• “O movimento atual da Medley é transformar-se em uma empresa de saúde, não só de medicamentos”, afirma diretora-geral da companhia

    Uma empresa inovadora tem espaço (e budget) para erros e investe em parcerias e novos modelos. É nisso que acredita Joana Adissi, que sabe que ocupar o cargo mais alto de uma companhia é uma grande responsabilidade – mas que seu olhar feminino ajuda a criar ambientes mais saudáveis.
    Jose Renato Junior | 7 dez 2020

    No começo de 2019, Joana Adissi, gerente de inovação da farmacêutica Medley, braço de genéricos da gigante francesa Sanofi, foi promovida ao cargo de diretora-geral da empresa. Aos 40 anos e filha de uma “feminista de carteirinha”, ela se tornou a primeira mulher a comandar a Medley. 

    Carioca, criada em Poços de Caldas (MG), Joana tem mais de duas décadas de experiência em multinacionais: já trabalhou com bebidas destiladas (Diageo), produtos alimentícios (Unilever) e de limpeza (Reckitt Benckiser). 

    Sob sua gestão, a Medley lançou recentemente uma campanha publicitária focada em mulheres na pandemia, principalmente as de classe C, fortemente impactadas. “A gente quis se posicionar”, explica ela. Com grande experiência em inovação, Joana acredita que isso deve ser fomentado todos os dias na empresa

    “A inovação, a inovação digital, a inovação em produto, é mandatória para a sustentabilidade da empresa e para manter seu crescimento”, afirma ela. “Esse pilar passa a ser um key enabler de sustentabilidade, para futuro e presente, para todo momento.”

    Confira a conversa de Joana com Future Health.

    A Medley lançou uma campanha nas redes sociais e na TV focada nas mulheres durante a pandemia. Qual foi a motivação? 
    Em julho, a Medley lançou a campanha “A pandemia tem gênero”, como reconhecimento às mulheres durante esse período tão conturbado que a gente está vivendo. Sabemos que as mulheres são 70% da linha de frente do combate à pandemia, são enfermeiras, médicas, fisioterapeutas… E 45 milhões de mulheres ficaram desempregadas, a violência doméstica aumentou drasticamente. Há um impacto direto, especialmente nas mulheres de classe C, então a gente quis se posicionar.

    Como a empresa lidou com a pandemia internamente?
    Nós, dentro da Sanofi, estamos sendo extremamente responsáveis nesse suporte. Estamos em lockdown desde 16 de março, foi uma definição global. Estamos acompanhando a evolução estado a estado para entender onde pode voltar, onde não dá para voltar, inclusive recuando em algumas situações em que os números começam a aumentar novamente. 

    Há também suporte de outras maneiras, como saúde mental, com terapia sem custo para o funcionário. 

    Há um acolhimento nesse novo momento, essa situação de estar com filhos em casa, família toda em casa, para entender que cada um está vivendo uma situação diferente, que precisa ser respeitada, de forma individual. 

    Empatia é uma das coisas que fazem bastante diferença nesse momento. 

    Uma outra definição foram as cadeiras que a gente forneceu para esses escritórios improvisados de home office, porque não era todo mundo que estava preparado. A gente vem em uma mudança toda cultural, para que as pessoas consigam trazer o seu melhor para dentro da companhia, trazer aquilo que incomoda de uma forma mais aberta, então estamos revendo toda uma cultura e os comportamentos que queremos construir.

    Ao mesmo tempo em que vivemos essa crise sem precedentes, vemos grupos barulhentos cada vez mais contrários a vacinas, negando avanços científicos da humanidade. Qual o papel de uma farmacêutica como a Medley, que faz genéricos, nessa conscientização, nesse retorno da confiança na ciência?
    O propósito da Medley é a democratização do acesso à saúde integral, que significa saúde física, mental e social. A gente tem esse olhar da saúde holística. Isso significa que a saúde não é mais doença e tratamento. A gente tem uma coisa maior que precisa ser olhada e unificada. O ser humano tem a saúde física mas também tem a mental e a social, que impactam a saúde física. Como que a gente consegue ter esse olhar maior? Aqui a gente une a parte da ciência, da qualidade, da eficácia, mas também com toda essa base de informação. 

    Nós temos uma plataforma, Pode Contar, que fala sobre depressão. 

    A gente traz assuntos, informações para nossos consumidores e pacientes, para ampliar essa visão, trazendo esse olhar que a saúde para você não é necessariamente como para mim. 

    Para mim, saúde pode ser fazer um treino de funcional; para você, sentar com um balde de pipoca assistindo uma série da Netflix. 

    Então como é que a gente tem esse olhar mais holístico de encarar a saúde como algo maior e como que a gente amplia esse repertório, para ajudar as pessoas também de uma maneira mais integral? É nisso que a gente acredita e é isso que a gente traz como mensagem, é nessa forma que a gente impacta com nossa marca em todos os nossos pontos de contato, todas as nossas comunicações. E aí a gente tem a [divisão de vacinas] Pasteur dentro da Sanofi, que faz toda essa conscientização da importância da vacina, na prevenção. A gente vem de forma bastante ativa fazendo isso, não só durante a pandemia.

    Apesar de ser uma farmacêutica, uma empresa que respira pesquisa e tecnologia, a Medley é uma grande empresa, que pertence a um conglomerado multinacional e centenário. Quais os maiores desafios de se trabalhar uma cultura de inovação nesse ambiente? Como se fomenta essa cultura de inovação?
    Eu acho que, hoje em dia, independentemente do tamanho da empresa e do tempo de atuação que ela tem, a inovação, a inovação digital, a inovação em produto, é mandatória para a sustentabilidade da empresa e para manter o crescimento. Então esse pilar passa a ser um key enabler de sustentabilidade, para futuro e presente, para todo momento. 

    A cultura de inovação tem que ser fomentada no dia a dia. 

    Ela aceita erro, tem um budget destinado a isso, sem ter a certeza, a garantia do sucesso. É uma empresa que estimula essa criatividade, que tem essa abertura para conversar sobre isso, fazer uma aceleração digital sem saber aonde vai chegar. 

    A Sanofi está com essa mudança de mindset de forma bastante acelerada, porque não tem retorno. 

    Com a pandemia isso só acelerou. Aqui é uma questão de sobrevivência. Como você se adapta a esses novos ambientes, com velocidade e tendo esse olhar amplificado? Porque não tem mais como sobreviver se a gente não tiver esse olhar. Então a gente continua muito focado em ciência, em tecnologia, mas também estamos ampliando esse olhar para aceleração digital, para inovações além de medicamento. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e a Sanofi está bastante inserida nesse novo contexto.

    Como é a relação entre a Medley e o ecossistema de inovação? Vi que a empresa tem mapeado startups para futuras parcerias, mas em que pé isso está? 
    Inovação e ecossistema é o caminho para onde estamos indo. Esse é o movimento do presente, a gente está se preparando para isso, como se transformar em uma empresa de saúde, não só uma empresa de medicamentos. 

    Como a gente amplia esse repertório, como democratiza o acesso, desde a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, de uma forma muito mais ampla, não só com produto, mas também com serviço? 

    É com esse olhar que a Medley está investindo em novas parcerias e testando novos modelos. Ainda é precoce que a gente traga algo nesse aspecto, mas estamos trabalhando com bastante velocidade, com essa intenção de fazer uma ampliação, de fazer parte da jornada completa do nosso consumidor, do nosso paciente. Desde a prevenção até o tratamento dessa forma mais integral e holística, trazendo medicamento em produtos, medicamentos em serviços, medicamento em forma de informações robustas e criteriosas.

    A Medley registrou aumento de faturamento nos últimos anos. Terminando um 2020 tão complicado para praticamente todo mundo, como você avalia este ano para a empresa?
    O ano de 2020 está sendo desafiador para todo mundo. Estamos nos últimos meses entendendo como é que vamos aterrissar no fim do ano. Um ponto importante é que o segmento de saúde é um dos menos voláteis quando temos qualquer crise econômica. Nos históricos que temos, o segmento de genéricos é sempre menos volátil, pelo contrário, ele é o que mais acelera, porque dentro de uma crise é natural que as pessoas migrem das marcas para os genéricos. 

    Então existe uma aceleração natural do segmento quando a gente entra numa crise econômica. 

    O maior desafio que tivemos esse ano foi o lockdown da Índia [o governo do país impôs quarentena em março]. A maioria dos ativos, não só de Medley mas dos genéricos que temos no mercado hoje, vem da Índia. As produções em sua maioria são locais, mas os ativos são importados, e a gente teve bastante dificuldade desde março na liberação desses ativos por causa do lockdown. Mas ele está sendo gerenciado, a gente ainda não teve nenhum problema de falta de medicamento no mercado.

    Como resultado da empresa, há conquistas bastante significativas em como a gente se posiciona como marca.

    Coloque aí todo nosso impacto social, trazendo essa responsabilidade como farmacêutica, como a gente tem um impacto social relevante em um momento tão crítico. Foram todas as campanhas que fizemos, parcerias com ONGs, todo o alerta da maneira que a gente pôde criar esse awareness das coisas que estão acontecendo e como é que a gente consegue se posicionar e ajudar as pessoas que estão precisando, principalmente dentro da causa estabelecida na Medley que são mulheres da classe C, que é uma população bastante vulnerável e bastante impactada.

    Que aprendizados em inovação você trouxe de outras empresas em que trabalhou e que pôde aplicar na Medley?
    Velocidade, aceitar o erro e saber que faz parte do processo fazer dez vezes para ter um acerto. Dos maiores aprendizados que trago das empresas anteriores, Diageo, Unilever e Reckitt Benckiser, principalmente, é velocidade e foco na inovação como um dos valores. 

    Empreendedorismo tem que ser um valor se a gente quiser sobreviver e quer ser sustentável no futuro. 

    A gente precisa investir em inovação e precisa ter esse olhar de que em dez tentativas vamos ter um acerto, de cem tentativas será só um acerto. Então velocidade é crucial, porque é melhor feito do que perfeito. Como é que a gente consegue não ficar ali discutindo, discutindo sem tomar decisão? Tomamos riscos, calculados, mas tomamos riscos, porque não conseguimos evoluir sem isso. 

    Um exemplo mais concreto é a revisão do processo de inovação dentro da Sanofi. 

    Você parte do paciente ou do consumidor para entender se isso tem relevância para ele, depois traz isso internamente em um processo que começa testando com base em cliente e paciente qual é a necessidade, se isso vira um projeto, como se faz esse projeto. Ter uma velocidade de evolução maior para você garantir que, desde o conceito até a execução, tudo seja mais rápido, mais concreto, sempre sendo consumer ou patient centered. E que isso não seja uma coisa de dentro pra fora, mas uma necessidade de fora pra dentro

    Você já disse em entrevistas que sua mãe é “feminista de carteirinha”. Hoje, você é a primeira mulher no cargo de diretora-geral. O que isso significa para você – e para a Medley?
    Minha mãe é um orgulho, uma referência enorme de toda história de vida dela e de como ela me trouxe esses exemplos de forma tão concreta. Para mim, [o cargo] é motivo de orgulho, uma mulher em uma liderança em uma farmacêutica, fazendo um P&L management [“profit and loss management”, ou gerenciamento de lucros e custos], gerenciando um P&L de quase R$ 1 bi, é uma responsabilidade enorme. 

    Mas eu fico muito feliz, muito honrada de fazer parte dessa história, conseguindo trazer meu lado feminino, que representa tantas de nós. 

    A gente tem esse olhar de ver a pessoa junto com o que deve ser entregue. Isso é o que eu mais me orgulho de fazer, como trago esse olhar conjunto para o mundo corporativo, que às vezes é tão duro, mas que a gente consegue mostrar que você pode ser as duas coisas. Você pode ter uma alta performance e ser uma pessoa voltada para pessoas, ter essa preocupação genuína de que está lidando com seres humanos e que a gente pode crescer juntos quando estamos engajados, motivados, que isso cria ambientes mais saudáveis, em que as pessoas se sentem confortáveis e abertas para serem o seu melhor.

    Pessoalmente, o que mudou para você ao ser promovida? De alguma forma, com as novas funções, você se distanciou do dia a dia dos times de inovação? 
    Acho que o que mudou depois da promoção, primeiro, foi o grande impacto de tentar entender como que a gente vira referência para as pessoas, principalmente as mulheres. 

    Eu sou uma mulher, casada, com filhos. Como consegui chegar lá, dar conta de tudo, de colocar isso tudo dentro da panelinha, gerenciar tudo ao mesmo tempo? 

    Senti a minha responsabilidade por ser uma referência, com as mulheres vindo falar comigo: “Puxa, você é uma inspiração para a gente, você mostra que isso é possível“. Não imaginava que seria um impacto tão grande. Tenho que trazer esse cuidado mesmo, como me comporto, como me coloco, o que eu falo, como eu falo. 

    Um segundo impacto é ter uma estrutura tão grande embaixo, um negócio de tanta relevância. 

    Você precisa rever estratégia, estar ali no dia a dia, ver a motivação das equipes. É bastante coisa pra cesta e a gente vai se desenvolvendo ao longo do caminho. Sempre fui uma pessoa muito aberta a aprender, então o novo me encanta, é o que mais me motiva. É sempre um desafio ter esse olhar, eu aprendo com meus times, aprendo com meus pais, com meu chefe. Eu estava em uma zona de conforto maior, estava com inovação havia bastante tempo, então esse novo olhar me deixa muito feliz e motivada. Me desafiar é muito bacana para mim, adoro estudar, adoro entender, aprender. Foi uma mudança bastante feliz. Essa ampliação de olhar me encanta.

    É inevitável ter um cotidiano mais “careta”?
    Teve uma frase que escutei logo no primeiro ano de Sanofi. Uma moça em um dos cursos que fiz estava falando que a gente sempre entra nas empresas como pepino e cenoura e no final tudo acaba em picles. Acho que eu nunca vou ser picles. 

    A gente tem um papel nesse mundo, transformá-lo de alguma maneira, deixá-lo melhor do que o encontramos. 

    A gente está sempre em evolução, sempre aprendendo, a gente precisa fazer de forma generosa, amorosa, gentil, mas precisa trazer as provocações para criar ambientes melhores, mais saudáveis, mais humanos. Isso no mundo corporativo ainda é um desafio. Espero que para as próximas gerações a gente tenha lugares mais saudáveis, mais felizes, onde as mulheres se sintam parte integrante, consigam colaborar, consigam contribuir, sem perder o lado feminino da história, que é o nosso grande diferencial. A gente agrega porque a gente tem esse olhar, mais sensível, mais colaborativo, mais respeitoso, isso a gente não pode perder. Não podemos ir endurecendo porque o ambiente é assim. Precisa conseguir se manter resiliente, firme, mas para trazer esse olhar mais doce, mais gentil.

    Há uma hora mais propícia para aquelas grandes ideias? De manhã, durante ou após a meditação? Como você trabalha isso?
    Cada um tem seu próprio relógio biológico. Eu acordo muito cedo para fazer meditação, acho que nesses momentos consigo silenciar um pouco a cabeça e trazer um pouco mais esses novos pensamentos, novas ideias. Eu tenho explorado muito as fases da Lua com as fases da menstruação, como a gente fica em cada uma. Sou muito intuitiva, acredito, respeito e trabalho muito minha intuição. A gente vai aprendendo novos caminhos, testando novas rotas, ouvindo novas coisas, fazendo novas meditações. Ideias podem vir a qualquer hora. Quando a gente está fazendo meditação, consegue dar espaço para o que de dentro quer vir para fora, quer sair. Esse é um momento importante para mim, quando tenho bastantes insights.

    Que lições para a vida e a carreira você traz de sua vida em Poços de Caldas?
    Poços de Caldas continua sendo minha casa. A casa dos meus pais ainda é minha casa. Cresci em um ambiente familiar robusto, tive uma infância superplena, brinquei muito, tinha bastante liberdade, ia para o clube, tinha meus amigos. 

    Meus pais sempre trataram a mim, minha irmã e meu irmão de forma muito igual. 

    Cresci nesse ambiente muito saudável, meus pais se respeitavam, minha mãe sempre trabalhou fora, ela foi atrás das coisas em que acreditava. Poços de Caldas é essa coisa de cidade de interior, tem o lado positivo porque você tem aquilo de estar em um lugar conhecido, as pessoas sabem quem você é, um ambiente mais protegido. Por outro lado, tem mais fofoca, que a gente vai aprendendo a lidar. Mas tenho grandes amigos, um carinho superespecial, uma cidade que nos acolheu desde sempre. A gente foi muito feliz lá, volto com bastante frequência. Isso faz parte da minha história, é uma parte bastante relevante e feliz dela.

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