• “A medicina do futuro vai ser o empoderamento do indivíduo”, defende o neurologista Mauricio Friedrich

    O neurologista Mauricio Friedrich
    Jose Renato Junior | 10 jan 2022

    Quando o neurologista e doutor em neurociência Mauricio Friedrich começou sua residência, há quase 30 anos, poucas doenças da especialidade que escolheu tinham tratamento. Caso, por exemplo, do AVC: a única coisa que havia a ser feita era tentar evitar que as lesões cerebrais se complicassem.

    O médico, no entanto, via na neurologia a chance de trabalhar com o paciente de forma completa, desde a prevenção até o tratamento de uma série de patologias e a reabilitação de possíveis sequelas.

    Defensor da ciência como pilar fundamental para o avanço da medicina, Mauricio trabalhou por 16 anos como pesquisador na área de AVC, doença de Alzheimer, esclerose múltipla e miastenia gravis no Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. 

    Por mais de uma década, liderou o Instituto de Medicina Vascular da mesma instituição da capital gaúcha. Entre 1996 e 2009 foi preceptor do serviço de neurologia e chefiou o programa de doenças neurovasculares do Hospital São Lucas da PUCR-RS. 

    Mauricio já atendeu mais de 25 mil pessoas e, apesar da lista de doenças neurológicas que chega ao seu consultório ser grande, sua rotina é enfrentar a metade dos “quatro cavaleiros do apocalipse”, como descreve as grandes ameaças atuais à saúde humana: câncer, infarto, AVC e demências.

    Hoje, se dedica ao que foi seu sonho desde que se tornou médico: atender pacientes. 

    Em conversa com Future Health, Mauricio falou sobre seu trabalho no tratamento de doenças sem cura, a importância de associar conhecimentos de diferentes áreas para o futuro da medicina e a irreversível democratização dos conhecimentos médicos. E também conta por que aboliu o açúcar de sua dieta há mais de 10 anos.

    A neurologia não é uma especialidade óbvia. O que chamou sua atenção para seguir por esse caminho?
    Eu gostava muito de medicina como um todo. E vi na neurologia uma possibilidade de estudar muitas doenças, porque é uma área extremamente ampla. Além de poder ter uma interação muito rica com sintomas dos pacientes, existe a possibilidade de um exame clínico muito completo. 

    Quando eu comecei a residência, em 1994, poucas doenças neurológicas tinham tratamento. 

    O acidente vascular cerebral não tinha nenhum tratamento, por exemplo. Os pacientes tinham um AVC, e exceto em alguns casos de hemorragia cerebral que iam para cirurgia, nós basicamente assistíamos e tentávamos impedir que as lesões cerebrais aumentassem ou se complicassem ainda mais. Só mais recentemente que o mundo das neurociências conseguiu melhorar drasticamente o tratamento dessa tragédia humana, uma doença que deixa sequelas e tem uma alta taxa de mortalidade. 

    Então eu via a neurologia de forma muito completa, uma especialidade em que se poderia juntar a prevenção, o tratamento de um grande espectro de doenças e a possibilidade de reabilitação de sequelas. 

    Sempre quis ter um conhecimento médico mais amplo. Por mais que hoje eu me dedique mais às demências, ao AVC, às doenças de Parkinson e outras doenças neurodegenerativas, sou um neurologista que gosta de atender a todas as doenças neurológicas – desde que me sinta capacitado a tratar esses pacientes, claro. Mas ainda mantenho aquele meu sonho de fazer o diagnóstico de todas as doenças envolvidas no rol da neurologia e tentar a melhor solução para cada paciente que me procura. Essa foi a motivação de fazer neurologia na época e agora, 30 anos depois, ainda me sinto realmente satisfeito e motivado com essa escolha.

    Doenças de Parkinson, Alzheimer e a AVC são as enfermidades que você mais atende?
    Certamente são as doenças que que eu mais entendo, que eu mais atendo e que eu mais gosto de atender. Porque é evidente que o médico tem a obrigação de atender a todas as pessoas que o procurem e tente endereçar o melhor tratamento e manejo possível. Mas as doenças que um médico mais gosta de tratar são, provavelmente, as que mais conhece, né? 

    Em geral, as pessoas vão ao médico em busca de soluções, querendo ser curadas. Mas as doenças que o senhor mais atende não têm cura. Como é trabalhar sabendo que os seus pacientes não necessariamente vão voltar a ter a vida que tinham antes?
    Conhecer as doenças é saber que existem inúmeros aspectos de manejo, com medicação ou sem medicação, com orientação e aconselhamento da família dos pacientes. Aspectos que podem modificar completamente a vida desse indivíduo. Nós nunca mais seremos os mesmos amanhã. As doenças infelizmente fazem parte de algum momento da nossa vida. 

    E tentar melhorar a qualidade de vida de uma pessoa que tem uma condição irreversível faz parte da medicina. 

    A medicina não foi pensada somente para curar, a medicina não é a arte de curar. Ela é a arte de dar sustento, de manter a vida das pessoas nas melhores condições possíveis. Então, se nós não podemos curar, seguramente nós podemos ajudar muitos pacientes a manterem a pulsão de vida deles, que já há tantos anos foi descrita pelo [médico criador da psicanálise Sigmund] Freud. 

    O filme “Para Sempre Alice” mostra o que o avanço do Alzheimer faz com a memória de uma mulher culta e ainda muito jovem, e os impactos disso na família dela. Isso deve ser algo corriqueiro no seu consultório. Como é o seu trabalho de preparação dos familiares e dos pacientes para essa transformação causada pelo esquecimento?
    É um excelente filme, muito real. A medicina está se encaminhando cada vez mais para uma medicina de precisão. Então, para que nós possamos orientar uma família de um paciente que está iniciando um quadro que pode levar a uma demência, à perda das capacidades cognitivas que vão levar embora sua autonomia e resultar na necessidade de cuidados permanentes, o primeiro passo é fazer um diagnóstico preciso daquela condição. 

    Existe muita desinformação, inclusive médica sobre as demências, sobre a doença de Alzheimer. 

    Praticamente todas essas doenças que levam à perda cognitiva são mais ou menos colocadas dentro do mesmo saco de gato relacionado ao envelhecimento. A partir do diagnóstico, você tem condições de modificar os hábitos de vida desses pacientes, de medicar esses pacientes. Você orienta a família, planeja o cuidado para modificar a evolução no futuro desse paciente. 

    É com muita orientação, com muita evidência científica médica que você pode levar uma boa qualidade de vida mesmo para o paciente de uma doença progressiva. 

    É preciso passar por um planejamento de cuidado, estabelecimento de rotina, planejamento de dieta, de atividade física, de finanças e do cuidado com a autobiografia, com a história dessa pessoa. Também é um planejamento para prevenção de acidentes domésticos, de cuidados com a integridade física – e tudo isso leva muito tempo. Hoje, a grande maioria dos médicos não tem tempo para desenvolver esse processo com as famílias e com os pacientes. Muitos até têm vontade, mas não têm tempo hábil.  

    É muito comum ouvirmos que, comparado a outros órgãos, ainda sabemos pouco sobre o funcionamento do cérebro. Isso ainda é verdade? Que avanços recentes estão mudando ou têm um grande potencial de mudar a neurologia?
    Essa lógica de que se tem pouco de conhecimento do cérebro não é mais verdadeira. Hoje temos um parque tecnológico de exames que nos permite saber muita coisa. Tomemos as demências como exemplo. A gente sabe que demência é uma via final, um diagnóstico final de uma doença que começou em uma fase silenciosa. 

    Se nós pegarmos a doença de Alzheimer, ela é um contínuo que começa provavelmente 20 anos antes dos primeiros sintomas.

    Ela começa com a alteração da proteína beta-amiloide, que modifica sua forma lipossolúvel para uma forma sólida e se deposita nas sinapses. A partir dessa decomposição começa todo um processo cascata, inflamatório e degenerativo que envolve a modificação de outras proteínas, uma proteína tau que é intracelular, e causa a neurodegeneração. Então quando você vê um paciente com perda de memória e perda de autonomia, é porque ele está na via final. 

    Evoluiu-se tanto que se tem condição de fazer um diagnóstico em fase assintomática, uma fase silenciosa da doença especialmente em pacientes marcados geneticamente. 

    No caso do filme “Para Sempre Alice”, ela tinha uma forma autossômica dominante, uma forma genética bastante rara da doença de Alzheimer. Em casos assim, já se pode fazer o diagnóstico genético nos filhos. Eu não poderia afirmar hoje, mas muito em breve nós vamos tratar pessoas antes dos primeiros sintomas. Já conseguimos fazer esse diagnóstico precoce. Ele ainda é caro e de difícil acesso pra maioria das pessoas no mundo. Mas já existe – e em breve poderá ser feito com uma gota de sangue.

    Que tipo de exame temos disponível de forma mais democratizada hoje? É a partir de sangue também?
    Não, é o PET Scan, também conhecido como PET-CT. Ele pode marcar as placas amiloides, pode marcar a proteína tau – já existe a possibilidade de marcar essas proteínas anormais que começam a cadeia de neurodegeneração. O diagnóstico precoce já está muito avançado. Em junho deste ano foi lançado, sob intensa crítica médica e não-médica, o primeiro medicamento que pode modificar a fisiopatogenia da doença de Alzheimer. Trata-se de um anticorpo monoclonal. 

    O medicamento é um anticorpo na terapia-alvo que vai agir sobre o alvo biológico, que, no caso, são as placas amiloides. 

    Esse anticorpo inativa e limpa do cérebro a maior parte dessas placas. Já é possível tratar pacientes com essa medicação, acontece que ela é extremamente inacessível pelo preço e sua eficácia ainda é um pouco discutível. De qualquer forma, ela não é a cura, mas uma forma de impedir o avanço. Essa medicação está abrindo as portas para que as terapias-alvo com anticorpos sejam a cura. Provavelmente nós vamos ter que tratar pacientes em fases cada vez mais precoces, antes que o processo já tenha sido desencadeado. 

    Você acha que estamos mais próximos da cura do Alzheimer ou de desenvolver um efetivo manual do proprietário do cérebro?
    Acho que nós estamos mais próximos da cura. A doença de Alzheimer vai acontecer sempre. Quanto mais velhos nós ficamos, maior a probabilidade de que nós possamos desenvolver uma doença do envelhecimento e que tenha a ver com os neurônios. Não acho que vai ter uma prevenção completa. Nós temos certeza que é possível prevenir o início da doença de um percentual grande de pacientes, com um controle dos fatores de risco e hábitos saudáveis que são conhecidos há muitos anos por prevenirem câncer, AVC, infarto e que também previnem a demência. 

    Não fumar, fazer atividade física, não beber em excesso, ter uma alimentação regrada. 

    A dieta mediterrânea deveria ser chamada de dieta humana, porque é seguramente a dieta mais estudada no mundo, capaz de prevenir demência, infarto, AVC. E nós insistimos na dieta ocidental, cheia de carboidratos, de gorduras ruins, gorduras poliinsaturadas que provocam inflamação no corpo levando a várias doenças, principalmente as que eu chamaria de “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, que são câncer, infarto, AVC e demências. Todos esses hábitos ruins levam a elas.

    Você está explicando que o diagnóstico precoce é uma das melhores maneiras de evitar o avanço de demências, de doenças neurológicas. Mas, no geral, ir ao neurologista não faz parte do check-up rotineiro das pessoas. Uma pessoa sem sintomas deve se consultar com um neurologista com que frequência? Você acha que esta é uma especialidade que deveria ser integrada à rotina de saúde?
    Hoje não temos motivos para justificar que se tenha que ir ao neurologista se não há sintomas. Isso é uma visão pessoal, mas acho que nós teríamos, sim, que empoderar os médicos, os clínicos gerais, os geriatras para que percebam precocemente qualquer sinal de mudança de padrão de normalidades e tentar um tratamento precoce, mudanças de hábitos precoces que, no mínimo, poderiam desacelerar a progressão de uma doença degenerativa. Um AVC pode ser muito melhor prevenido por um cardiologista, por um geriatra ou por um clínico geral, porque eles vão cuidar da pressão, do colesterol, da glicose, do índice de massa corporal… 

    Acredito que a prevenção pode ser melhor desenvolvida por médicos clínicos empoderados disso. 

    E o neurologista fica com a missão de impedir a progressão dessas doenças, de tratar efetivamente. Colocaria também um geneticista nessa equação. A medicina do futuro vai ser o empoderamento do indivíduo. A partir do seu código genético, a partir do seu exoma, as pessoas vão saber quais são as predisposições de doença que elas têm e impedir que grande parte dessas doenças se manifestem através de mudanças de hábito e através, eventualmente, de terapias gênicas que vão modificar os genes doentes. 

    O geneticista junto com o paciente vai impedir que muitas doenças aconteçam. 

    O paciente vai ter um monitoramento das suas condições vitais em tempo real. Através da inteligência artificial, ele vai saber como lidar com muita coisa e é possível que o médico tenha um papel muito mais na tomada de decisões, porque o diagnóstico virá junto com o paciente na consulta. Nós vamos ver nos próximos anos que a medicina vai mudar completamente através de uma medicina molecular, genética, com diagnósticos antes das doenças se estabelecerem. A inteligência artificial vai tomar conta de 80% da área médica, isso não tem mais volta.

    Isso tudo exige também que as pessoas estejam mais cientes das próprias condições, dos próprios marcadores de saúde.
    Com certeza. Eu faria um paralelo com a tipografia. Quando a tipografia foi inventada, o conhecimento saiu de dentro dos mosteiros, dos governos e dos palácios. Assim, os livros foram chegando primeiro para a burguesia, e depois para as populações menos favorecidas. A mesma coisa aconteceu com a medicina. Infelizmente, a medicina era completamente paternalista, todo o conhecimento estava centralizado no médico e isso seguramente atrasou o desenvolvimento científico. 

    Quando o conhecimento começou a ser disseminado envolvendo outras áreas, como a engenharia, a química, por exemplo, nós começamos a ter diversas novas descobertas. 

    E quando o conhecimento médico passou a ser disseminado pela internet aconteceu algo semelhante à tipografia. As pessoas estão se empoderando do conhecimento, elas sabem sobre as condições que estão sujeitas. E com isso elas podem fazer uma prevenção, um diagnóstico precoce e se tratar mais adequadamente, sem ficar apenas na mão dos médicos, o que é um erro.

    Mas para muitos profissionais essa visão ainda é bastante conveniente, não é?
    É uma pena, porque essa visão é fracassada e ultrapassada.  O médico vai apoiar a tomada de decisão, que tem que ser compartilhada com o paciente e sua família. Isso é a nova medicina. Não se aceita mais que o médico tenha tanto poder para decidir algo que pode inclusive levar à morte por um possível efeito colateral.

    As decisões precisam ser compartilhadas, a medicina precisa ser mais humanizada, os tempos de consulta precisam crescer e as relações de médicos e pacientes precisam voltar a ser relações longas.

    Com o aumento da confiança e do parque tecnológico, é possível que nós tenhamos uma medicina de alta confiabilidade e uma medicina de precisão. Em vez de os médicos terem atitudes paternalistas, terão atitudes fraternas com seus pacientes, e isso seguramente vai aumentar muito a sua confiabilidade.

    Muitas das condições que fazem parte da neurologia estão fortemente atreladas à psiquiatria. Como você vê essa correlação entre as duas áreas? Como elas podem se complementar mutuamente?
    Em vários países, a fronteira entre a neurologia e a psiquiatria não está definida. Existem vários psiquiatras, geriatras, neurologistas que são muito especializados em demências. A área de demências não precisa ser uma exclusividade de ninguém. Quem tem que atender é quem tem bastante experiência nisso, quem tem muito conhecimento, quem se envolve na assistência, se envolve cientificamente nessa área. Pode existir uma colaboração. Mas eu acredito que qualquer um desses três profissionais, desde que conheça todos os aspectos cognitivos e comportamentais da história natural das demências, tem condição de tratar essas patologias.

    Você já atendeu mais de 25 mil pessoas. É uma quantidade muito expressiva de pacientes, mais de 70% dos municípios brasileiros não têm essa população.
    Vou te contar um segredo, é muito mais que isso. Durante muitos anos, tive cargo de gestão na área de neurologia, fui chefia da Neurologia de hospitais. Eu fui o primeiro médico do Rio Grande do Sul a formar um centro de AVC e que dava trombolítico para os pacientes. Então trabalhei muito em hospitais, desenvolvi equipes de alta performance na neurologia, mas hoje consegui realizar o meu sonho e me dedico exclusivamente a atender as pessoas. Estou focado em ter soluções para as pessoas com doenças neurológicas no consultório em tempo integral. Quando eu sonhei em ser médico, queria só atender as pessoas – e isso demorou 20 anos para acontecer.

    Vinte e cinco mil pessoas são 25 mil histórias. Você poderia compartilhar algum caso que tenha te marcado muito?
    São histórias de 25 mil pacientes e de suas famílias, é realmente muita gente. Um dos casos que mais me marcou aconteceu logo que eu comecei a fazer a terapia trombolítica no Hospital São Lucas da PUC, em Porto Alegre. Na época, eu tinha uma equipe de residentes e, quando chegava alguém dentro das primeiras três horas de AVC, eu saía correndo de onde estivesse e ia para o hospital para tratar essa pessoa. Isso aconteceu dezenas e dezenas de vezes até que se conseguiu provar dentro do hospital que aquela terapêutica não era perigosa, que as vantagens eram muito grandes. 

    De 2002 a 2015, nós discutíamos em um board de médicos sobre as possibilidades de todos os pacientes que poderiam fazer um tratamento trombolítico. 

    Um dos primeiros pacientes a receber terapia trombolítica chegou ao hospital paralisado do lado esquerdo e quase em coma. Ele recebeu a terapia trombolítica e teve uma melhora dramática, o que acontece só de 20 a 30% dos casos: ele ficou fantástico. Nós esperávamos grandes gratidões, que ele ficasse maravilhado com a melhora. Para nós, aquela recuperação era uma mudança completa de paradigma. E esse paciente nunca agradeceu, nunca ficou grato – ele estava sempre brabo com a equipe. E eu fui tentar entender o motivo. 

    O que aconteceu foi que o tratamento fez com que ele perdesse a capacidade de se sensibilizar, de se emocionar pela música. 

    Essa sequela é extremamente rara e aconteceu porque parte da isquemia envolveu uma região atrelada à sensibilidade auditiva para a música. Esse paciente amava música e deixou de conseguir se emocionar com as músicas que ele gostava. A gente esperava que ele estivesse superfeliz por ter recuperado os movimentos e ele acusava a equipe por não ter salvo a parte mais importante da vida dele, que era a música.

    Parece os casos descritos nos livros do [cientista e neurologista inglês] Oliver Sacks.
    Exato. Mas nesses mais de 25 mil casos, houve inúmeros muito gratificantes. Conseguir recuperar pessoas extremamente depressivas a ter motivação para a vida de novo, conseguir fazer pacientes com Parkinson melhorar as suas funções motoras, ajudar pacientes com insônia a voltar a dormir, auxiliar pacientes com enxaqueca crônica a não terem mais dor de cabeça todos os dias, recuperar alguém que ficou com paralisia por um AVC… São todos exemplos que a neurologia mais recentemente conseguiu entregar para nós médicos. 

    Eu sou somente um instrumento da medicina. Nós médicos estamos aqui para aplicar os conhecimentos. 

    Minha filosofia é que eu preciso aplicar os melhores conhecimentos já existentes, a melhor evidência e o melhor tratamento disponível para alguém que tem esperança que você resolva um problema. O médico é um instrumento que aplica o conhecimento da medicina, que é milenar. É claro que os conhecimentos aumentaram, os tratamentos também. Mas nós somos só os meios para aplicar a grande ciência médica em benefício das pessoas. A medicina não pode ser vista só tecnicamente. Tem que ter uma grande fatia de humanismo, de entender que a pessoa não é só a sua doença. Isso é muito importante. 

    E você, como cuida do seu cérebro?
    Há muitos anos eu percebi que existiam alimentos que pioravam o meu humor e minha capacidade cognitiva, principalmente os carboidratos de alto índice glicêmicos. Eu tirei os doces da minha vida há mais de dez anos e acredito que são venenos que só alimentam a indústria. Doce não alimenta ninguém, e recomendo que meus pacientes não consumam carboidratos de alto índice glicêmico. 

    Além disso, me exercito de três a cinco vezes por semana, porque o melhor remédio para o cérebro é a atividade física, isso é comprovado cientificamente com altíssimos níveis de evidência. 

    Já existem evidências de prevenção de demência, de Parkinson, de AVC, de crise de enxaqueca com a prática de atividade física aeróbica no mínimo três vezes por semana. Também faço terapia há 15 anos para poder controlar as minhas emoções e entender o comportamento humano. É assim que eu consigo domar esse selvagem que é o cérebro.

    Que notícia você gostaria de ler sobre sua especialidade no jornal amanhã?
    Gostaria de ler que se conseguiu bloquear a progressão das proteinopatias que levam às degenerações cerebrais, porque é muito triste acompanhar as pessoas perdendo as suas autobiografias e arrancando as suas histórias pelas últimas páginas dos seus livros. Como já expliquei, não vai depender de mim – que sou um simples aplicador dos conhecimentos médicos. Vai depender de cientistas, biomédicos, químicos, físicos e engenheiros que pesquisam arduamente esses mecanismos todos os dias. É a partir dessa colaboração que vamos conseguir chegar à cura das doenças.

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