• Desde a pandemia, Brasil registra queda relevante na cobertura de mamografia

    Nina Melo, coordenadora do Observatório de Oncologia
    Nina Melo é coordenadora do Observatório de Oncologia. (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 2 dez 2022

    Durante todo o ano de 2022, o Brasil deverá registrar 625 mil novos casos de câncer, de acordo com projeções do Instituto Nacional de Câncer (INCA), órgão do Ministério da Saúde. 

    Em se tratando das mulheres, excluindo os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama será o mais prevalente – como já acontece há alguns anos. 

    Para se ter uma ideia, de janeiro a dezembro de 2022 estão estimados 66.280 novos casos da doença, o que corresponde a um risco de 61,61 diagnósticos a cada 100 mil mulheres. 

    Outro dado alarmante sobre essa neoplasia é que ela também é a principal causa de morte por câncer entre as pessoas do sexo feminino no país. Em 2020, a sua taxa de mortalidade, ajustada pela população mundial, foi de 11,84 óbitos para cada 100 mil mulheres. 

    Esses resultados podem ser explicados em grande parte pela baixa cobertura mamográfica nacional e, consequentemente, pelo diagnóstico tardio da enfermidade. Fatores estes que, inclusive, sofreram forte impacto da pandemia, como revelaa o Panorama da Atenção ao Câncer de Mama no Sistema Único de Saúde (SUS). 

    O recente levantamento, conduzido pelo Instituto Avon, organização da sociedade civil que atua na defesa de direitos fundamentais das mulheres, e pelo Observatório de Oncologia, plataforma online de dados abertos para transformação social, analisou, a partir da base do DATASUS, dados de 2015 a 2021 de rastreamento mamográfico (estratégia para a detecção precoce do câncer de mama em pessoas que não apresentam sintomas).

    Também foram considerados os índices de diagnósticos e o acesso aos tratamentos de câncer no Brasil. O objetivo é colaborar com políticas públicas de saúde que visem a descoberta precoce, acesso rápido a terapias e a tomada de decisões baseadas em evidências. 

    O levantamento aponta que, em 2020, houve uma queda de 40% no número de mamografias realizadas no país por mulheres entre 50 e 69 anos na comparação com 2019. Em 2021, a redução foi de 18%. 

    Ao fazer a divisão por regiões, o que se observa é que, no Centro-Oeste, as diminuições foram de 50% em 2021 e 19% em 2022; no Nordeste, de 43% e 10%; respectivamente; no Sul, de 40% e 23%; no Sudeste, de 40% e 21%, e, no Norte, de 23% e 4%. 

    Os piores resultados em 2020 foram no Acre (60%), no Piauí (58%) e no Mato Grosso (56%). Em 2021, Acre (63%), Amazonas e Mato Grosso (35% cada) se destacaram negativamente. 

    O único estado que registrou aumento no número de mamografias nos últimos dois anos foi o Amapá (1.562% em 2020 e 3.062% em 2021).

    “O câncer de mama já tinha desafios relacionados ao diagnóstico e acesso ao tratamento e que foram potencializados com a pandemia”, afirma Nina Melo, coordenadora do Observatório de Oncologia. 

    “O problema é que, como deixamos de rastrear a população alvo nos últimos dois anos, represamos possíveis novos diagnósticos e quando eles vierem, lá na frente, virão todos ao mesmo tempo ou em estágio avançado”, acrescenta.

    Ainda pelos dados do Panorama da Atenção ao Câncer de Mama no SUS, o Brasil também registrou queda na taxa da mamografia de rastreamento. No biênio 2018-2019, a cobertura no país foi de cerca de 23% da população alvo, enquanto no biênio 2020-2021 foi de 17%. 

    No período estudado, nenhuma região brasileira alcançou a meta de cobertura estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 70% para mulheres a partir dos 40 anos – por aqui, a política adotada é que o procedimento seja feito a cada dois anos em mulheres sem sintomas de câncer de mama e na faixa etária de 50 a 69 anos.

    A região Sul foi a que apresentou o melhor índice tanto entre 2018-2019 (32%) quanto em 2020-2021 (21%), seguida pela Sudeste (28% e 19%, respectivamente) e pela Nordeste (24% e 17%). Os piores números ficaram com a Centro-Oeste (13% e 9%) e Norte (11% e 9%).

    Estadiamento ao diagnóstico é ponto crítico

    O estadiamento ao diagnóstico foi mais um ponto importante coletado pelo levantamento do Instituto Avon e do Observatório de Oncologia: entre 2015 e 2021, os diagnósticos avançados de câncer de mama, nos estágios 3 e 4, representaram 42% dos casos. Em 2020, este número foi de 43% e, em 2021, de 45%.

    Os estados com os piores desfechos foram Acre, com 56% de diagnósticos tardios, e Pará e Ceará, com 55%. Na outra ponta ficaram São Paulo e Rio Grande do Sul, com 33%, e Santa Catarina, com 34%. 

    Com relação à idade, os dados indicam que 35% das pacientes na faixa etária de risco (50 a 69 anos) receberam a notícia de que estavam com a doença já em fase adiantada.

    Chama a atenção também o fato de 61% delas terem começado as terapêuticas após o prazo determinado pela Lei 12.732/12, que garante o início do primeiro tratamento em até 60 dias a partir da confirmação do câncer. Segundo o panorama, o tempo médio no país em 2020 foi de 174 dias, ou seja, 114 dias a mais do que o previsto.

    “Quando a gente separa esse indicador por estados, o top 3 de pior cenário é composto por Sergipe, com 273 dias; Rondônia, com 245, e Mato Grosso, com 233 dias”, informa Nina. 

    “Nós sabemos que o diagnóstico tardio por si só já diminui as chances de cura. Mas, quando o tratamento ainda demora a ser iniciado, o resultado se torna bem pior.”

    A coordenadora do Observatório de Oncologia complementa que tudo isso traz sérios impactos para o SUS: “As chances de a paciente ter uma intercorrência, de precisar de mais cirurgias e de mais tempo de internação, aumentam aquando a doença é descoberta em estágio avançado. Além disso, o tratamento geralmente se torna mais demorado. O resultado dessa combinação é a oneração do sistema de saúde”.

    Outro ponto de alerta destacado pelo panorama é a diferença entre os dados de acordo com o perfil étnico racial. O documento mostra que, no período avaliado, a taxa de mamografias realizadas pelo SUS em mulheres negras foi de apenas 24%, enquanto nas brancas foi de 37%, e que 47% delas receberam o diagnóstico em estágio avançado contra 39% das brancas.

    “Na literatura, ao levantarmos os fatores associados ao diagnóstico avançado, temos baixa renda, raça-cor e dificuldade no acesso à atenção básica. As pacientes pretas, infelizmente, têm maior dificuldade por conta de todo esse conjunto. Elas ainda padecem muito mais dos problemas socioeconômicos”, avalia Nina.

    O que fazer para mudar esse cenário

    O Panorama revelou queda significativa na cobertura mamográfica nacional depois da pandemia. Contudo, como também mostra o documento, o Brasil, mesmo antes da crise sanitária, já não apresentava números adequados relacionados ao rastreio do câncer de mama.

    Para a coordenadora do Observatório de Oncologia, a explicação para isso engloba múltiplos fatores. “O primeiro é cultural. As pessoas têm medo de procurar os serviços de saúde e fazer os exames necessários. O segundo é que o acesso ao SUS não é fácil, inclusive do ponto de vista de locomoção, o que impacta na periodicidade da realização destes exames. E, o terceiro, é que a mamografia, muitas vezes, só é pedida quando há suspeita, e não de forma regular”, aponta.

    Para reverter essa situação, ela salienta, é fundamental que cada município faça um mapeamento para saber a demanda de mulheres na população alvo que precisam fazer o exame e a oferta que se tem para oferecer. 

    “Nesse sentido, o nosso estudo é um importante aliado dos gestores, e de todas as esferas, municipal, estadual e federal, para agirem de maneira mais eficaz”, afirma. 

    “O nosso objetivo não é alarmar ninguém, mas tornar essa informação pública e, principalmente, fazê-la chegar em quem pode e deve tentar mudar alguma coisa.”

    Outras indicações de Nina para tornar o cenário mais favorável é que as cidades que não têm condições de realizar a mamografia firmem parcerias com outras localidades – dessa forma, mais mulheres podem ser atendidas – e que haja uma comunicação assertiva durante o ano todo, e não apenas no mês de outubro, quando acontece a campanha Outubro Rosa, de conscientização sobre o câncer de mama.

    “O governo precisa priorizar os investimentos na saúde feminina e fortalecer as políticas públicas de atenção básica, focando especialmente na prevenção, e não só na secundária, mas também na primária para combater os fatores de risco que levam às neoplasias. Junto a isso, tem de promover o acesso aos serviços de saúde para que as mulheres obtenham o diagnóstico o mais precocemente possível e iniciem o tratamento o quanto antes”, completa Nina.

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