• Como a healthtech Serena quer transformar a saúde das pessoas com a abordagem da Medicina do Estilo de Vida

    A administradora Giovanna Zattar e a economista Tuly Iavorsky, cofundadoras da Serena
    Jose Renato Junior | 11 abr 2022

    Existem novas correntes da medicina que já atuam sob um olhar diferente para a saúde, em que o bem-estar físico não é o único fator a ser considerado. 

    Os aspectos mental, emocional, social e espiritual são avaliados, sem nunca deixar de lado as evidências científicas. Um termo em inglês, bastante usado para definir esse tipo de abordagem, é whole body medicine – ou olhar o corpo por inteiro.

    Nesse novo paradigma, o paciente assume um papel de protagonista do próprio tratamento e, além de combater doenças instaladas, a prevenção por meio de posturas educativas e mudanças de hábitos são partes importantes dos protocolos adotados. 

    Passou a ser comum, neste cenário, a atuação do health coach, ou conselheiro de saúde. Este tipo de profissional foca em práticas de autocuidado e ensina o paciente a cuidar melhor da saúde, de acordo com as possibilidades e disposição individuais de cada pessoa. 

    Até seis meses atrás, o ecossistema brasileiro de startups de saúde ainda não tinha uma representante dessa visão. Agora isso mudou.

    A Serena é uma healthtech que usa telemedicina e criou um método para ofertar atendimento humanizado em Medicina do Estilo de Vida – MEV. 

    Ele mescla consultas médicas e health coaching, ao mesmo tempo em que usa a tecnologia para realizar anamnese inicial, diagnóstico personalizado e acompanhamento de indicadores ao longo da jornada do paciente, que entra para um clube de assinatura. 

    A MEV é uma prática clínica multiprofissional, que visa promoção e manutenção de hábitos de vida saudáveis em seis pilares: qualidade do sono, gerenciamento de estresse, saúde emocional, atividade física, controle de tóxicos e alimentação.

    O objetivo é reduzir doenças crônicas não-transmissíveis, principalmente doenças cardiovasculares, diabetes, doença pulmonar crônica e diferentes tipos de câncer. 

    A DOR MAIS DOLORIDA É A QUE DÓI NO MOMENTO

    Assim como o método de cuidado proposto pela healthtech, a composição da empresa une conhecimentos de negócio, o conceito de lean startup, a medicina e um investimento pré-seed de R$ 3 milhões de um pool de investidores-anjos. 

    As fundadoras – a administradora Giovanna Zattar e a economista Tuly Iavorsky – são catarinenses, nascidas em Joinville. 

    Elas se conheceram em junho de 2018, em São Paulo, quando trabalhavam na Endeavor, onde beberam na fonte do mindset empreendedor per se. Imediatamente, aproximaram-se ao reconhecer a origem comum. 

    A empatia foi enorme: “No primeiro almoço que tivemos, rolou uma conexão muito forte e já falamos que um dia a gente ia empreender juntas. Um ano e pouco depois, iniciamos conversas mais sérias para o projeto, qual seria o mercado de interesse das duas”, conta Tuly, COO da Serena.

    O primeiro passo foi dado pela dupla ainda como amigas: elas passaram a cuidar do próprio estilo de vida em conjunto, porque ambas passavam por uma fase de estresse crônico. 

    Iam juntas ao Parque Ibirapuera, cuidavam da alimentação, procuravam alternativas para lidar com a ansiedade e fugir do burnout, definido pelas empreendedoras como “uma exaustão sistêmica – quando a fadiga é maior que o bem-estar – acompanhada de uma inflamação que acontece no corpo todo”.

    Giovanna, CEO da healthtech, nunca foi diagnosticada com burnout, mas procurou variadas terapias e passou por diferentes médicos no fim de 2019 – as opiniões, no entanto, eram muitas e o resultado, pífio.

    “Depois de dois meses, cheguei organicamente à MEV, que é, acima de tudo, o empoderamento da pessoa com a própria saúde. O médico sempre vai diagnosticar, falar o que você precisa fazer e vai passar a prescrição”, diz ela. 

    “Mas nada como a sua ação. Percebi que, se não fosse de dentro pra fora, as coisas não iam mudar.”

    Seria fácil atribuir o encantamento de Giovanna com a MEV à ingenuidade de quem não tem formação em saúde. Porém, ela respira medicina desde o berço. Toda a família da executiva é de médicos – dos bisavôs, tios e pais até a irmã gêmea. 

    Já Tuly, que teve passagens profissionais pelo mercado financeiro, imobiliário e consultoria estratégica, sofria, além de estresse, com a insegurança de achar a melhor abordagem terapêutica para a irmã, portadora de uma doença autoimune. 

    “Quando se fala nesse tipo de doença, é muito importante se olhar pra saúde como um todo e para o equilíbrio do estilo de vida. Tem que estar tudo muito organizado – sono, alimentação, atividade física – e a gente teve muita dificuldade. Foi um processo muito cansativo.”

    ESTILO DE VIDA: CAUSADOR DA DOENÇA, PREVENÇÃO OU CURA

    No início de 2020, ambas as fundadoras já tinham se desligado da Endeavor e Giovanna decidiu viajar para a Califórnia, berço da MEV, para se aprofundar e estudar as soluções que já existiam no mercado americano.

    Chegaram a cogitar empreender algo focado em saúde mental, mas concluíram que a MEV era a abordagem mais completa e, ao mesmo tempo, simples para se alcançar o bem-estar. 

    Se conseguissem modelar um negócio com consultas médicas, em que um health coach estivesse presente e depois acompanhasse o tratamento, o resultado poderia ser interessante.

    No início, a dupla estava muito apaixonada pelo problema e pelo momento eureca. Giovanna lembra: “A primeira coisa que nos encantou na MEV foi a proposta do médico que vem pra ensinar, para ser um peer, um suporte que te ajuda a entender a causa-raiz”, diz. 

    “É o cuidado contínuo e 100% baseado na ciência, uma vez que estudos mostram que o estilo de vida pode ser o causador da doença, a prevenção ou a cura.”

    Durante o período de quarentena na pandemia de Covid-19, os estudos para o modelo de negócio da Serena continuaram. 

    O conceito era ter um algoritmo próprio que fizesse a anamnese inicial com base nos seis pilares da MEV e também a criação de um data lake (repositório de dados) que possibilitasse à startup desenvolver uma health wallet. 

    Essa carteira é uma “conta” que centraliza as informações de saúde do paciente e une funções de prontuário eletrônico com inputs do health coach e da própria pessoa, além de trazer resultados de exames, anotações de consultas, plano de tratamento, prescrições e respostas aos questionários do tracking de evolução do paciente. 

    “No futuro, a ideia é a gente trazer IA para capturar dados passivos comportamentais dos usuários por meio de devices de IoT, aplicativos e, claro, o próprio celular”, explica Tuly. 

    “A Health Wallet vai ser esse organismo vivo para o entendimento de informação, com base nas mudanças comportamentais.”

    PRIMEIRO A MUDANÇA DE CONSCIÊNCIA. DEPOIS, A COMPORTAMENTAL

    Sozinhas, as duas empreendedoras conseguiram formatar uma visão inovadora para a abordagem da MEV. Porém, faltava a legitimidade, o lugar de fala da medicina. 

    Isso viria com um parceiro médico. Giovanna e Tuly, decidiram, então, se aproximar do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida – CBMEV, instituição que representa o Lifestyle Medicine no país.

    Ali, encontraram os ouvidos atentos e o interesse da geriatra Silvia Lagrotta, atual diretora-presidente do CBMEV e uma das sete pessoas que fundaram o colégio. 

    O casamento de propósito e ideais de gerar impacto na saúde aconteceu naturalmente. Tanto que, desde outubro de 2021, Silvia é sócia e a diretora médica da Serena.

    “A formação em business fez a gente entender que estratégico, tático e operacional têm que ser aplicados para tudo na vida. Então, o médico é a estratégia e a health coach é o tático-operacional junto com o paciente”, resume Giovanna.

    A função da health coach é entender, junto com o membro Serena, por onde começar. A meta é trabalhar o que está mais latente naquele momento ou o que o paciente tenha mais facilidade de atacar – e nunca os seis pilares ao mesmo tempo. 

    “Tem um racional pra gente trabalhar esse flow e para a pessoa se sentir valorizada também, para ela sentir que está conseguindo. Porque, no fim, é isso que vai fazer ela atingir os objetivos dela”, diz Giovanna. 

    Há casos em que o médico Serena avalia que o membro precisa de um especialista para fazer parte da equipe médica. A startup então oferta uma seleção de profissionais que passaram pela curadoria da equipe e estão em sintonia com a MEV. 

    “A gente indica o especialista Serena, porque ele tem acesso a toda informação do paciente. Assim, o membro não precisa partir do zero sobre a sua patologia, sobre o que está acontecendo com ele”, diz Tuly.

    SERVIÇOS PRESTADOS A PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS

    A ideia da empreitada nasceu em 2020, início da pandemia de coronavírus. Para o mercado, a empresa se apresentou no segundo semestre do ano passado, após um período de quase um ano de soft launch, ou, como se diz no mercado de startups, validação do MVP (mínimo produto viável) com 100 clientes. 

    Hoje, os serviços da Serena podem ser contratados por uma pessoa física ou por uma empresa, que vai estendê-los a seus colaboradores. 

    No caso do B2C, o modelo é ter uma jornada de 12 meses com atendimento de médico Serena com formação em MEV (4 pontos de contato em um ano) e acompanhamento de health coach (6 pontos de contato em um ano) por uma mensalidade R$ 99, no plano mais básico. 

    Há planos, por valores mais altos e que vão subindo conforme o que ofertam, que incluem também atendimento de especialistas como nutricionista , psicólogo e personal trainer.

    Porém, a grande veia de crescimento da Serena é o B2B, uma maneira da healthtech chegar a um número maior de pessoas e ganhar escala. “Mesmo entrando pela empresa, a gente vai atender os membros. Estamos ali para transformar a saúde da pessoa”, emenda Giovanna. 

    O produto B2B já roda em alguns clientes e é composto por onboarding e mais três fases. No onboarding acontece o diagnóstico inicial. 

    “A gente senta com o RH da empresa para entender histórico, o que eles têm de métricas – absenteísmo, turn over por causa da saúde –, o que eles já mapearam e o que os colaboradores já demonstraram querer.”

    A primeira fase é chamada de Screening Populacional – escaneamento da saúde individual e populacional em todos os pilares da MED, feito com um algoritmo proprietário para entender a empresa e propor um plano de ação. 

    A segunda fase, após o onboarding, prevê uma imersão e diagnóstico. Chamada de Jornada do RH, baseia-se nos resultados consolidados do screening e pensa ações educativas e de transformação cultural para os colaboradores. 

    Por seguir a LGPD, a empresa só tem acesso ao health score da saúde populacional, nunca individual do colaborador. Por fim, tem-se a Jornada Personalizada do Colaborador – equivale ao produto B2C.

    Vale ressaltar que, diferentemente de um marketplace que provê a conexão de um paciente com um psicólogo, por exemplo, a personalização da jornada do membro Serena acontece em um conjunto de coisas, não só no serviço prestado – a consulta feita. 

    Inclui a coleta e o repasse de dados em tempo real, a anamnese digital e toda a experiência promovida ao longo do tempo.

    Tuly faz questão de dizer que o feedback recebido das empresas tem sido excelente. “A gente traz uma atenção de identificação do diagnóstico e personalização da jornada com a saúde completa e contínua. As empresas têm visto isso como um cuidado a mais com o seu colaborador.”

    Para a Serena, a abordagem da Medicina do Estilo de Vida e o que ela se propôs a fazer é o melhor caminho para tratar questões de saúde mental, especialmente porque o burnout virou uma doença ocupacional.

    “Nosso grande diferencial é que a gente também olha para diabetes, sedentarismo, sobrepeso”, diz Giovanna. 

    “Quando você pratica atividade física, sua mente fala obrigado, os teus hormônios falam obrigado, o teu humor agradece, a tua/teu parceira/o agradece porque você se tornou uma pessoa melhor. O impacto é sempre um efeito multiplicador, e nunca no sintoma.”

    Confira Também: