O recente anúncio da gravidez da atriz Claudia Raia, aos 55 anos, levantou uma série de dúvidas sobre a gestação em mulheres acima de uma certa idade: é perigoso? Quais são os riscos para mãe e bebê? E que cuidados deve tomar quem opta pela maternidade tardiamente?
De fato, a literatura médica conta com diversos estudos que confirmam a eistência de riscos elevados.
O Manual Técnico de Gestação de Alto Risco, do Ministério da Saúde, por exemplo, inclui a idade materna maior que 35 anos entre os marcadores e fatores de risco gestacionais.
Dessa idade em diante, há maior possibilidade de abortamento e alterações genéticas e cromossômicas – como as que causam a Síndrome de Down –, prematuridade, restrição de crescimento e baixo peso do bebê ao nascer.
“Porém, é importante lembrar que muitas gestações ocorrem bem, sem nenhuma intercorrência até o fim”, diz a médica ginecologista-obstetra e mastologista Laura Penteado, diretora da Theia, clínica paulistana centrada na gestante.
“O que tenho observado na prática clínica é que, dos 35 aos 40 anos, a maioria das gestações tem evoluído como qualquer gestação abaixo dessa idade e, mesmo acima dos 40 anos, nem toda gravidez é de alto risco.”
Para dar mais segurança a essas gestantes, recomenda-se um planejamento prévio que avalie sua saúde (doenças como hipertensão e diabetes se tornam mais comuns depois dos 40 anos e, como acontece em qualquer gravidez, são intensificadas no período), inclusive com a substituição de determinados medicamentos de uso contínuo.
A boa notícia é que, durante a gestação, praticamente não há recomendações específicas, além da realização do NIPT (do inglês, Non-Invasive Prenatal Testing), exame que permite determinar com mais precisão a existência de alguma síndrome, ajudando o casal a se preparar melhor para a chegada do bebê.
Quanto ao parto, o normal é a melhor opção, inclusive nesses casos.
“Para todas as mulheres, a cesárea é uma cirurgia. Então, principalmente se já existe algum problema de saúde, é sabido que uma cirurgia pode aumentar o risco de sangramento e complicações.”
Na entrevista a seguir, Laura Penteado fala sobre riscos, mitos e recomendações para quem pretende engravidar depois dos 40 anos.
LAURA PENTEADO: Terminei minha residência em ginecologia e obstetrícia no Hospital das Clínicas, em São Paulo, em 2012, e desde então trabalhei em maternidades públicas e privadas da cidade.
Desde 2020 faço parte da Theia, focada em gestação, e ajudo a direcionar o time de saúde. Nesses anos, muita coisa mudou. Em obstetrícia, principalmente, hoje temos uma visão mais humanizada do atendimento. A formação que eu tive há dez anos foi totalmente intervencionista e muito médico-centrada.
Já pensando nas gestações em idades mais avançadas, surgiram novas tecnologias de reprodução assistida e, embora ainda se trate de um serviço caro, limitado a uma pequena parcela da população, está cada vez mais acessível.
LP: Sim, sabemos que a mulher nasce com um relógio biológico, com uma reserva ovariana limitada. Depois dos 35 anos, ela começa a reduzir e, após os 40 anos, essa queda é ainda maior. A mulher não ovula em todo ciclo menstrual e, quando ovula, as chances de conseguir engravidar espontaneamente e levar a gestação são mais baixas porque o óvulo é de menor qualidade.
Outra questão é que os riscos de alterações genéticas, cromossômicas, são maiores e isso leva a mais abortamentos. Após os 45 anos, acontece uma grande queda nos hormônios necessários para ajudar a manter a gestação. Eu brinco que nada é impossível nessa vida, mas a chance é uma em um milhão.
Por outro lado, de uns anos para cá, houve um aumento da disponibilidade de reprodução assistida (RA) – o Brasil é um dos países com maiores índices de RA – e temos diversas técnicas disponíveis que ajudam essa gravidez a acontecer.
Uma delas é congelar óvulos em uma idade mais jovem, quando eles são de melhor qualidade e se tem uma reserva mais disponível. Outra é a ovodoação, com a implantação de óvulos de outras mulheres, e injeções hormonais para simular o nível de hormônios necessários durante a gestação e ajudar o desenvolvimento do embrião.
LP: O envelhecimento do óvulo leva a uma maior possibilidade de alterações genéticas e cromossômicas que causam certas síndromes, como a trissomia do 21 (Síndrome de Down) e também alterações dos cromossomos sexuais.
Também por causa do óvulo, o risco de abortamento é aumentado. Além disso, a placentação corre mais risco, com a possibilidade de ser insuficiente, o que aumenta as restrições de crescimento fetal e de parto prematuro. É por isso que, independentemente da idade, quando a mulher utiliza óvulos congelados e de idade mais jovem, esses riscos são menores.
Outro risco é a paciente já ter alguma comorbidade antes de engravidar, algo que é mais comum após os 40 anos. Como a gestação (em qualquer idade) causa grandes alterações no metabolismo e na função hormonal, o fato de já existir uma doença de base eleva o potencial de descontrole. Isso pode aumentar o risco de hipertensão e diabetes gestacional, por exemplo.
Mas é importante lembrar que muitas gestações em mulheres mais velhas ocorrem bem, sem nenhuma intercorrência até o fim.
LP: Não. O que tenho observado na prática clínica é que, dos 35 aos 40 anos, a maioria das gestações tem evoluído como qualquer gestação abaixo dessa idade e, mesmo acima dos 40 anos, nem toda gravidez é de alto risco.
No entanto, a idade materna acende automaticamente uma luz para nós, obstetras, ficarmos mais atentos porque, de fato, há uma chance maior de que alguns riscos se desenvolvam.
LP: Acredito que seja justamente esse que acabamos de comentar, de que todas as gestações em idade avançada sejam de alto risco. Haver uma possibilidade maior de problemas não significa necessariamente que eles vão acontecer. Se a mulher tem uma vida saudável, não precisa ter medo.
Outro mito é de que é impossível engravidar a partir de determinada idade. O tempo infelizmente é inimigo da mulher, e as chances realmente são menores, não apenas em gestações espontâneas como com o uso da reprodução assistida – sabemos que, oficialmente, acima dos 43 anos, mesmo com RA, a taxa de gestação é menor que 10% ou 5%.
Por isso, se você quer engravidar, tem mais de 43 anos e está tentando há algum tempo, saiba que é fundamental procurar um profissional. Mas é possível engravidar, sim.
Além disso, muitas pessoas imaginam que haja contraindicação para o parto normal. Mas, pelo contrário, essa é a recomendação sempre. Para todas as mulheres, a cesárea é uma cirurgia. Então, principalmente se já existe algum problema de saúde, é sabido que uma cirurgia pode aumentar o risco de sangramento e complicações.
O que pode acontecer é que depois dos 40 anos, por conta da reprodução assistida, há muitos casos de reprodução gemelar, que precisam ser individualizados por conta de certas restrições para ocorrer o parto normal.
Quando os bebês dividem a mesma placenta, se um nasce e o outro demora mais, o segundo pode ter algum sofrimento. Nesse caso, a indicação maior é a cesárea. Quando há duas placentas e duas bolsas, tudo vai depender da posição do feto. Se os dois estão sentados, o parto tem um pouco mais de risco. Não é contraindicação absoluta, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda recomenda cesárea em partos pélvicos.
LP: Quando se trata de uma gestação planejada, o primeiro ponto é fazer uma boa consulta pré-concepcional. Checa-se sua saúde, se existem problemas ou se a paciente faz uso de alguma medicação que deva ser alterada (sabemos que sempre que um medicamento é trocado existe o risco de descompensação e, por isso, é melhor que a troca ocorra antes da gravidez). É o caso de medicações para ansiedade e depressão, que são mais restritas no período, justamente quando a mulher já tem maior risco de depressão.
LP: Antes da gravidez, não. Apenas os exames de saúde preventivos, dependendo da idade da mulher – acima dos 40 anos, por exemplo, já é importante fazer rastreamentos para a mama, como a mamografia.
Já durante a gestação, pelo alto risco de alterações cromossômicas, fazemos investigações. No primeiro trimestre, entre 11 e 13 semanas, o ultrassom morfológico avalia alguns parâmetros relacionados ao risco de alteração cromossômica.
Às vezes, recomendamos o NIPT (do inglês, Non-Invasive Prenatal Testing), um exame um pouco mais específico, que identifica no sangue da mãe células fetais e, a partir delas, realiza o cariótipo para determinar com mais precisão a existência de alguma síndrome – além de fazer a sexagem.
Não é uma avaliação genética completa e não muda a evolução da gestação, mas ajuda o casal a se preparar melhor para receber o bebê. Apesar de recomendado, não é obrigatório.
Discutimos sempre riscos e benefícios com a paciente e o(a) acompanhante. Até porque o NIPT não está dentro do rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), então os convênios não cobrem.
LP: Não há indicações específicas referentes à idade da gestante. As recomendações são as gerais. Hábitos saudáveis são recomendados para todas as mulheres, em todas as gestações.
Então, a não ser que se desenvolva algum risco específico, o objetivo é sempre manter a atividade física e uma alimentação saudável e equilibrada. Mas vale lembrar que, quanto mais tempo passa, se você não tem hábitos de vida saudáveis, o risco de condições como hipertensão e diabetes aumenta.
LP: Não. Depois que ocorre a placentação, o corpo passa a produzir os hormônios que estimulam a glândula mamária, principalmente na hora do parto. Então, é o estímulo de sucção mesmo que vai provocar a produção de leite. Nessa questão, também, a natureza é sábia.