• “Imagine um produto que controla microrganismos e pode estar em contato com leite ou com água sem fazer mal”, provoca CMO da Nanox

    Gustavo Simões e Daniel Minozzi, da Nanox
    Gustavo Simões (CEO) e Daniel Minozzi (CMO) lideram a Nanox e a Nanox Med. (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 13 set 2022

    Pioneira brasileira em nanomateriais na área de segurança microbiológica contra patógenos, a Nanox nasceu em 2004, em uma república de estudantes em São Carlos, interior do estado de São Paulo.

    Ela era o projeto de vida de três estudantes de química: Gustavo Simões, 42, – atual CEO da empresa –, Daniel Minozzi, 43, – hoje CMO – e André Luiz de Araújo, que se afastou da operação em 2011, mas permanece como acionista.

    A Nanox começou com um modelo de negócio de fornecimento para a indústria de transformação. Quer dizer, desenvolvendo e produzindo diferentes partículas – ativos antimicrobianos, bactericidas, fungicidas e virucidas – como matérias-primas que iam (e ainda hoje vão) em formulações de fabricantes de materiais de construção, produtos alimentícios e médicos, entre outros. 

    Quando você pensa em bactericidas, pode lhe vir à mente a tinta antimofo usada no teto de seu banheiro ou no quarto de um bebê. Em geral, as tintas fungicidas têm biocidas, um tipo de tecnologia volátil que vai pro meio ambiente e tem toxicidade alta. Não é disso que se trata a Nanox.

    O propósito dos fundadores foi desenhar uma tecnologia mais amena, menos tóxica e com uma capacidade de aplicação em diversos materiais. “Diferente da síntese orgânicas que são os biocidas – antibióticos e cadeias carbônicas que têm interação com moléculas – a gente faz o inorgânico. Então nosso produto tem a característica natural de um mineral”, esclarece Daniel. 

    A inclusão dos produtos da Nanox dá aos itens fabricados pelos clientes atividade antimicrobiana e antiviral em superfícies como pisos, MDF, vasilhames plásticos, plástico-filme, embalagem de papel, tecidos, couro, cuteleiras etc. 

    “Os produtos e superfícies têm suas características preservadas por mais tempo e além disso há benefícios para os usuários, ambientes e sistemas por facilidade de limpeza, assepsia e menor chances de contaminação cruzada”, lembra Gustavo. 

    Isso significa que máscaras faciais, roupa de cama, avental de enfermeiros, cabeceiras de camas hospitalares e móveis de consultórios podem ter em sua formulação um componente que protege contra transmissão de doenças. 

    De pesquisa científica a empresa S.A.

    A tecnologia proprietária da Nanox foi desenvolvida durante as pesquisas de mestrado dos sócios no Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais – CDMF da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). 

    Ela é capaz de inativar bactérias e vírus, inclusive o Sars-CoV-2 – causador da Covid-19 –, ao reorganizar a estrutura molecular das substâncias que são aplicadas. 

    “A gente compõe diferentes partículas. A nossa tecnologia se baseia na síntese desses materiais que são nanoestruturados para terem tamanhos e estruturas similares e, com isso, amplificar a funcionalidade e possibilitar que interajam com outros materiais”, explica Daniel.

    Hoje, a Nanox tem sete patentes e cerca de 50 produtos desenvolvidos, comercializados para 60 clientes, em 15 diferentes países. 

    Um dos motivos de orgulho dos sócios é que a Food Drug Administration (FDA), o equivalente norte-americano à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), reconheceu e aprovou a tecnologia da Nanox. 

    “Pelo que sei, somos a única empresa do hemisfério Sul que tem essa certificação de antimicrobiano pelo FDA. Nosso produto está homologado para contato direto com o alimento, inclusive, porque ele é de baixíssima toxicidade. Imagine ter um produto que controla microrganismos e pode estar em contato com leite in natura ou com água, que não vai fazer mal.”, comenta Daniel. 

    Lá atrás em 2004, o que disparou o radar dos então pesquisadores foi uma demanda da empresa brasileira de eletrodomésticos Multibrás. O trio enxergou uma oportunidade de empreendimento no segmento de materiais baseados em nanotecnologia, setor que contava com poucos produtos e pouquíssimas empresas no Brasil naquele momento.

    Para viabilizar esse primeiro projeto de desenvolvimento de filmes nanoestruturados para proteger superfícies metálicas, a Nanox conseguiu financiamento do programa PIPE-FAPESP , que apoia a execução de pesquisa científica e/ou tecnológica em micro, pequenas e médias empresas no Estado de São Paulo para promover a inovação e o desenvolvimento empresarial.

    Esse foi o primeiro de sete financiamentos que a Nanox levantou, mesmo em uma época em que o ecossistema de inovação e startups brasileiro não era organizado. “A gente pegou vários estágios de pioneirismo, desbravando uma trilha. Foi muito interessante. E esses agentes de inovação foram fundamentais para nós”, reconhece Daniel.

    O primeiro produto vendido pela Nanox foi um filme com nanopartículas de dióxido de titânio, aplicado nos filtros de ar de secadores de cabelo usados em salões de beleza, fabricados pela empresa brasileira Taiff.

    “Nos tornamos uma empresa química green label, porque trabalhamos com produtos sustentáveis, com síntese apenas com base de água, e todos os rejeitos são reutilizados. Trazemos estruturas químicas novas, diferentemente das indústrias químicas tradicionais, e fazemos síntese inorgânica”, conta Daniel.

    A oportunidade no mercado de saúde

    Gustavo lembra que a Nanox sempre esteve ligada à área da saúde. 

    “Desde o início prospectamos oportunidades de resolver problemas com nossa tecnologia. E o setor que mais demandava soluções à base de prata para eliminar bactéria era a saúde médica e odontológica”. 

    Em 2009, a Nanox fechou um contrato com a Dabi Atlante, empresa de equipamentos odontológicos, comprada pela Alliage, que lançou o conceito de consultório be safe, com vários equipamentos contendo partículas bactericidas.

    O CEO conta ainda que a área da saúde no Brasil tem poucas indústrias e que pelo fato de os produtos da Nanox serem necessariamente introduzidos na produção, a empresa teve dificuldade de replicar seu modelo de negócios na área médica. “Se você importa um equipamento e ele já vem acabado, não tem como adicionar os nossos produtos.” 

    Esse desafio de atuar no começo da cadeia, no fornecimento do material e dispondo essa tecnologia para diversos segmentos de mercado levou os sócios a fazer seu modelo de negócios evoluir.

    Para isso, passaram, então, a codesenvolver soluções para clientes com demandas específicas. “Por vezes é uma fábrica capaz de incorporar nosso produto diretamente. Outras vezes, esse interessado apresenta um fornecedor e aí fazemos um trabalho a três”, conta Gustavo. 

    “Normalmente, a aplicação do nosso produto em um cliente novo está ligada a algum processo de inovação. Com a incorporação da nossa tecnologia, o cliente quer ter algum diferencial, agregar uma função nova do produto dele ou lançar um produto novo”, complementa Daniel.

    Ao longo dos anos, vieram parceiros internacionais de vários segmentos, mas a saúde continuava a atrair os sócios. Os cases de aplicações indiretas na área médica, hospitalar e odontológica, a Nanox já tinha: tintas, vernizes, acabamentos de superfícies e até mesmo um estudo para saneante (produto usado na limpeza e conservação de ambientes). 

    Como indústria química regulada, eles poderiam continuar nesse ritmo, mas perceberam que na área de saúde as empresas não tinham produção local dos materiais e não conseguiriam aplicar os produtos Nanox. 

    Assim nasceu a Nanox Med, unidade fabril exclusiva, que trabalha com modelo diferente – o OEM, Fabricante Original do Equipamento. É como se a Nanox alugasse sua planta fabril para produzir um produto de qualidade, sob a marca de um parceiro.

    A Covid-19 provou que os sócios estavam certos

    O ano de 2020 escancarou a dependência brasileira do mercado externo para o fornecimento de insumos médicos. Porém, a Nanox Med veio antes…

    “As pessoas acham que abrimos a unidade por causa da demanda da área médica ocasionada pela pandemia. Mas isso foi planejado antes. E tínhamos razão sobre a falta de material. Nossa visão era correta e estratégica”, comenta Daniel. 

    Para produzir em território nacional a empresa montou uma sala limpa para manusear os materiais, como exige o Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF), classe quatro, da Anvisa – que exige controle de toda a cadeia de processamento.

    “A nossa unidade da área médica está mais ligada a produtos com contato humano direto. Por exemplo, cateteres, suturas, enxertos ósseos, aparelhos ortopédicos, odontológicos, ortodônticos, implantáveis e não implantáveis. Então, os órgãos regulatórios exigem um controle maior até por responsabilidade da aplicação do produto final”, completa Gustavo.

    Se a indústria local não tem esse tipo de registro para fabricar o produto médico de valor agregado alto, o modelo da Nanox prevê que a produção seja na planta da empresa e as estruturas de comercialização e logística sejam do parceiro. 

    Dessa forma, a Nanox habilita o mercado nacional a produzir equipamentos médicos com alta tecnologia e custo menor que o de importação. Nosso posicionamento foi justamente tentar alavancar uma aplicação nossa e trazer um benefício para o mercado médico e hospitalar”, resume Daniel. 

    Está em desenvolvimento na Nanox Med um produto para melhorar a integração óssea. Quando importado, ele custa US$ 1.200 por grama. Se produzido em São Carlos, poderá ser vendido a U$ 575 o grama, inclusive para o Sistema Único de Saúde (SUS).

    “Se você consegue criar um setor industrial que produz com custo competitivo e que têm o aval dos médicos, resolve-se o problema de acesso. Mas, obviamente, os médicos têm de estar convencidos de que o produto nacional é tão bom quanto o importado. Daí você muda completamente o setor”, reflete Gustavo.

    A planta fabril de Nanox Med deverá entrar em produção no começo de 2023.  Por ora, há cinco projetos da área médica em desenvolvimento. A ideia é validar os produtos, fazer estudos clínicos e ampliar o conhecimento junto com as empresas parceiras para fazer lançamentos coerentes e concisos.

    “Temos que enraizar a visão da inovação sistêmica no mercado médico brasileiro. Temos que ser mais colaborativos e mais transparentes, pensando no ponto final, que é o paciente”, finaliza Daniel.

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