• “O maior desafio da cirurgia plástica é ‘regenerar’ a elasticidade da pele. Isso vai ser um marco evolutivo”, diz Ronaldo Golcman

    O cirurgião plástico Ronaldo Golcman
    Jose Renato Junior | 22 set 2021

    Nenhum país realiza tantas cirurgias plásticas como o Brasil. Para Ronaldo Golcman, referência no assunto, esse cenário não surgiu de uma hora para outra.

    Veio lá de trás, com o trabalho de Ivo Pitanguy, e se explica por uma série de fatores, como, inclusive, o fato de vivermos em um país de clima majoritariamente tropical.

    Filho do também cirurgião plástico Benjamin Golcman, Ronaldo tem doutorado em clínica cirúrgica pela Universidade de São Paulo e 36 anos de experiência em cirurgia plástica, especialidade em que é chefe de equipe de urgência no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

    Ele conta que a vocação vem desde quando era escoteiro e já escolheu fazer parte da equipe de primeiros-socorros.

    Mas, por receio de comparação com o sucesso do pai, quase desistiu da cirurgia plástica. “Hoje sou muito feliz e realizado com essa decisão” afirma.

    Na entrevista a seguir, Ronaldo fala das transformações do setor, de modismos como harmonização facial e das expectativas tecnológicas e científicas para o mundo das plásticas.

    Esta é a primeira parte do papo que ele bateu com Future Health. Na segunda parte, que vamos publicar em duas semanas em uma nova seção dedicada aos talentos extras e hobbies dos profissionais da saúde, Ronaldo conta sobre seus trabalhos de marcenaria e uma paixão: o mergulho.

    Dentre todos os tipos de cirurgia que o senhor faz, qual é a mais desafiadora?
    Dentre as cirurgias eletivas, de caráter estético, a rinoplastia, plástica de nariz, é sem dúvida a mais desafiadora. Principalmente pelas sabidas alterações do resultado obtido no ato cirúrgico, nos meses subsequentes e mesmo com o passar dos anos.

    Devemos operar com foco no ato presente e com um olhar para o futuro.

    Com certeza as cirurgias reparadoras, reconstrutivas, quer sejam por trauma quer sejam após excisão de câncer de pele, são sempre um grande desafio. Reconstruir um nariz, um lábio…

    Pode falar de algum caso específico do qual se orgulha?
    Com 40 anos de formado, atuando exclusivamente na cirurgia plástica por 36 anos, acumulo muitas lembranças de cirurgias que demandaram muito conhecimento prévio e associações nunca feitas e nem mesmo imaginadas, com resultados que muito me orgulham. Recordo de um paciente que sofreu um acidente de avião, em região de garimpo, que se apresentou com completa desfiguração facial, com disjunção do crânio-face, múltiplas fraturas e ferimentos. Foi realmente um grande desafio, com resultado surpreendente.

    Mas guardo com muito carinho e orgulho as situações em que “mudamos a vida” de um paciente.

    Lembro de uma adolescente, com 13 anos de idade, às vésperas de uma viagem de formatura. Ela havia nascido com uma má formação no abdome, chamada gastrosquise. É uma abertura da parede abdominal, na altura do cordão umbilical, com saída de vísceras para o exterior do abdome. Foi operada com sucesso ao nascimento, mas tinha agora, às vésperas de uma viagem com seus colegas, um grande problema: não tinha cicatriz umbilical.

    Não ter o umbigo era um “segredo” que ela manteve por 13 anos.

    Foi nessa ocasião que pude atendê-la e reconstruir seu umbigo. Tecnicamente a cirurgia não foi complexa, mas o envolvimento, a emoção e a gratidão ficaram marcados. Recentemente, aos 30 anos, ela voltou a me procurar, com muita emoção, para pedir minha “autorização” para uma futura gestação. A emoção foi tanto da paciente quanto minha.

    Mas por que ela o procurou?
    Por causa das alterações que uma gestação provoca no abdome, na cicatriz presente e no umbigo reconstruído. Ela vê o umbigo como uma superconquista, não quer botar a perder.

    Nem sempre as pessoas associam plástica a urgência. Então como é o dia a dia na equipe de urgência, na especialidade cirurgia plástica, do Einstein?
    No passado, atendíamos com frequência vítimas de acidente automobilístico com múltiplos e complexos ferimentos na face. Foram inúmeras as noites que passamos fazendo esses atendimentos, reconstruções. Com a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança, vidros laminados e airbag, esses ferimentos foram muito reduzidos. Atualmente, hospitais privados, como o Albert Einstein, recebem primariamente no pronto-socorro casos de menor complexidade, acidentes pessoais e acidentes desportivos. Casos complexos, menos frequentes, geralmente são provenientes de encaminhamento secundário de outros hospitais.

    Quais são as tendências no campo das cirurgias plásticas estéticas? O que vem por aí nos próximos anos?
    Assim como em outras áreas da medicina, vejo como futuro da cirurgia plástica uma divisão em subespecialidades, com grande desenvolvimento científico, beneficiando ainda mais os pacientes.

    Há algum tipo de cirurgia plástica que não existe, seja porque é impossível ou porque ainda não há tecnologia adequada, que seria bastante útil e popular hoje?
    A meu ver, a maior carência que temos ainda é a “restauração” da pele, do seu turgor, sua sedosidade, elasticidade etc. Estudos de sua regeneração têm tido pequenos avanços, com utilização de células-tronco, mas ainda é só um começo. A cirurgia plástica consegue estruturar, remodelar, reduzir as redundâncias, mas tudo deve ser finalmente coberto pela pele. Quando tivermos a “pele regenerada”, será um grande marco evolutivo.

    Em 2018, o Brasil ultrapassou os EUA e se tornou o país onde mais se faz cirurgias plásticas no mundo. A que se deve isso?
    São alguns fatores. População segura, receptiva a melhorias de características pessoais. País tropical, com praias, rios, clubes, logo com frequente exposição corporal em vestes de praia. Cirurgiões plásticos muito bem formados e capacitados.

    O Brasil é um dos países que mais têm cirurgiões plásticos, e muitos são reconhecidos internacionalmente. Como esse cenário se construiu?
    O primeiro e grande passo da cirurgia plástica, no seu reconhecimento internacional, deveu-se ao professor Ivo Pitanguy. O professor Pitanguy teve sua formação visitando serviços renomados pelo mundo. Aliado à sua grande criatividade e comunicabilidade, isso colocou o Brasil no cenário internacional com muito destaque. Na sequência foram capacitados outros profissionais, sempre primando pela qualidade e resultados, consagrando o Brasil como ícone da cirurgia plástica.

    Harmonização facial é uma febre passageira? Qual sua opinião?
    Somos um povo muito criativo em todos os aspectos. O marketing também tem atuado com essa criatividade, “renomeando” procedimentos consagrados. Em 1983, em concurso que prestei para residência em cirurgia plástica, tive que definir a cirurgia plástica. Assim defini: “A cirurgia plástica é a arte da adequação”. Confesso que o termo “harmonização” ficou muito mais elegante, porém o conceito é o mesmo de sempre. O que tem vulgarizado e prejudicado os resultados desses procedimentos consagrados é a invasão da área de atuação médica por outros profissionais, não qualificados para esses procedimentos.

    Nos últimos tempos temos visto mais relatos de mulheres que retiraram o implante de silicone. Em 2019 a FDA [agência reguladora de medicamentos e alimentos dos EUA] discutiu os efeitos a longo prazo da prótese, sobre o que ainda há relativamente poucos estudos. Levando-se isso em conta, além de mudanças de comportamento das mulheres e mudanças culturais e de gosto estético, a mamoplastia de aumento pode deixar de ser a cirurgia plástica mais comum do Brasil?
    Estamos vivenciando, muito intensamente, informações comprovadas e não comprovadas, pela facilidade de divulgação que a mídia nos possibilita. A comunicação é em tempo real, porém a confirmação científica demanda mais tempo para respostas conclusivas e seguras. As próteses de silicone vêm sendo utilizadas há 50 anos. Sua segurança recorrentemente é questionada e reestudada. Até o presente momento, podemos dizer que sua utilização continua segura, com mínimos riscos, à semelhança de outros medicamentos ou implantes.

    Acompanhamos o crescimento de grupos sociais que buscam o “natural”.

    Esses grupos têm feito forte apologia a restrições de alimentos, como proteína animal, uso de medicamentos industrializados, vacinas e mesmo próteses de silicone. Com isso, temos tido um aumento de demanda de pacientes que buscam uma “vida mais natural”, solicitando a retirada de suas próteses. Com o mesmo respeito que ouvimos nossas pacientes que solicitaram a inclusão de próteses e por nós foram atendidas, temos atendido e respeitado essa nova demanda. Esses fatos, acrescidos da situação de pandemia, trouxeram uma discreta redução de implantes mamários.

    Seu pai era médico, certo? Que peso isso teve quando o senhor decidiu seguir a medicina?
    Meu pai é médico, cirurgião plástico, ainda atuante dentro dos seus limites etários. Ele sempre foi e é um exemplo para mim, mas nunca influenciou ativamente minha escolha profissional. A medicina sempre foi uma escolha minha. Desde tenra idade, como escoteiro, era membro da equipe de primeiros-socorros. Aos 17 anos, já cursava o primeiro ano de medicina, sempre voltado à cirurgia. O excelente desempenho e sucesso do meu pai na cirurgia plástica quase inibiu minha opção. Não queria ser só um seguidor… Queria marcar meu espaço, pensando em outras opções, mas minha vocação falou mais alto e escolhi a cirurgia plástica, buscando destaque pessoal. Hoje sou muito feliz e realizado com essa decisão.

    Que notícia o senhor gostaria de ler sobre sua especialidade no jornal amanhã?
    “Medicina desvenda e controla a regeneração dos tecidos e órgãos.”

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