei excedente e resolvi fazer farmácia pra não perder aquele semestre.

    Quando eu comecei a cursar farmácia, fiquei completamente encantada. Temos inúmeros farmacêuticos que marcaram a história: quem inventou o leite em pó e a Coca-Cola foram farmacêuticos, medicamentos são desenvolvidos por farmacêuticos. 

    Eu achei aquilo o máximo e vi que era a profissão que me deixava mais próxima do desejo que tinha de fazer algo inédito, de dar uma contribuição para o mundo. 

    Comecei na iniciação científica, no laboratório, desde o primeiro período da faculdade, participando de pesquisas que os professores desenvolviam. 

    FH: A profissão de cientista não é das mais reconhecidas em nosso país, infelizmente. O que a levou a persistir nessa trilha? 

    JA: Acho que foi inquietude, porque o cenário da pesquisa no Brasil me incomodava. Eu vim de uma história pouco convencional – estudei com bolsa na universidade, fui monitora de várias matérias, ali construí minha carreira, me tornei professora universitária.

     O cenário convencional é você se formar numa federal, trancafiar-se no laboratório por 20 anos, gerar artigos científicos – que são importantes –, mas materializar pouco daquilo.

    E eu me questionava por que não havia outro caminho? Será que não tinha mesmo ou simplesmente ninguém ainda tinha feito?

     Eu brinco que quando você sai de uma cidade do tamanho de Capelinha, todas as oportunidades que se tem fora dali, precisam ser criadas. Fui a primeira pessoa da minha família inteira a sair pra fazer um curso superior. 

    Quando vi que estava com um laboratório inteiro na minha mão sem nenhuma linha de pesquisa ativa, vi uma oportunidade. 

    Me reuni com a direção da faculdade e disse que queria fazer uma pesquisa com recurso próprio ali, mas com um objetivo específico – fazer um produto e levá-lo para o mercado.

     Eu não me conformava com a ideia de ver tantos artigos que poderiam gerar feitos revolucionários morrerem num banco de patentes. Convivia diariamente com uma frustração dupla – o pesquisador frustrado porque se dedica 20 anos e não saía profissionalmente daquele cenário, e a comunidade sem o resultado da pesquisa à disposição.

    A faculdade me deu todo o apoio. Combinei que a moeda de troca seria colocar meus alunos para acompanhar a pesquisa e em contrapartida eles me deixariam usar alguns ativos que já tinham lá… outros eles iam me ajudando a encomendar – junto com os da universidade – e eu custeava.

    Criei, assim, uma nova forma de fazer pesquisa. Eu tive essa liberdade e defendo, inclusive, que isso seja uma matéria nas escolas: as pessoas precisam aprender a empreender, a vender.

    Lá em Capelinha, trabalhei como vendedora na feira e amava conversar com pessoas, olhar no olho, entender o que elas queriam. Acho que isso me deu um olhar para a aplicabilidade.

    FH: E por que decidiu focar sua pesquisa na área de cuidados com o cabelo, em especial alopecia e calvície?

    JA: Na minha infância, meu cabelo era um dilema de vida (risos)… Minhas irmãs tinham o cabelo liso e eu tinha um cabelo mais áspero e incontrolável – ele nem ficava afro nem moldava. Como eu tinha asma, minha mãe não podia passar nada que tivesse cheiro. E os cremes daquela época tinham cheiro, então, quando ela começava a pentear eu chorava e tinha crises de asma.

    Como trabalhei muitos anos com farmacologia clínica, na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, percebi que a legislação brasileira para medicamentos era tortuosa. Se você não fosse uma indústria de medicamento multinacional, levar um medicamento novo ao mercado demoraria uns 30 anos.

    E todo cientista tem um caderninho de anotações, coisa meio de doido. Eu sempre revisava o meu, onde havia muitas anotações sobre estudos da área folicular sobre alteração do formato do fio, do funcionamento do folículo piloso [estrutura da derme responsável pela produção e crescimento do pelo].

    Um dia, revendo uma pesquisa inicial que tinha feito sobre substâncias e medicamentos que tinham o poder de vasodilatar, pensei que poderia aplicar na área capilar.

    Comecei a pesquisar ativos presentes no extrato de café, porque Capelinha também é conhecida como a “cidade do café”, porque produz, beneficia e exporta muito.

    Identifiquei famílias de ativos obtidos do café que poderiam beneficiar o ciclo capilar. Então, me enveredei por esse caminho e vi que poderia ter uma resposta satisfatória para esse problema tão comum e que era tratado com inefetividade.

    FH: Você começou a pesquisar substâncias naturais que dilatassem o folículo piloso, é isso?

    JA: O café, quando administrado via oral, causa efeito dilatador. Na via tópica, a gente queria encontrar famílias que provocassem vasodilatação, porque tudo que tem efeito estimulante faz chegar mais sangue, mais nutrientes e aumenta a atividade tecidual. 

    Curiosamente, tinha uma pesquisa da Alemanha que mostrava que a cafeína e algumas metilxantinas tinham também o poder de inibir uma substância chamada DHT ou dihidrotestosterona [hormônio andrógeno, encontrado em homens e mulheres, considerado um contribuidor para a calvície, pois causa a miniaturização dos folículos capilares], a principal envolvida no afinamento progressivo que a calvície provoca. 

    Quando você observa uma mulher ou um homem com alopécia androgenética, não necessariamente o cabelo caiu. Ele foi afinando ao ponto de desaparecer até o folículo piloso fechar.

    Quando vi esses dois sinais, pensei: “Onde há fumaça, há fogo”. A gente já tinha como pista o efeito que a cafeína tem de inibir a DHT e o efeito vasodilatador de algumas substâncias.

    Imagine que quando a gente pega um extrato de café, há milhares de substâncias benéficas e maléficas para o couro cabeludo ou para o nosso corpo. Então, eu tinha que separar as famílias benéficas, jogar as maléficas fora e deixar as famílias benéficas na concentração ideal. Demorou quatro anos para conseguir isso.

    Encontramos famílias com potencial de: bloquear a DHT; melhorar a vascularização; inibir substâncias que ativam uma fase do ciclo capilar [são três: crescimento, transição ou repouso e queda], chamada catágena [transição], em que o folículo piloso é programado para morrer; fornecer substâncias antioxidantes e que aceleram a proliferação das células do cabelo.

    Uma curiosidade: as células do cabelo estão entre as células do corpo que mais consomem energia. Por isso, sempre que você passa mal, seu corpo corta suprimentos do seu cabelo. E é por isso que ele cai em situações de stress ou crises de saúde.

    O cabelo gasta muita energia porque multiplica rápido. Quando você depila, depois de três ou quatro dias já tem outro fio no lugar, o que é um esforço, um gasto fisiológico tremento grande. Há medicamentos contra câncer que, ao atacar células de multiplicação rápida, acabam matando as células do folículo piloso porque as confunde com células cancerígenas. 

    FH: A patente da Caffeine’s Therapy tem a ver só com a cafeína? Ou você fez uma patente mais ampla que já previa o uso dessas várias famílias que beneficiam o ciclo capilar?

    JA: É uma patente ampla do uso dessas famílias presentes nesse extrato biotecnológico de café e também do mecanismo de absorção tópica dessas famílias. 

    O couro cabeludo é uma das áreas externas mais promissoras para tratar distúrbios capilares, calvície e alopecias em geral porque ele absorve oito vezes mais do que a nossa pele.

    Se temos hoje métodos anticoncepcionais em que colamos um adesivo na pele para ativar um efeito contraceptivo, imagine algo cuja aplicação cutânea permita agir diretamente nos folículos pilosos?

    Existe muita desinformação científica sobre isso. Sabemos que as matérias médicas são muito amplas e, às vezes, algum médico não estudou absorção ou farmacologia e afirma que xampu antiqueda não funciona.

     Pensando em substâncias que atuam no fio, que é morto, óbvio que não funciona. Só que estamos falando da área tópica externa do couro cabeludo, promissora em relação à absorção de fármacos.

    FH: Por que você transformou essa patente e esses descobrimentos em uma empresa? Você poderia ter vendido a patente para uma grande farmacêutica, não?

    JA: Isso passou pela minha cabeça por eu ter terminado a pesquisa financeiramente quebrada. No segundo ano de trabalho, eu tive um filho. Mas eu brinco que tem gente quebrado sem filho e quebrado com filho (risos). A gente começa a pensar que tem alguém ali que depende da gente.

    Os dois últimos anos de pesquisa foram difíceis financeiramente. Mas não podia voltar atrás porque já tinha gastado e avançado muito. Por outro lado, não tinha a menor ideia de quanto tempo ia demorar para terminar.

     Quando fui escolher a forma de concretizar o estudo, existia a possibilidade de fazer um tônico. Mas a absorção de tônico é insuficiente e nele é preciso colocar álcool, que é vasoconstritor, ou seja, seria conflitante. Se colocar álcool, você piora a absorção local. 

    Então, fui estudar mais e percebi que uma das principais barreiras para a absorção é o sebo, a oleosidade que a gente produz e as células mortas. 

    O tensoativo do xampu consegue romper essas barreiras e melhorar a absorção, além de ser mais fácil para o paciente espalhar na cabeça do que um tônico. É difícil uma pessoa com cabelo arrumado, pronta para sair, querer pingar o tônico na cabeça, enquanto o xampu você resolve no banho.

    A gente tem famílias fáceis de serem absorvidas, entre dois e três minutos. Então, optei por desenvolver o produto em forma de xampu. 

    Depois de terminar a pesquisa, tem uma parte legal: o teste de segurança e eficácia clínica exigido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E quem arca com os custos desse teste é o pesquisador. São testes exigidos para dermocosméticos, medicamentos e vacinas. Todas essas classes têm que provar eficácia e segurança clínica. 

    Quando o resultado do teste chegou, cerca de 45 dias depois, obtivemos um resultado de 100% de eficácia clínica para o controle de queda capilar, já nos primeiros trinta dias de uso.

    Imagine que eu estava com um feito extraordinário na mão e não tinha recurso para o próximo passo. Pensei: “Se eu vender isso aqui, vou estar com um pensamento de curto prazo”. 

    Então, aquilo se transformou num propósito de vida mesmo. Me lembro muito bem que tinha algo perto de R$ 200 para comprar matéria-prima, fazer os oito primeiros frascos. 

    Com a venda desses oito primeiros, comprei um lavatório móvel. Ia pessoalmente na casa do cliente orientá-lo sobre o uso, lavava o cabelo dele, aplicava, ensinava a usar. 

    Eu tinha muitos alunos, dava aula pra quase três mil pessoas, e aquilo foi o ponto-chave do começo. Porque as pessoas ficavam muito felizes em falar com a pesquisadora que desenvolveu e ouvir a explicação dela. E quando os resultados apareciam, as pessoas postavam nas redes sociais, indicavam.

     Quando o volume de pedidos ficou alto e a gente já conseguia fazer as primeiras 1.000 unidades industrializadas, precisamos de R$ 30 mil. O caminho que escolhi para viabilizar isso foi a terceirização – se eu fosse montar uma indústria, ia demorar anos. Preferi fazer um contrato de confidencialidade e a fábrica de Belo Horizonte que abrigou esse lote original é minha parceira até hoje.

    Quando o negócio vingou, ele já estava bem estruturado, ainda que modesto. E aprendi que o ótimo é inimigo do bom. Não era a embalagem mais bonita do mundo, mas era o começo. Comecei com os oito frascos e o negócio foi tomando forma. Hoje, são mais de 200 mil clientes atendidos.

    FH: O xampu é também indicado para calvície e para a queda de cabelo por consequência de tratamentos como a quimioterapia?

    JA: Existem várias causas diferentes para a queda de cabelo. Pode-se ter queda de cabelo por fazer uma cirurgia bariátrica, porque a mulher está no puerpério, por anemia, estresse, problema de tireoide ou porque a pessoa fez uma quimio. 

    Só que todas as quedas capilares têm algo em comum – o mau funcionamento dos folículos pilosos, onde os fios estão fixados. Independentemente da causa de queda, houve um problema na região folicular.

    O Caffeine’s Therapy melhora a vascularização ali e reativa o folículo, tornando-o mais profundo. É como uma planta – quanto mais profunda a raiz, mais nutrientes vão chegar ali.

    Para a queda durante o período de quimioterapia existe uma questão: dependendo da quimioterapia que o paciente faz, não se pode usar nada que arda ou que provoque espuma. Às vezes, o médico suspende creme dental, sabonete ou xampu que faça espuma. 

    Quando passa esse período ou quando não é um tipo de química tão agressiva, o paciente pode usar nosso produto para reativar rapidamente os folículos pilares, impedindo que eles se fechem e sumam para sempre. 

    Mais recentemente, apareceu a queda capilar pós Covid-19. Faz dois meses e meio que registrei uma patente e pedi um teste de eficácia para um produto específico contra isso. O resultado de eficácia foi 84% de inibição de queda no primeiro mês de uso, além de estimular a reposição mais rápida dos fios que foram perdidos.

    FH: Como você chegou ao equilíbrio do modelo de comercialização atual com revendedoras, e-commerce e venda no varejo?

    JA: Conseguir desenvolver uma forma operacional de repetir a minha história. Quando terminei a pesquisa, o que me resgatou emocional, financeira e psicologicamente foi a venda dos produtos que eu tinha desenvolvido.

    Ali, intuitivamente, eu já tinha criado uma forma de negócio – atender pessoalmente os pacientes, fazer anamnese do couro cabeludo, dar orientação científica.
    Quando a empresa já estava grande e já vendíamos para os clientes finais uma quantidade maior, houve a primeira ramificação e criamos um sistema em que revendedoras fossem habilitadas para atender os pacientes. 

    Me inspirei em grandes cases multinível nacionais e internacionais para criar essa matriz como, por exemplo, Mary Kay. Meu estudo diário foi entender como eu poderia transformar a vida de outras mulheres assim como esse produto e negócio transformaram a minha.

    A história se repetia: mulheres com filhos pequenos e o sentimento de não querer largar o filhote, mas também não querer se abandonar como mulher. 

    Ao longo de cinco anos, já faturamos cerca de R$ 14 milhões, sendo que metade deste montante foi movimentado pelas vendas diretas especializadas.

    Temos desde revendedores com pós-doc em matemática na USP e gente que não fez o Ensino Médio que senta com o médico e sabe discutir um caso clinicamente.

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