• “Eu trato o paciente como se fosse meu melhor amigo”, afirma cardiologista da BP

    André Gasparoto, cardiologista da BP
    André Gasparoto, cardiologista e coordenador médico da Unidade de Tratamento Intensivo da BP. (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 19 ago 2022

    Nascido em Birigui, no interior de São Paulo, o cardiologista André Gasparoto tem uma máxima: tratar cada paciente como se fosse seu melhor amigo. E explicar sobre uma doença ou uma cirurgia assustadora com a calma de quem fala com o pai ou mãe idosos. 

    “A chance de errar é muito menor. Esse é meu princípio de vida. Claro que não preciso sair para jantar ou tomar cerveja com o paciente. Mas, durante a consulta, ele é o meu melhor amigo. Tudo que posso fazer é cuidar, explicar com carinho e afeto”, conta.

    Desde cedo Gasparoto dizia aos pais que seria médico. Hoje, aos 41 anos, com mais de uma década de experiência, o coordenador médico da Unidade de Tratamento Intensivo leva a antiga paixão aos pacientes do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP). E ele é presença constante para eles. Ainda que não seja cirurgião, é o cardiologista quem mais convive com os pacientes – no pré e pós-operatório.

    Baseado nessa experiência, Gasparoto se aventurou no mundo da literatura. Ele acaba de lançar seu segundo livro Cirurgia cardíaca: como encarar de peito aberto – o primeiro, intitulado Infarto: antes, durante e depois. Quebrando mitos, saiu em 2018. 

    A intenção do médico é levar ao público geral, com uma linguagem simples, todo o conhecimento que entrega aos pacientes em consultas. 

    A motivação de Gasparoto é a relevância do tema – de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, cerca de 30% da população brasileira é afetada por doenças cardíacas. 

    FUTURE HEALTH bateu um papo com Gasparoto sobre sua trajetória profissional e sobre o novo livro:

    FUTURE HEALTH: Como surgiu a ideia de escrever o livro?

    ANDRÉ GASPAROTO: É uma continuação do meu primeiro livro, onde contei a jornada do paciente infartado, desde a dor até a reabilitação. Abordei todas as etapas, desde o hospital até o retorno para casa. 

    E esse novo livro sobre cirurgia cardíaca passa por toda essa jornada, do pré-operatório à internação, à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e à reabilitação. É uma continuação do primeiro, tratando novamente de doenças cardiológicas. 

    A principal causa de morte (30%) da população no Brasil e no mundo é por doenças cardiovasculares, e a doença coronariana (responsável pelos infartos e também por cirurgias cardíacas) tem um papel muito importante. 

    Ou seja, as doenças cardiovasculares são uma pandemia instalada há anos e sem prazo para acabar, e, pior, com tendência de alta ao longo dos anos.

    É difícil você conhecer uma pessoa que não tenha ou venha a ter um familiar que passe por uma intervenção cardiológica de grande porte. Então é um tema que marca bastante as pessoas. 

    Faço pós-operatório e indico cirurgia há 15 anos, então sei como a pessoa fica abalada e fragilizada ao receber a notícia. Ninguém diz “claro, estou pronto!”. É preciso explicar com calma, mostrar absolutamente tudo para que a pessoa vá tranquila à cirurgia.  

    Então, resumidamente, o livro é uma tentativa de sair das quatro paredes do consultório – e de desmitificar a cirurgia sem banalizar sua complexidade.

    FH: Que fatores justificam o aumento das doenças cardíacas na população?

    AG: Sem dúvida nenhuma é uma questão multifatorial. Quanto mais a população vive, certamente, mais AVCs (Acidentes Vascular Cerebral), e mais infartos elas terão. Mas também tem a questão do sedentarismo, que a cada dia aumenta. 

    Eu criei um termo que se chama “ciclo vicioso do mal” em cardiologia. Coloco como ponto de partida o sedentarismo, porque o sedentário naturalmente fica mais em casa, e aí come mais besteira. Isso já aumento a chance de ganhar peso e se tornar obeso, o que aumenta a probabilidade de ser hipertenso, desenvolver diabetes ou ficar com o colesterol alto. 

    Essas são as doenças silenciosas que, caso não tenham acompanhamento médico regular, vão gerando consequências, entre elas o infarto. Se a pessoa já é tabagista, então, a tendência é fumar mais. Isso só piora. As pessoas estão cada vez mais presas às telas e tevês.

    Defendo, portanto, que a primeira forma de quebrar esse ciclo é abandonar o sedentarismo. 

    Porque as coisas vão acontecer necessariamente. A pessoa vai procurar um médico para iniciar as atividades e já pode descobrir se tem alguma dessas doenças ou não.

    Acho muito válido brigar também contra a obesidade infantil porque depois as coisas vão ficando mais difíceis. Em alguns estados brasileiros esses índices já têm aumentado bastante.

    FH: Você comentou sobre o medo que as pessoas têm da cirurgia cardíaca e sobre a importância do papel do médico nesse momento. Qual a melhor maneira de abordar o paciente?

    AG: É ter tempo e paciência. Se eu tirar 10 minutos para explicar o procedimento que será feito, ou você vai desistir da cirurgia ou vai sair se despedindo até do seu peixe, como se nunca mais fosse voltar para casa. Então é preciso de tempo hábil e disposição para tirar todas as dúvidas que vão surgir ao longo do processo. 

    Eu gosto de usar a tela para mostrar como são as coisas, do que é feito uma ponte ou uma mamária, como é a troca da válvula. 

    Os médicos precisam saber ouvir, mas, infelizmente, muitos só querem falar. Isso não cria um vínculo com o paciente, é ruim.

    FH: Ainda assim segue sendo uma cirurgia delicada. Como mostrar ao paciente os riscos reais da cirurgia?

    AG: Existem alguns scores de previsão de mortalidade. Eu sempre calculo e mostro aos pacientes. Olha aqui, seu risco de morte é de 1%. Ou pode ser alto. 

    Aconteceu recentemente em uma consulta. Um paciente tinha entre 35% e 38% de risco de morrer, por causa das múltiplas comorbidades e da idade avançada. As três filhas ficaram assustadas, mas ele topou entrar nessa. 

    Falou assim: “eu prefiro morrer do que continuar como estou, então quero fazer a cirurgia”. Ele viva com muita dor, até na hora de evacuar sentia uma dor insuportável. Era uma vida muito limitada. 

    FH: Que fatores aumentam as pontuações de risco?

    AG: Os principais fatores são: se já tem cirurgia prévia, se tem doença renal, se o coração á foi muito afetado por essa ou outras doenças (ou seja, no termo leigo, se o coração está fraco, já está dilatado), se é um paciente tabagista de longa data, se tem doença arterial periférica (ou seja, entupimento de vasos nas pernas e/ou braços. 

    É uma escala aritmética, a gente vai clicando e aí no final o software te dá a pontuação, que também pode variar com a idade. Mas depende muito do estilo de vida. 

    Uma vez indiquei um senhor de 100 anos para uma cirurgia dessas e ele saiu de lá muito bem. Mas, veja, ele era muito ativo (fez até flexões no hospital antes da cirurgia, já em jejum) e nunca fumou.

    FH: Mas pacientes idosos de fato correm riscos maiores, certo?

    AG: A idade, por si só, já é um fator para que a válvula aórtica vá se calcificando. E isso causa estenose aórtica, uma patologia que  também tem aumentado bastante. Porém, como deixo claro no livro, vários procedimentos se tornaram de menor complexidade com avanço da medicina. 

    Inclusive, agora dá para tratar com um implante percutâneo de uma nova prótese aórtica, que já está no rol de tratamentos da Anvisa. Não tem um corte no paciente, é tudo por punção. 

    FH: Como o paciente precisa se comportar no pré e no pós-operatório? Quais são as restrições e cuidados?

    AG: É necessário fazer alguns exames básicos para traçar o risco cirúrgico do paciente, como em qualquer outra cirurgia. 

    Quando o paciente é internado, precisamos ajustar as medicações. Após a cirurgia, tentamos reconciliar todas as medicações necessárias. É preciso ficar sob observação por 24 horas após a cirurgia, quando os riscos de arritmia, infarto, AVC e sangramento são maiores. 

    Mas quando chega no quarto,  já está bem melhor, consegue levantar, andar sozinho. Em mais de 95% dos casos, o paciente não apresenta sequelas. Em dois meses, esse paciente tem uma vida normal. Óbvio que terá de fazer acompanhamento médico, mas se já era hipertenso ou diabético, precisaria fazer de qualquer forma. Fora isso, leva uma vida normal. A maioria das restrições vêm de doenças anteriores – e não do procedimento cirúrgico.

    FH: Como funciona o Micra, o menor marca-passo do mundo?

    AG: É um micro-passo que a Beneficência Portuguesa foi pioneira em implantar. 

    O Micra é do tamanho de um grão de feijão e fornece informações via bluetooth para o computador do médico, que consegue acompanhar absolutamente tudo. 

    É uma intervenção bem menos agressiva do que a colocação de outros marca-passos, precisa apenas de um corte de centímetros abaixo da clavícula.

    FH: E quais são seus planos futuros? Pretende lançar mais um livro?

    AG: Tenho planos, sim, de continuar levando informação publicando outros livros. O próximo será mais técnico, para médicos, sobre cuidados de terapia intensiva, mas quero escrever para a população geral também. 

    Acho muito importante levar informação para além das quatros paredes do consultório, como estamos fazendo agora, com essa entrevista. 

    O que projeto é me manter respeitado, ser um médico confiável. A maioria dos meus pacientes vem de indicações de clínicos gerais que confiam no meu trabalho, que faço sempre respeitando os princípios aprendidos em casa, na faculdade e ao longo da vida.

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