• Por que um robô criado por um engenheiro brasileiro faz sucesso em hospitais e ganhou reconhecimento internacional

    O criador, Antonio Henrique Dianin, e a criatura, o R1T1
    Jose Renato Junior | 17 jan 2022

    Aos 35 anos de idade, Antonio Henrique Dianin, que empreende desde os 20, é o fundador e CEO da Project Company – empresa paranaense com mindset de ONG, gestão horizontal e remuneração variável para todos os 30 colaboradores.

    Não é só. Ele detém cinco patentes e possui mais de 400 produtos tecnológicos desenvolvidos, 22 deles comercializados atualmente no site. 

    Entre esses produtos, destaca-se o primeiro robô de telepresença da América Latina, com funcionalidades massivas na área da saúde e interface amigável – o R1T1. 

    Com seu corpo metálico e funções de videoconferência criptografada (Project Conference), o robô representa uma pessoa a distância, em determinado lugar, por meio de interações via câmera, microfones e tela touchscreen

    Ou seja, ele reina soberano na telemedicina tanto para visitas médicas quanto em discussão de casos, porque tem integração com todos os equipamentos do hospital para monitoramento de pacientes, em especial os da UTI.

    O R1T1 pode ser controlado local ou remotamente, com tablet ou smartphone, e uma conexão com a internet – e isso tudo é possível desde 2014, quando foi lançado.

    Mas a 11ª versão do robô, a atual, realiza muito mais do que “apenas isso” na área da medicina hospitalar, o grande foco comercial da Project Company. 

    O R1T1 foi o primeiro robô no mundo a oferecer as funcionalidades de planejamento e treinamento cirúrgico para apoio em transplantes de órgãos, sistema de fisioterapia gamificada, sistema de iluminação de veia periférica para facilitar a punção venosa, sistemas e equipamentos de oftalmologia (testes de visão, sensibilidade de contraste e coloração; e oftalmoscópio) e sistemas e equipamentos de sequenciamento de DNA/RNA. 

    “Tentamos ser um provedor de saúde completo: o que houver na área de saúde queremos ter no R1T1”, diz Antonio. 

    “Por exemplo, estão disponíveis como solução no robô todos os sistemas hospitalares – gestão, procedimento de alta complexidade, prontuário eletrônico, servidores, a parte de imaginologia – e também impressão 3D de reconstrução do corpo humano…”

    PARECE COISA DE GRINGO? MAS NÃO É 

    Já há 10 unidades do R1T1 rodando em hospitais por aqui. Ele é comercializado em forma de leasing, que gira em torno de R$ 5 mil mensais, e já inclui os softwares. (O custo de produção de uma unidade é R$ 80 mil e leva-se um mês para montá-lo.) 

    Segundo Antonio, o robô é totalmente nacional. Porém recebeu contribuições importantes de sua rede de professores e pares fora do país.

    Com o Instituto de Tecnologia da Georgia, a Project Company fez parceira para desenvolver o sistema de movimentação do robô (veja o R1T1 em movimento aqui). 

    A Intel fornece os chips e sistemas de câmera. A gigante Microsoft paga os servidores, uma vez que todos os softwares estão na nuvem, e a Universidade de Victoria, no Canadá, foi cocriadora da tecnologia assistiva pioneira em robôs.

    Essa tecnologia é a responsável pela função de acessibilidade para pessoas com deficiências e pacientes com dificuldade de movimentação, como os portadores de Síndrome de Rett e esclerose, que se comunicam com comando de voz ou com movimento da cabeça, mãos e dos olhos.  

    DE TROUBLE MAKER NA ESCOLA A GERENTE NA INDÚSTRIA DO PAI

    Por tudo que realizou até agora em sua vida, com engenharia e ciência de dados, Antonio pode ser considerado excepcional, mesmo sem nunca ter feito um teste de QI para se exibir. 

    Desde a escola, porém, o garoto já era tratado como aluno especial e frequentava aulas mais adiantadas se achasse interessante. Tudo para parar de bagunçar em sala de aula.

    “Eu prezo mais sabedoria – capacidade de enxergar o todo – do que inteligência”, diz.

    Ele lembra às gargalhadas quando, aos 16 anos, depois de passar em primeiro lugar no vestibular, foi trabalhar na indústria de confecção do pai, a DMS, sediada em Jandaia do Sul, no Paraná, para revolucionar tudo. 

    Após rodar todas as áreas, inclusive a costura, decidiu que precisavam começar a mudança pelo ERP da empresa. Ficou encarregado de implementar o novo software. 

    “As pessoas olhavam para mim e enxergavam um moleque. Até ganhar o respeito, demorava. Por exemplo, quando chegaram os consultores para implementar o novo sistema, eu atendi porque era o chefe. Eles não acreditaram e pediram para chamar o diretor.” 

    Além da graduação em Engenharia de Produção pela Universidade Estadual de Maringá, Antonio acumula cinco especializações (Engenharia de Produção, Transações Imobiliárias, Gestão de Ensino, Cadeia de Suprimentos e Healthcare Marketplace), um MBA pela FGV, dois mestrados (Logística pelo MIT e Cirurgia pela Unicamp), um doutorado em Transplante de Órgãos e dois reconhecimentos internacionais. 

    Em 2018, foi listado como Innovators Under 35 Latam pelo MIT Technology Review e, no ano passado, apareceu entre o grupo de 100 líderes notáveis do Meaningful Business (MB100), que se dedicam a resolver os problemas mais urgentes do mundo e ajudar a alcançar os Objetivos Globais da ONU. 

    Sim, Antonio é “fora da casinha”, como costuma dizer brincando. Aliás, isso pode ser dito também de sua criação robótica. 

    Revestido de fibra de vidro, do alto de seu 1,60 metro de altura e 50 quilos, o R1T1 tem revestimento antibactericida, duração da bateria de 24 horas e pode tanto trabalhar na Islândia quanto no deserto do Saara, pois suporta temperaturas entre -20º C a 50º C. 

    Ele foi classificado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pela agência de inovação C Minds como uma das principais iniciativas no uso de IA na América Latina por trazer técnicas biométricas, processamento de linguagem natural, reconhecimento de imagens e assistência ao trabalhador cognitivo, entre outras coisas.

    O R1T1 no catálogo da empresa

    A VIDA IMITA A ARTE

    O R1T1 nasceu na mente de Antonio enquanto ele assistia a um episódio do seriado americano “Big Bang Theory” (precisamente, “The Cruciferous Vegetable Amplification”, temporada 4). 

    Nele, o personagem Sheldon cria um robô de telepresença para não precisar ir mais para a universidade. E sim, o nome dado à criação é homenagem ao robô-fetiche de “Guerra nas Estrelas”.

    À época, o engenheiro-inventor-empreendedor tinha um desejo parecido de não mais precisar se locomover para a UEM, onde dava aulas. 

    Para tornar a sua visão realidade, decidiu retomar um velho hábito de infância – desmontar algo para reconstruir uma coisa totalmente diferente. 

    “Desde criança, eu escolhia meus brinquedos pelas peças que estavam dentro deles, porque chegava em casa e desmontava o brinquedo para criar os meus próprios. Eu já tinha feito kart, carro e até aviãozinho planador que chegou a voar.” 

    Vale dizer que, nesta época, aos 27 anos, Antonio já tinha trabalhado por 11 anos com o pai, abrira braços de negócios próprios – a fintech ProjectInvest, uma empresa de tecnologia e uma imobiliária, todas abaixo do grupo DMS Company. E já contabilizava quatro titulações, sendo que a quinta estava em andamento.

    Ele lembra como os embates com pai o moveram para criar uma empresa nova, com modelo diferente para abraçar o sonho robótico. 

    “Entre o tempo de eu falar para ele que a gente precisava de uma coisa e a gente implementar, demorava cinco anos”, diz. 

    “Meu pai respondia que não havia problema, porque, mesmo assim, a gente estaria na frente de todo mundo. Mas, pra mim, estávamos cinco anos atrasados.”  

    COM O SONHO DO ROBÔ VEIO JUNTO UMA NOVA EMPRESA

    Hoje, a Project Company tem algumas divisões: Robot (laboratório de robótica dedicado ao R1T1), a loja online Store, a área para projetos malucos X (que inclui o Program X, iniciativa totalmente online de desenvolvimento econômico que visa atrair e criar startups de alto impacto com possibilidade de investimento), e a Misty Mountains de produtos artesanais e 50 sabores diferentes do Brazil Cachaça, além da cerveja Gandalf.

    Mas os seis primeiros meses de empresa, em 2013, foram dedicados ao desenvolvimento do hardware do R1T1– o equipamento mecânico e sistemas microeletrônicos, enfim, a parte física do robô. 

    Entenda-se disso: desmontar computadores e achar as placas e combinações que possibilitassem a construção de um protótipo.

    “Não foi barato, gastei cerca de R$ 100 mil do meu bolso pra fazer algo extremamente tecnológico. Meu benchmarking eram os EUA”, relembra. 

    “Queria lançar primeiro que eles. Até procurei investimento no começo, mas as pessoas davam risada quando eu dizia que o meu robô seria melhor que o da IBM, que estava para ser lançado.”

    A primeira vez que o R1T1 foi montado, ele funcionou por meia hora. Antonio e a turma da Project Company acharam um sucesso apenas o fato de ele funcionar. 

    “Mas a IBM ia lançar o modelo deles, com uma hora de funcionamento, e eu não queria lançar o meu com menos do que isso”, conta. 

    “A segunda vez que montamos, já deu uma diferença gigantesca: funcionou por duas horas. Ficamos felizes por estarmos à frente da especificação da IBM, mas duas horas não dá pra se fazer nada!”

    O “pai” do R1T1 perdeu as contas de quantas vezes desmontaram e remontaram o robô. No meio do ano, Antonio chegou a uma versão de protótipo funcional de 5 horas de autonomia de utilização. 

    “Ele era horrível: havia canos, placas e fios soldados para todo lado. Não podia nem encostar no robô”, relembra, rindo.

    “Mas todo mundo que via adorava, achava sensacional. A partir daí, entendemos que tínhamos de fazer um negócio com aquilo.” 

    FOCO EM FUNCIONALIDADES DE SAÚDE

    A área de educação foi deixada em segundo plano e o foco passou a ser funcionalidades de saúde. O Hospital Universitário Regional de Maringá foi a primeira instituição a aprovar a ideia, e passou os seis meses seguintes apoiando o desenvolvimento do design do produto, que é inteiro arredondado. 

    As instruções sobre as necessidades de higienização de um equipamento que entraria em uma sala de cirurgia, da impossibilidade de se ter quinas no robô, porque ali se depositariam microorganismo e seria difícil de limpar, vieram do hospital – que desde então é o primeiro local de testes das novas investidas do R1T1. 

    No início de 2014, o R1T1 estava pronto por dentro e por fora e passou a circular e a trabalhar no hospital de Maringá. Mas ainda havia certa desconfiança do corpo médico em relação a Antonio. 

    A solução foi ser mestre em cirurgia. “Já que havia esse estranhamento, eu fiz a titulação que eles queriam. Daí, quando já estava no mestrado, passei a ser colega deles – e sumiram as barreiras.”

    O doutorado pela Unicamp possibilitou que um segundo hospital de referência adotasse o R1T1 e cocriasse o dispositivo para facilitação de transplante de órgãos.

    Ele faz a comunicação da equipe de captação com a equipe de transplante e consegue até avaliar remotamente as funções do órgão em transporte. Tudo em tempo real. 

    Vieram ainda outras funcionalidades, como os sistemas de reconhecimento facial que permitem identificação de sexo, emoções, idade aproximada, etnia, e a cereja do bolo: Kayra, personagem do sistema de inteligência artificial.

    Desde o início da pandemia, o robô tem sido usado para trabalhar na linha de frente de combate à Covid-19. 

    UM ROBÔ AMIGO DAS CRIANÇAS

    São parte do job description do R1T1 fazer teleconsultas médicas e triagem de pacientes nos pronto-atendimentos com aferição sem contato dos sinais vitais – batimento cardíaco, frequência respiratória, temperatura, pressão arterial e oximetria (saturação de oxigênio no sangue, quer dizer, quanto oxigênio seu sangue está transportando).

    Além disso, após cada atendimento, ele realiza a desinfecção do ambiente e de equipamentos hospitalares com luz ultravioleta, que elimina vírus, bactérias e outros micro-organismos.

    As funcionalidades da área de educação confundem-se, hoje, com o que Antonio chama de humanização. Por exemplo, dentro de uma universidade médica, vários residentes querem estar dentro da sala de cirurgia, o que não é permitido pelo risco de contaminação. 

    “Então, em vez de ficarem ali em cima do paciente, eles participam da cirurgia através do R1T1”, explica. 

    “O robô está presente na cirurgia e transmite 100% do que acontece ali. Os residentes podem fazer perguntas e tirar dúvidas em tempo real.”

    Outra atividade que tem ganhado destaque e sucesso é a interação do R1T1 com crianças internadas em isolamento. 

    “Temos uma peça ensaiada com os palhaços do Doutores da Alegria. Já aconteceu caso de crianças que não estão internadas querendo entrar no hospital para brincar com o robô”, diverte-se o CEO.

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