• Imunização nasal: saiba tudo sobre a vacina em spray contra a Covid-19

    O professor Edecio Cunha Neto é um dos pesquisadores da vacina em spray
    Jose Renato Junior | 11 maio 2022

    A pandemia de Covid-19 parece enfim começar a arrefecer. Com a queda dos índices de infecção e de mortes, as imposições feitas durante o período de lockdown também caem. 

    Não há mais horário obrigatório de fechamento de comércio nem lotação máxima para eventos e, para alguns casos específicos, não há nem mesmo a obrigatoriedade do uso de máscara.

    Isso se deve, principalmente, ao avanço da vacinação no país. Conhecido por sua cultura vacinal, o Brasil figura entre as nações com maior índice de pessoas que receberam a imunização. 

    Segundo o Our World in Data, já receberam a primeira dose ao menos 85% da população, mais de 76% foram vacinadas com as duas doses e quase 40% da população total estão com a dose de reforço. Lembrando que é preciso mais de 70% da população vacinada para que o país seja considerado seguro.

    Apesar do sucesso, a ciência já sabe que será preciso reaplicar novas doses todos os anos. Isso porque o coronavírus, ao que tudo indica, é um vírus que veio para ficar, e pode sofrer constantes mutações como o da gripe. 

    Portanto, novas pesquisas para a modernização dessa vacina não diminuíram diante da melhora dos casos. Dentre as propostas, uma tem ganhado destaque: a vacinação em spray.

    UMA VACINA QUE ENTRA PELO NARIZ

    A proposta, já apresentada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tem como objetivo ser mais uma das ferramentas disponíveis para o combate à Covid-19. 

    “Apresentamos alguns aspectos bastante inovadores, porque essa era uma vacina capaz de induzir respostas fortes de anticorpos e respostas imunes celulares capazes de proteger contra diversas variantes”, explica Edecio Cunha Neto, um dos envolvidos no projeto. 

    “Além disso, ela é administrada de forma nasal, como um reforço em pessoas que já tivessem tido vacinações anteriores com vacinas já licenciadas. Ou seja, muito prática”, afirma Edecio, que é professor de Imunologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do InCor (Instituto do Coração).

    O imunizante está sendo concebido a muitas mãos: fazem parte do projeto pesquisadores de imunologia do InCor, do departamento de Parasitologia e de Farmácia da USP, do laboratório de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e até alguns pesquisadores Instituto Butantan.

    Toda essa turma está desde 2020 debruçada sobre esse estudo, que recebe também suporte do Ministério da Ciência e Tecnologia e aporte financeiro privado da JBS. 

    “É um desafio trabalhar com um grupo grande em instituições diferentes. Desde o início de 2020, nós instituímos duas reuniões semanais. Desse jeito, a gente consegue programar os experimentos e discutir os resultados”, ele diz, sobre a organização dos trabalhos. 

    “O grupo se manteve coeso nesse tempo todo e as coisas só andaram porque esse método de trabalho funcionou. São pesquisadores de imunologia à farmácia, e todos os laboratórios têm alguma conexão com pesquisas em vacinas”, continua. 

    “São profissionais médicos, biomédicos, farmacêuticos, biólogos e enfermeiros – estes, trabalham na coleta de sangue dos pacientes convalescentes. Ao total, são sete pesquisadores e 25 alunos pós-graduandos e técnicos”, descreve.

    VANTAGEM EXTRA DA ADMINISTRAÇÃO NASAL

    Ainda sobre a questão sobre ser nasal, há uma vantagem que vai além da praticidade: ela gera uma resposta imune na mucosa nasal, que é justamente por onde começa a infecção imune. 

    “As vacinas injetáveis dão proteção para doença sintomática ou grave, mas elas não impedem que haja replicação do vírus nessa mucosa, e essa replicação que faz a pessoa transmitir para outras”, explica o especialista. 

    “Elas são boas para proteger as pessoas de doenças mais graves, pois evitam a replicação dentro do corpo da pessoa e detêm a evolução clínica do paciente, mas não controlam a transmissão da doença.” 

    Os resultados, até então testados somente em camundongos, são promissores e mostram que a vacina em spray é capaz de produzir uma imunidade local, tanto na região nasal e na saliva quanto na secreção do pulmão. 

    Para metrificar isso, é preciso dosar os anticorpos chamados de IGA, ou seja, aqueles que persistem e realmente ficam no organismo, mesmo depois de uma infecção.

    “Foi bastante difícil e estamos conseguindo resolver só agora o problema de fazer com que os epítopos [fragmentos de uma proteína, no caso do vírus, que são reconhecidos por linfócitos T] estivessem presentes na vacina. Para montarmos ela com a parte que gerava linfócitos neutralizantes foi fácil”, explica.

    VACINA DEVE ESTAR DISPONÍVEL ANO QUE VEM

    Apesar de já apresentada previamente à Anvisa, a vacina deve estar disponível para o público somente em 2023. É preciso ainda submeter os testes clínicos em pacientes humanos e afinar ainda mais a tecnologia, que difere bastante das vacinas de RNA que já conhecemos. 

    Mas Edécio garante que os aprendizados somados já são muitos, não só por causa da pesquisa, mas de sua vivência enquanto médico na pandemia. 

    “Acredito que na pandemia retomamos muito conhecimento básico de como funcionava a imunidade protetora contra vírus respiratórios, que têm várias formas de subverter a resposta imune”, conta. 

    “Um achado realmente revolucionário foram as vacinas de primeira geração em um espaço de tempo muito curto. As experiências de lockdown foram muito importantes, além dos hábitos de higiene e máscara, que deveriam ficar mesmo depois”, diz. 

    Apesar de as pesquisas nunca terem cessado, Edecio, assim como qualquer outra pessoa, também teve suas relações afetadas – e sua liberdade temporariamente cerceada. 

    Mas para ele, o pior momento pessoal foi ver a descredibilidade da ciência por parte da população e por líderes importantes da nação. 

    “O fato de a vacinação ter sido protelada nos atingiu como pesquisadores de forma muito forte, porque nós sabíamos que existiam ferramentas para começar a proteção ainda em 2020 e essas questões foram negligenciadas”, ele relembra. 

    “Acabou que a vacinação começou só em janeiro de 2021 e com a Coronavac, que é ótima, mas não era a vacina mais apropriada para idosos, por exemplo – justamente o primeiro grupo a receber a vacina”, diz. 

    “Então essa época foi muito difícil, gerou ansiedade e muito incômodo na comunidade de pessoas que trabalham com doenças imunológicas e infecções.”

    A expectativa da ciência é que a vacinação contra o vírus Sars-CoV-2 se torne periódica como qualquer outra. 

    “Acho que a Covid vai continuar existindo porque a própria natureza da infecção por vírus respiratórios é de reinfecções e de uma imunidade que dura pouco tempo”, diz. 

    “Então, se para gripe a gente tem que se vacinar todo ano por causa das variações, provavelmente com a Covid vamos ter que fazer a mesma coisa: receber um reforço da variante que está circulando no momento.”

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