• “Todo mundo deveria se abastecer com uma pequena dose diária de CBD”, afirma CEO da Humora

    Ana Júlia Kiss, fundadora e CEO da Humora. (Foto: Luciano Alves)
    Ana Júlia Kiss, fundadora e CEO da Humora. (Foto: Luciano Alves)
    Tiago Jokura | 22 maio 2024

    Em 2022, a empreendedora Ana Júlia Kiss resolveu inovar com uma erva que mexe com os humores de quem consome – e até mesmo de quem só ouve falar. 

    Aproveitando que ninguém é indiferente a cannabis, Kiss fundou a Humora, desenvolvendo produtos que associam o canabidiol (CBD), que já pode ser importado para fins medicinais no Brasil, a outros fitoterápicos, oferecendo sprays à base de água para uso cotidiano e para variados fins – de controle de sono e de dores até estímulo da libido.

    Em uma entrevista descontraída com FUTURE HEALTH, Kiss descreve sua trajetória profissional, a criação da Humora e de seus produtos e comenta sobre os próximos desafios no mercado de medicina endocanabinoide nacional.

    FUTURE HEALTH: Como surgiu a Humora?

    ANA JÚLIA KISS: Fui preparada a vida inteira para conduzir a empresa da minha família no segmento industrial químico.Fazíamos adesivos e a vida inteira fui treinada para isso. Tive o privilégio e a sorte de liderá-la por quase 15 anos e transformá-la na líder do segmento no Brasil. 

    Em 2017, liderei a venda dessa empresa, que estava no auge, para o maior grupo mundial do segmento. Aprendi muito gerindo uma empresa familiar e, dessa empreitada, parti para uma empresa multinacional. Lá, passei por outros aprendizados, de fronteiras, de regras internacionais, que certamente contribuíram para a criação da Humora.

    Depois de três anos nessa multinacional, entrei num sabático, embora não fosse minha intenção. Foi na época da pandemia e, nesse período, acabei virando investidora-anjo e isso me aproximou da mentalidade de startup. 

    A Humora, então, é fruto desses três momentos. Primeiro, porque é uma empresa brasileira para brasileiros, como era nossa empresa familiar. Ao mesmo tempo, é uma empresa que cruza águas internacionais por uma questão regulatória, já que eu não posso produzir no Brasil usando CBD como matéria-prima – por isso, a empresa está também nos Estados Unidos, e minha experiência em multinacional facilitou esse processo. E ela é uma startup porque carrega inovação e escalabilidade, fruto dessa minha vivência mais recente.

    FH: Por que empreender com cannabis?

    AJK: Muita gente começa a se interessar pela cannabis quando experimenta os benefícios da planta, né? 

    A partir daí, é comum começar a se questionar porque a cannabis é tão proibida se é da natureza. 

    Geralmente, esse interesse leva a pessoa a um caminho de letramento sobre as motivações racistas da proibição, ela passa a entender que as substâncias extraídas da cannabis não estão numa categoria perigosa à saúde etc.

    Eu também passei por essa jornada, que culminou na criação da Humora.

    Basicamente, desenhamos duas estruturas: uma americana, que produz e vende, e outra brasileira, que facilita a aquisição do tratamento à base de cannabis, conduzindo o cliente por toda a jornada clínica e burocrática, envolvendo emissão de receitas, autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) etc.

    FH: Como a Humora auxilia o acesso do paciente à medicina endocanabinoide?

    AJK: Nós temos a responsabilidade de auxiliar as pessoas interessadas. O primeiro passo é conectá-las a médicos especializados em medicina endocanabinoide. Em seguida, as instruímos sobre todos os processos na Anvisa. 

    Para isso, a Humora está estruturada sobre quatro pilares. 

    Para nos diferenciar, de cara, não abordamos patologias crônicas, que é o mais comum no mercado. 

    Partimos da premissa de que todo mundo tem um sistema endocanabinoide que está desabastecido por causa de um proibicionismo. Todo mundo produz duas moléculas muito parecidas com THC (tetrahidrocanabidiol) e CBD (canabidiol), mas não em quantidade suficiente. Ou seja, precisamos nos abastecer diariamente com uma pequena dose, assim como suplementamos vitamina C, vitamina D…

    Então, logo de cara, não estamos focando em enfermidades crônicas, como Alzheimer, esclerose múltipla, entre outras.

    Na verdade, até invertemos a lógica mais comum: eu não quero que haja muita gente com Alzheimer para ter um bom mercado. Eu quero pouca gente com Alzheimer, e, quem sabe, se a gente “suplementa” (reforçando as aspas com as mãos, já que não pode usar o termo oficialmente para seguir as orientações da Anvisa), talvez seja possível diminuir a taxa de Alzheimer no longo prazo.

    O segundo pilar é estar mais perto do cliente. Na indústria farmacêutica convencional, o fabricante se relaciona mais com o médico do que com o paciente. Porém, como nosso público-alvo não está doente, a relação pode ser direta com ele, que está na internet passando por letramento. Ele é antenado, está em discussões, vendo memes, buscando outras maneiras de viver a vida. E, de fato, talvez não vá tanto ao médico porque se considera saudável.

    O ESG também é um pilar da Humora. Nada mais natural para uma empresa cujo principal insumo vem de uma planta. Além da responsabilidade ambiental, consideramos também os impactos sociais causa dos por uma legislação que limita o uso de cannabis pela população.

    O quarto pilar são os produtos à base de água, em spray, e sempre associando o CBD a outros fitoterápicos a fim de oferecer soluções e benefícios específicos.

    FH: Qual é o produto carro-chefe da Humora?

    AJK: Todos os nossos produtos são sprays à base de água para aplicação sublingual. Com isso, entregamos 90% de biodisponibilidade, contra 40% dos produtos à base de óleo.

    A absorção ocorre pela mucosa da boca e os efeitos são sentidos entre 10 e 15 minutos após a administração. 

    Com o óleo, esse tempo é de pelo menos uma hora, porque o processo digestivo é mais lento.

    Cada produto nosso tem uma base de CBD associada a outros fitoterápicos. Temos o TPM, que, como o próprio nome indica, alivia os sintomas da tensão pré-menstrual. Temos também o ALÍVIO, que melhora enxaqueca, ressaca, dores musculares etc., além do SONOS, com melatonina e valeriana, cujo nome também é autoexplicativo. É o nosso produto mais vendido. O CLÍMAX, por sua vez, pode trazer benefícios sexuais e atléticos, por ter função vasodilatadora.

    Tudo isso em spray, prático, refrescante, gostoso e com efeito rápido.

    FH: É preciso convencer o cliente sobre os benefícios do CBD? Existe ainda um preconceito do consumidor, em geral?

    AJK: Eu costumo dizer que tem um espectro de pessoas que conhecem a cannabis, né? Tem o entusiasta, que gosta da planta e estuda a respeito, porque ela faz parte do seu estilo de vida. No outro extremo, tem o paciente crônico, daquelas patologias que mencionamos no início da conversa, e que também estuda, mas em busca de uma solução para o seu problema.

    Nossa visão é de que a cannabis é para todo mundo. Para esses que listei e para todos os que estão no espectro entre esses polos também.

    Nosso posicionamento é na categoria do bem-estar, atendendo também quem não é entusiasta nem paciente crônico.

    Por abranger tanta gente, temos uma responsabilidade de letramento com nosso público. Falamos sobre essa questão, também já mencionada, da microdose diária, explicamos que nossos produtos são “zero THC” – apesar de acreditarmos na totalidade da cannabis – e educamos nossa comunidade sobre a importância e benefícios dessa planta tão proibida.

    Por fim, há o convencimento constante dos clientes sobre a importância da jornada de aquisição, cumprindo as etapas legais necessárias e o constante diálogo com a comunidade médica sobre as propriedades de nossos produtos associados a fitoterápicos, sempre com ênfase no bem-estar e não em patologias crônicas.

    FH: Quantas pessoas estão envolvidas na operação da Humora? 

    AJK: Somos 12 pessoas, entre atendimento, comercial, produção, financeiro etc. Somos dez mulheres e dois homens, uma empresa bem feminina, embora nosso produto não seja só para mulheres, claro.

    Todo mundo trabalha remotamente, espalhado pelo Brasil, e funciona muito bem. Tem gente em Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Santos (SP), eu mesma sou nômade digital e fico mais pelo interior de São Paulo, e duas pessoas nos EUA também.

    FH: Quais são os próximos desafios da Humora?

    AJK: Estamos trabalhando em uma nova fórmula para tratar ansiedade. Estamos muito confiantes nela. É importante porque a ansiedade talvez seja, dentre as patologias crônicas, a mais leve e a mais cotidiana, né? Outra nova formulação vai ser dedicada a melhorar o foco. Ah, e também estamos estudando um spray com função mais, digamos, recreativa. Mas sobre esse ainda não posso revelar muito, estamos estudando não só a composição como também o que a legislação nos permite.

    Além disso estamos desenvolvendo nossas plataformas de interação digital, apostando em IA para estar mais conectados ao nosso público cativo e com os que sempre estão chegando.

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