• Startup ajuda crianças autistas a desenvolver seu potencial e apoia famílias nesta jornada

    Kenny Laplante, fundador da Genial Care
    Kenny Laplante, fundador da Genial Care. (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 7 nov 2022

    Ajudar crianças com transtorno do espectro autista (TEA) a desenvolver todo o seu potencial e, ao mesmo tempo, empoderar os pais ou responsáveis para que eles tenham mais protagonismo neste processo. Esse é o propósito da Genial Care, clínica multidisciplinar inaugurada em São Paulo no final de 2020.

    Seu fundador, o americano Kenny Laplante, teve a ideia do negócio depois de conhecer mais de perto o complexo universo do autismo e, também, por causa de uma experiência na infância – aos quatro anos de idade, ele tinha um atraso na fala e, só apresentou melhoras com acompanhamento adequado.

    “Apesar de eu ser considerado neurotípico, convivi de perto com crianças atípicas, e precisei de intervenção precoce, como elas. Desde cedo sei da importância disso e, em 2017, quando já tinha uma boa bagagem profissional, decidi que era hora de empreender nessa área”, relata o executivo.

    A Genial Care conta com 13 clínicas em São Paulo – duas com marca própria e 11 parceiras – e mais de 100 profissionais de saúde (entre fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais) e colaboradores –, tem como público-alvo crianças de até cinco anos diagnosticados com TEA e suas famílias.

    Na prática, o serviço é oferecer orientação, suporte e educação para pais e responsáveis, além de aplicar, nos pequenos, um tipo de intervenção baseada em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) integrada com outras especialidades clínicas, como a fonoaudiologia e a terapia ocupacional.

    Em conversa com FUTURE HEALTH, Laplante explica as metodologias utilizadas, fala da importância da capacitação dos profissionais envolvidos e entrega os resultados medidos pela empresa em quase dois anos de funcionamento.

    FUTURE HEALTH: Como surgiu a ideia de criar a Genial Care?

    KENNY LAPLANTE: Para responder a essa pergunta, preciso contar um pouco da minha história pessoal. Nasci nos Estados Unidos, e tive uma experiência importante na infância. Aos quatro anos de idade, eu tinha um atraso de fala relevante, era uma criança totalmente não verbal. 

    Quando chegou a hora de ir para a escola, o diretor disse aos meus pais que eu não estava pronto para o ensino regular. Fui, então, para uma classe especial. Meus colegas tinham síndrome de Down, paralisia cerebral, autismo… uma série de condições impactantes.

    No meu caso, ninguém sabia muito bem o que estava acontecendo comigo, mas uma fonoaudióloga, a Bárbara, foi designada para me acompanhar nas aulas. Ela se sentou ao meu lado todo santo dia durante quatro anos e foi quem me ensinou a falar. Foi um trabalho árduo e intenso, mas que deu certo.

    Depois que terminei os estudos, comecei minha carreira profissional no mercado financeiro. Era investidor na área de saúde na General Atlantic (empresa global de private equity) e me aproximei do mundo da saúde infantil, em especial o de intervenção precoce para autistas.

    Olhando esse universo mais de perto, percebi que existe um gap grande entre crianças que precisam de suporte para desenvolver o seu potencial e o suporte que elas recebem. 

    Isso foi um ponto chave para mim, e percebi que precisava fazer alguma coisa a respeito. Resolvi, então, usar a minha experiência pessoal e profissional para empreender nesse mercado, e queria que isso acontecesse fora dos EUA.

    Um dos motivos que me fez vir para o Brasil, em 2017, foi o fato de eu ser casado com uma brasileira. Chegando aqui, trabalhei durante dois anos em uma startup, para entender melhor como funciona esse ecossistema. Sai de lá em 2019 e tirei um ano sabático. Foi aí que comecei a desenhar a Genial Care.

    FH: O que mais o levou a focar no transtorno do espectro autista (TEA)?

    KL: Foram outras questões pessoais, já que tenho alguns autistas na família, um primo e um sobrinho. E não posso deixar de falar nos números. Hoje, temos no mundo 100 milhões de pessoas no espectro. 

    Essa é uma condição relevante, que gera altos custos para as operadoras de saúde e está em uma tendência de crescer cinco vezes nos próximos 10 anos. Sem contar que impacta diretamente na vida adulta. Estudos americanos, por exemplo, mostram que a taxa de desemprego para essa população é de 90%. 

    E boa parte desse problema se deve à falta de suporte e intervenção na primeira infância, que compreende o período de zero a cinco anos. 

    Por isso, o nosso foco é nesta etapa da vida. Nós, da Genial Care, acreditamos que toda criança merece atingir o seu potencial.

    FH: Na prática, como se dá o trabalho de vocês na busca por esse resultado?

    KL: Somos uma clínica multidisciplinar para o cuidado e o desenvolvimento de crianças de até cinco anos com diagnóstico de autismo e de suas famílias. 

    Oferecemos intervenções e resultados clínicos a essas crianças e, ao mesmo tempo, orientação parental para empoderar os pais.

    A metodologia que aplicamos não foi inventada por nós. 

    O que fizemos foi pegar as melhores evidências com embasamento científico e rigor clínico, sendo a maioria delas desenvolvida nos EUA, e adaptá-las ao contexto brasileiro.

    O tipo de intervenção que trabalhamos é baseado em Análise do Comportamento Aplicada (ABA), que foca na aprendizagem e no comportamento da criança a partir dos interesses naturais que ela tem. Integrado a ela, unificamos a fonoaudiologia e a terapia ocupacional para potencializar o desenvolvimento esperado.

    Se você olhar outras clínicas voltadas para autistas, elas não têm esse modelo unificado. Nelas, cada profissional trabalha sozinho, o psicólogo, o fonoaudiólogo e o terapeuta ocupacional. Muitas vezes, eles nem conversam entre si, o que acaba gerando perdas de comunicação e dificuldades para a família navegar nesse mundo complexo que é o autismo.

    Aqui, decidimos pegar o caminho contrário, mais difícil, mas que acreditamos ser o certo. 

    Até porque as pesquisas científicas indicam que quando as crianças são atendidas por uma equipe multidisciplinar unificada, os resultados são melhores para todos: filhos e pais.

    FH: Por falar em pais, pode explicar melhor a dinâmica da orientação parental?

    KL: Os pais são os principais responsáveis pelos cuidados da criança com autismo. O que fazemos é oferecer orientação, suporte e educação para que entendam melhor o transtorno, desenvolvam habilidades para dar assistência aos filhos e aprendam a lidar com comportamentos desafiadores no dia a dia e, também, a cuidar do próprio bem-estar. 

    Na Genial Care, esses adultos responsáveis por crianças com autismo têm acesso a encontros recorrentes online com especialistas, conteúdos, eventos exclusivos e aplicações e práticas de regulação emocional. Além disso, contam com o acompanhamento de um agente de cuidado.

    Mas uma coisa que é importante deixar claro é que não estamos formando pais terapeutas. Não é essa a ideia. O que visamos é que eles sejam os melhores pais possíveis e auxiliem suas crianças a se desenvolver.

    FH: Como as famílias chegam até vocês? E como é o atendimento?

    KF: A maioria das famílias vem pelos planos de saúde. Mas também há famílias que atendemos de forma particular. Neste caso, dependendo do plano que possuem, elas solicitam reembolso.

    Em relação ao atendimento, temos três modalidades: duas no mundo físico, para as crianças, e uma no virtual, para os pais. Na parte presencial, os profissionais podem atender as crianças em domicílio ou nas clínicas. Hoje, temos duas com a marca Genial Care e mais 11 parceiras. Todas ficam na cidade de São Paulo.

    Já a orientação parental ocorre quase toda de forma online. As atividades com os pais acontecem por videochamada, realizada por um coordenador da nossa equipe ou pelo nosso aplicativo. 

    FH: Qual o passo a passo a partir do momento em que as famílias procuram a Genial Care?

    KL: Começamos por uma avaliação presencial. A família vem e conversa com uma equipe multidisciplinar formada por até sete profissionais da fonoaudiologia, da psicologia e da terapia ocupacional. Na criança, aplicamos protocolos validados internacionalmente. O objetivo é entender quais são as necessidades dos pais e dos filhos.

    Depois que colhemos esses dados, fazemos algumas correlações usando um sistema tecnológico que nós mesmos desenvolvemos e discutimos o caso com os especialistas. Esse processo é uma espécie de imersão e dura uma semana.

    Ao final, geramos dois documentos que são entregues para a família, e podem ser enviados para o plano de saúde e para os médicos que acompanham a criança. Um deles é um relatório bem completo sobre tudo o que descobrimos e, o outro, é o plano de intervenção individualizado, que traz as metas terapêuticas.

    Todo o processo é bem estruturado, complexo e pessoal. Isso é importante não apenas para garantir a qualidade do atendimento, mas também para criar um vínculo com a família. Por fim, iniciamos o tratamento, em que acompanhamos as crianças e seus pais ou responsáveis.

    FH: Uma parte fundamental para o sucesso do tratamento é a equipe que atende os pacientes, certo? Vocês realizam algum tipo de treinamento com os profissionais?

    KL: Esse é um ponto fundamental. Todos os profissionais clínicos que trabalham com a Genial, e hoje já são mais de 100, são capacitados por nós. Antes mesmo que iniciem o trabalho conosco, temos uma triagem rigorosa. Ela inclui análise de currículo e testes práticos e teóricos. 

    Os que são aprovados nessa etapa, passam por um treinamento de um mês. Montamos um sistema online com as metodologias mais ativas de ensino e, também, realizamos dinâmicas presenciais. 

    Quando essa fase é encerrada, os fonoaudiólogos, os psicólogos e os terapeutas ocupacionais ainda passam por um programa de caring. Cada um deles, antes de começar a trabalhar conosco, acompanha outro profissional mais experiente nos atendimentos, seja em domicílio ou nas clínicas. Tudo isso é importante para manter o padrão de qualidade e prestar o melhor serviço possível. 

    FH: A Genial Care tem pouco menos de dois anos de funcionamento. Neste período, que resultados obtiveram e podem compartilhar?

    KL: Medimos os resultados nos termos que importam para as famílias, e a métrica que usamos, que consideramos mais importante, é o quanto o comportamento da criança melhorou com a intervenção. 

    Quando começamos, no final de 2020, acreditávamos que em um período curto já veríamos resultados positivos, mas ficamos surpresos com o que obtivemos. 

    Com a aplicação das nossas estratégias, em apenas seis meses, melhoramos os comportamentos desafiadores da criança autista em 26%, em média. 

    E temos bons resultados também em relação às famílias. Nestes casos, não consigo dar números, mas o que vemos nelas são significativos aumento do bem-estar e redução do estresse. Tudo isso fortalece a própria criança, afinal, quando os pais estão bem, elas têm um ambiente mais propício para se desenvolver.

    FH: Com o modelo de trabalho de vocês já testado e validado, quais serão os próximos passos?

    KL: Estamos, agora, na fase de crescer com qualidade, mas ainda focados na cidade de São Paulo. Dentro de nossa ótica de crescimento, entendemos que é importante entregarmos resultados clínicos melhores e a um custo menor.

    Hoje, os planos de saúde gastam bilhões com os tratamentos para pessoas com TEA. Fora da Genial Care, os custos podem chegar a R$ 25 mil por paciente por mês. No cenário em que a criança está sendo acompanhada por uma clínica tradicional, ela é assistida por 40 a 50 horas por semana. É uma carga horária grande.

    Aqui não trabalhamos dessa forma, temos outro foco, outra estratégia. 

    Nosso serviço pode economizar cerca de 70% por mês para os planos e entregar um resultado melhor, com uma carga horária de cerca de oito a 12 horas por semana. 

    É um tempo menor, mas eficiente porque atuamos com uma equipe unificada bem preparada e com os pais, de forma que eles possam ajudar no desenvolvimento das crianças também em casa.

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