• Grupo RPH: como um estudante de farmácia revolucionou o mercado com elementos radioativos

    Startup do empreendedor Rafael Medke, que hoje vale R$ 100 milhões, atua em várias pontas da cadeia de medicina nuclear: diagnósticos, medicamentos e transporte de materiais radioativos
    Jose Renato Junior | 13 out 2020

    O universo da radiofarmácia no Brasil vai bem, obrigado – e o Grupo RPH tem grande responsabilidade nisso. A utilização de radiação para criar exames de imagem muito mais funcionais é uma demanda que corre o país de norte a sul, de leste a oeste. 

    Quem vê o negócio – que, ao receber investimento do Fundo Criatec após valuation de R$ 1,5 milhão, teve sua parte comprada anos mais tarde por R$ 18 milhões – não faz ideia que tudo começou em um campus de universidade. Ou, mais especificamente, no Departamento de Bioquímica da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), na parte de estudos da memória. 

    Hoje empreendedor de sucesso, Rafael Madke era, em meados dos anos 1990, um estudante de farmácia que fazia trabalhos no laboratório com modelos animais.

    “Em um projeto de pesquisa, tínhamos que introduzir elementos radioativos nos cérebros de ratos, o trítio. Minha orientadora sugeriu que eu fizesse uma disciplina opcional, chamada metodologia de radioisótopos – isso para nos capacitar a manipular fontes radioativas, uma habilidade necessária naquele projeto”, conta. 

    Cursando a matéria, Rafael conheceu Eloy Julius Garcia, que foi um dos profissionais mais qualificados na biofísica do país e representou por muitos anos o Brasil na Agência Internacional de Energia Atômica. “Foi graças ao professor, hoje já morto, que conheci a radiofarmácia – base para tudo que é feito hoje na startup, que opera com técnicas de medicina nuclear”, relembra. 

    E o que acontece, na prática, quando se conectam esses dois universos?

    A radiofarmácia é um ramo da farmácia que atende às demandas do serviço de medicina nuclear por meio de diagnósticos por imagem ou de medicamentos radioativos.

    No que diz respeito ao diagnóstico, a radiofarmácia prepara os materiais que vão ser injetados na veia do paciente e permitem a visualização de tumores ou de fraturas, por exemplo, feita por equipamentos de imagem. No caso de medicamentos, eles emitem uma radiação forte e eficiente para provocar, por exemplo, a morte das células doentes num paciente com câncer.

    Todos os grandes hospitais do Brasil têm um serviço de medicina nuclear e realizam, diariamente, procedimentos do tipo. Rafael direcionou seu trabalho de conclusão de curso para a radiofarmácia, testando radiofármaco em modelo animais, em 1996 – uma época em que o país não contava com mais do que cinco farmacêuticos no ramo, ainda que mais de 400 serviços de medicina nuclear existissem aqui na época. O cenário era, portanto, de muita demanda, poucos especialistas e um interesse imenso na área. 

    DE ESTAGIÁRIO A SÓCIO DE UM NOVO NEGÓCIO

    Após a formação de Rafael, o professor Eloy Garcia ligou para o chefe da Medicina Nuclear do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e não titubeou: “Estou com um recém-formado aqui que tem interesse de investir na área de radiofarmácia”, ele disse. 

    A parceria, que teve início com Rafael desempenhando o papel de estagiário, evoluiu, e Osvaldo Estrela Anselmi passou de mentor para parceiro, conforme Rafael otimizava processos e diminuía custos através de um novo processo de gestão em radiofarmácia. 

    “Depois disso, o doutor Estrela me chamou para montar uma estrutura de medicina nuclear da Santa Casa de Porto Alegre, que é um dos maiores serviços do Brasil, e então comecei a conhecer o outro lado da moeda: a parte de engenharia, projeto arquitetônico e de orçamento – e isso me rendeu uma curva de aprendizado incrível”, diz, relembrando a época de 1999. 

    Na mesma época, o governo federal atuava de uma maneira forte na produção e venda de radiofármacos. “Os preços eram baixos e, nessa época, vários medicamentos que eu preparava eram importados – com a entrada do governo federal nesse segmento, as multinacionais viram que não havia viabilidade econômica para atuar no Brasil”, explica. 

    A solução? Abrir a primeira empresa privada brasileira que fabricaria radiofármacos, ao lado de Osvaldo Estrela Anselmi.

    Em 2004, ambos entraram no Tecnopuc (Parque Científico e Tecnológico da PUC-RS, que conta com empresas como Dell, Microsoft, HP Ubisoft e outras) e, em 2006, finalizaram a construção da planta privada de fabricação de kits para medicina nuclear. 

    Entre inovações tecnológicas, bons investimentos e um entendimento cada vez melhor em gestão de negócios, a empresa cresceu e começou a dominar o mercado. Mas o mercado internacional seguia se revolucionando. 

    “Eu pensava: se não tiver inovação, daqui a cinco anos estou morto”, diz Rafael.

    “Como eu podia trazer inovação? Mapeando laboratórios no mundo inteiro, contatando-os e dizendo que iria trazer a tecnologia para o Brasil ainda em fase de pesquisa: assim, conseguiria concluir o estudo e não pagaria royalties. Na hora de colocar o produto no mercado, um share do negócio seria pago.”

    Bingo: em 2011, a RPH trouxe uma tecnologia revolucionária no mundo da oncologia para o Brasil, o gerador de gálio-68, em parceria com uma empresa alemã. “De 2012 a 2016, o Brasil já estava entre os três maiores países do mundo nesse segmento para exame de imagem oncológica”, diz. E as inovações continuaram seguindo. 

    A ENTRADA DE UM FUNDO NO NEGÓCIO

    A empresa que nasceu no Tecnopuc sempre reinvestiu seu dinheiro em pipeline, com o intuito de ter um portfólio inovador – mas, para Rafael, foi a entrada do fundo Criatec que ajudou a mudar o jogo, em 2010.

    “Eles fizeram um valuation da companhia, tornando-se sócios minoritários, com uma participação de R$ 1,5 milhão. Nos possibilitaram, além dos investimentos, entender práticas de governança, administração e outras questões importantes. O Criatec precisava colocar ordem na casa. Foi isso que aconteceu, do jeito mais positivo possível”, afirma Rafael.

    Isso fez com que a empresa parasse de crescer em uma velocidade acelerada por dois anos, mas pró-labores, bônus e distribuição de dividendos foram organizados.

    O foco era enriquecer a companhia, e não os empregadores, até que tudo estivesse pronto para decolar de vez. Em 2016, o fundo Opus chegou. 

    Anos depois, muito mudou e, no fim de 2019, o Grupo RPH realizou um novo valuation, que chegou a R$ 100 milhões, e a Criatec vendeu sua parte para a Ygeia Medical, administrada pelo fundo Opus. Rafael continua sócio. “A Criatec foi muito parceira, mas é especializada em investimento seed e não em um investimento tão grande. Mas eles entraram na parceria com R$ 1,5 milhão, mais de uma década atrás, e saíram com um valor superior a R$ 18 mi”, conta. Um negócio, sem sombra de dúvidas, valioso. 

    Esses grandes investimentos vão ser destinados ao planejamento de laboratórios em capitais como Salvador, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Fortaleza – e todas são esperadas por um motivo: o alto custo do frete de material radioativo no país. No momento, o Grupo RPH já traz uma radiofarmácia centralizada em São Paulo.

    “Expandir é tirar um peso da logística do material radioativo para o médico e para o hospital”, analisa o empreendedor. “A gente está exatamente nisso agora e os projetos vão muito bem, mas temos outro plano, uma terceira etapa: além da instalação de uma cadeia de radiofarmácias, um cíclotron – uma instalação de grande porte industrial –, na cidade de São Paulo, e outros investimentos também na área de medicina nuclear em parcerias com algumas empresas internacionais”, revela. 

    A previsão do início dessa operação, efetivamente, está estimada para 2023. 

    TRÊS ÁREAS DE NEGÓCIO E UMA PANDEMIA

    Rafael sabe, na ponta da língua, dos plano para o ano. “Este é o ano de consolidar projetos e também de olhar para a frente: a ideia é, no fim de 2020, revisar investimentos num pipeline de inovação de diversos novos produtos”, afirma. 

    “Atualmente temos três segmentos de negócios: a RPH Pharma, unidade industrial que fabrica kits de reagentes liofilizados; a RPH Central Pharma, de radiofarmácia centralizada em São Paulo, que traz o conceito de dose unitária radioativa, e a unidade de logística, a RPH Log, também em São Paulo”, conta. 

    O modelo de radiofarmácia centralizada foi trazido para o Brasil pelo grupo em 2018. Por meio dele, a empresa manipula e distribui para os serviços de medicina nuclear, mediante prescrição médica, doses de radiofármacos individuais e prontas para administração em pacientes. “A previsão era de que nosso ebtida saltaria de R$ 9 milhões para R$ 17 milhões em 2020.”

    Ainda que 2020 não tenha o assustado, o nicho de mercado foi altamente impactado pela pandemia causada pelo novo coronavírus. “Uma das áreas da medicina nuclear envolve o diagnóstico de doenças cardíacas, que tem um grande share da receita do meu cliente, o médico nuclear. E qual é o paciente de maior risco para a Covid-19? Os cardíacos”, diz. 

    “De um dia para o outro, a queda dos exames de cintilografia miocárdica, por exemplo, foi de 95% em São Paulo, no Brasil e no mundo inteiro”, revela. Em abril, a redução de faturamento do grupo RPH foi de 55% – o que se repetiu em maio, mas voltou a níveis normais em junho. 

    As equipes do diretor de operações, do diretor executivo, a área financeira e a área regulatória se reuniram assim que a quarentena foi decretada no Brasil, no meio de março, para traçar alguns cenários futuros – um pessimista, um realista e um otimista. Rasgaram o orçamento aprovado em 2019 e recalcularam a rota. 

    “Já voltamos ao nível aproximadamente de 80% do que era pré-Covid, e não tenho expectativa nos próximos 12 a 18 meses de recuperarmos o momento anterior”, diz. 

    “Isso porque eu até posso ter uma demanda, mas o serviço que fazia 40 procedimentos de imagem de medicina nuclear por dia precisa reduzir muito esse número, por protocolos de segurança em termos de espaçamento”, explica.

    Crise? Não. A ideia de Rafael para contornar essa situação é bem direta: “Que tal abrir o horário de venda de doses radioativas na madrugada e no fim de semana? Isso respeita o espaçamento e as aglomerações, e os clientes estão comprando essa ideia. Quantos pacientes executivos estão dispostos a fazer um check-up e não conseguem horário? Eu mesmo prefiro ir no hospital às 11h30 da noite para fazer uma tomografia do que às 7h da manhã”, conta.

    Rafael saiu de experimentos em um laboratório na UFRGS para ser o criador de uma empresa milionária que mudou um setor inteiro de farmácia no país. Quando ele tem ideias, é melhor escutá-las.

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