• “Até 15% dos casos de infertilidade não têm causa aparente”, afirma ginecologista e obstetra

    Carlos Moraes
    Carlos Moraes é ginecologista e obstetra pela Santa Casa (SP) e membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 10 ago 2022

    Estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 50 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser inférteis. No Brasil, esse número chega a cerca de 8 milhões. As causas da infertilidade são diversas e podem ser femininas, masculinas ou devido à associação de dificuldades entre os parceiros. 

    Atualmente, estima-se que cerca de 35% dos casos de infertilidade estão relacionados à mulher, cerca de 35% estão relacionados ao homem, 20% a ambos e 10% são provocados por causas desconhecidas, que podem estar associadas a aspectos emocionais.

    Para agravar o cenário, o mapeamento Ser Mulher: a saúde da mente delas, realizado em 2021 pela NOZ Pesquisa e Inteligência, em parceria com o Instituto Bem do Estar, mostra que cerca de 84% das mulheres estão excessivamente preocupadas, 65% estão sem ânimo para atividades e o sentimento de culpa excessiva é constante para 45%. Por fim, 80% das entrevistadas estão mais ansiosas, o que significa um grande obstáculo para comemorar o teste positivo. 

    Segundo o Dr. Carlos Moraes, ginecologista e obstetra pela Santa Casa (SP), membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e médico nos hospitais Albert Einstein, São Luiz e Pro Matre; a relação entre patologias somáticas e psíquicas vem sendo estudada há décadas e estão cada vez mais atreladas.

    Em conversa com FUTURE HEALTH, o especialista explica como o emocional pode ter um papel significativo na tentativa da gestação:

    FUTURE HEALTH: Que fatores podem impactar a fertilidade?

    CARLOS MORAES: Inúmeros são os fatores que podem alterá-la. 

    No entanto, 5% a 15% dos diagnósticos de infertilidade são denominados ‘infertilidade sem causa aparente’ (ISCA), em que não encontramos uma causa orgânica associada.

    No universo da psicologia, por muito tempo, alguns casos de infertilidade sem causa aparente foram associados a conflitos inconscientes em relação à gestação e à maternidade, principalmente, relacionados à figura materna e ao medo de reproduzir um modelo tido como ruim. 

    Considerando a interação corpo-psiquismo, supõe-se que a infertilidade tem causa combinada, onde o psíquico influencia o biológico, assim como o sofrimento do corpo influencia a mente.

    FH: Na prática, como o emocional interfere negativamente numa possível gestação?

    CM: Diversos estudos relatam que o estresse e a ansiedade podem alterar certas funções fisiológicas relacionadas à fertilidade, formando um ciclo vicioso que se retroalimenta, pois a infertilidade e seus tratamentos podem causar danos psicológicos ao casal.

    O núcleo arqueado, localizado no hipotálamo, é o principal local de produção do hormônio GnRH, essencial no funcionamento do eixo hipotálamo-hipofise- ovário, que induz a ovulação e, assim, o ciclo menstrual. O núcleo arqueado recebe vários circuitos neuronais do sistema límbico, responsável pelas emoções, que podem modificar a intensidade e a frequência dos pulsos de GnRH. 

    A alteração desses pulsos leva a inibição do eixo hormonal que estimula o ovário, explicando as várias formas de alterações menstruais observadas em mulheres submetidas a fortes impactos emocionais. 

    Na dependência da intensidade e duração desses estímulos, as mulheres podem, inclusive, desenvolver amenorreia hipotalâmica funcional ou anovulação crônica hipotalâmica.

    Outros estudos observaram que estressores físicos ou emocionais atuam sobre o hipotálamo, alterando a secreção de fatores liberadores ou inibidores de hormônios hipofisários. Em estudo realizado em 2011, com mulheres que estavam começando a tentar engravidar, utilizou-se os biomarcadores cortisol e alfa-amilase salivar como medida de estresse dessas mulheres, que foram acompanhadas por um período de 12 meses. 

    O resultado revelou que mulheres que apresentaram níveis de estresse elevados reduziram sua fecundidade em 29% em comparação com o grupo de mulheres com menor nível de estresse – além de apresentarem duas vezes mais riscos de infertilidade. 

    FH: Homens com ansiedade também podem comprometer a gravidez?

    CM: Nos homens, foram encontrados prejuízos na fertilidade em função da ansiedade, uma vez que níveis mais altos de ansiedade e estresse podem mudar a função testicular por alteração na produção de testosterona e pelo diminuição no volume seminal e na contagem, concentração e motilidade dos espermatozoides. 

    Outro efeito nocivo do estresse é a queda no desejo sexual (libido) e alterações na ereção, diminuindo o número de relações sexuais do casal.

    FH: Neste contexto, há tratamentos específicos?

    CM: Em relação à fertilização in vitro (FIV), que é um dos principais tratamentos para a infertilidade, a literatura revela que a ansiedade, e também a depressão, não estão relacionadas a resultados negativos no tratamento. No entanto, observou-se que tratamentos mal-sucedidos podem ocasionar ansiedade e depressão.

    Diversos pesquisadores da área utilizaram anteriormente o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) para avaliar como a ansiedade poderia influenciar o eixo hipotálamo-hipófise-ovário. 

    As avaliações apontam que quanto maior o grau de ansiedade avaliado por esse método subjetivo, menor a chance de gravidez em mulheres submetidas à inseminação artificial. 

    Ou seja, a influência dos estados psicológicos sobre a função reprodutiva apresenta um perfil multifatorial, sendo difícil determinar relações lineares de causa e efeito. Além disso, as alterações hormonais ao estresse dependem do grau de ansiedade do indivíduo, sendo observadas respostas hormonais mais intensas quando há maior grau de ansiedade. 

    Entretanto, saber que há diversos tratamentos para infertilidade pode diminuir a ansiedade, melhorando as perspectivas em relação à concepção. Vale lembrar que o trabalho psicológico deve sempre ser orientado, buscando ajudar os pacientes a enfrentarem todo esse processo.

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