• Como Antonio Ermírio de Moraes Neto fundou, no Vale do Silício, uma das startups mais inovadoras do mundo

    James Wong e Antonio Ermírio de Moraes Neto, sócios da XP Health
    Jose Renato Junior | 13 ago 2021

    Antonio tinha 10 anos quando os óculos passaram a ser algo presente em sua vida. A visão se deteriorou com a chegada da adolescência. A miopia bateu nos sete graus e as piadas escolares lhe renderam o apelido “Antóculos”.

    Aos 18, ele fez cirurgia refrativa, mas, 15 anos depois, o procedimento acabou causando outro problema de visão.

    Os óculos continuam na vida de Antonio. Não só como acessório corretivo, mas também como razão de ser de sua empresa e centro da missão que ele impôs a si próprio.

    Os óculos são o ponto focal (trocadilho involuntário) do dia a dia de Antonio Ermírio de Moraes Neto e da XP Health.

    Quando estava na faculdade (administração pública na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo), Antonio e alguns colegas viajaram à Índia a fim de conhecer fundos de impacto social.

    A experiência o ajudaria a cofundar, mais tarde, a Vox Capital, gestora de investimentos de impacto com a qual ele pretendia impactar 1 milhão de pessoas até os 30 anos. 

    Na viagem, Antonio, que tinha também a companhia da produtora de cinema Priscila Martoni, visitou o Aravind, rede de hospitais de olhos que já tratou dezenas de milhões de casos de catarata no país – trata-se de um problema crônico na Índia, que concentra cerca de ¼ dos cegos de todo o mundo. O Aravind é um dos casos tratados no filme Um Novo Capitalismo (2017), coproduzido por Antonio.

    “Tanto minha experiência pessoal com a visão quanto filmar o Aravind me inspiraram a estudar os avanços na área de diagnósticos de doenças oculares usando inteligência artificial”, diz.

    A Vox Capital chegou a mais de 1 milhão de pessoas ao investir em empresas como Magnamed, que produz ventiladores pulmonares. O fundo ia muito bem quando Antonio resolveu se inscrever para o MBA da Universidade Stanford. 

    Ele tinha 29 anos, foi e não voltou mais. Vendeu sua parte e resolveu ficar nos Estados Unidos para buscar uma meta mil vezes mais audaciosa.

    INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA CRIAR A “NETFLIX PARA ÓCULOS”

    Em Stanford, Antonio conheceu James Wong, engenheiro especializado em aprendizado de máquina, com passagem por Airbnb e Facebook. 

    Os dois compartilhavam a ideia de que o acesso democratizado a uma saúde preventiva para a visão era algo necessário e urgente. Viraram sócios e, em 2020, surgiu a XP Health.

    A empresa, sediada na Califórnia, vende benefícios oftalmológicos a companhias que desejam oferecê-los a seus funcionários. É um seguro de visão, que dá direito a exame ocular e a um par de óculos, algo comum nos EUA e que a XP oferece de maneira digital e descomplicada. 

    “Uma das primeiras aplicações de IA [inteligência artificial] que desenvolvemos é uma ‘Netflix para óculos’, um sistema de recomendação que permite aos nossos usuários evitarem ir a uma loja física para acharem os óculos ideais”, explica Antonio. 

    A XP faz isso por meio de um sistema de escaneamento que leva em conta o formato do rosto e a distância entre os olhos, entre outros parâmetros, e um questionário que serve para checar quanto tempo a pessoa gasta por dia diante de telas, lendo, exposta ao sol etc. 

    O sistema de aprendizado de máquina gera as recomendações, levando em conta preferências de estilo e hábitos do usuário.

    Isso serve para óculos de grau, sem grau e de sol. No caso do grau, os membros fazem uma consulta com um optometrista para descobrir ou atualizar sua taxa. E pronto, eles recebem os óculos em casa. 

    O plano mais básico dá direito a três óculos por ano com US$ 150 de desconto em cada um, a uma mensalidade de US$ 3. O pacote mais caro, de US$ 7,50 ao mês, inclui o funcionário e sua família, em um total de 18 óculos por ano, com US$ 180 de desconto em cada par. 

    “O sistema reduz o custo do produto em 65%, além de ser muito mais conveniente para os membros”, diz Antonio. “Essa é uma indústria extremamente ineficiente. Por causa disso, trouxemos logo no começo da empresa o doutor Robert Chang, um dos principais oftalmologistas de Stanford.” 

    Além de Chang, o conselho da XP é formado, segundo Antonio, por pessoas que estão entre as melhores dos EUA em áreas como inteligência artificial e saúde digital.

    1 BILHÃO DE PESSOAS IMPACTADAS

    A ineficiência citada por ele também explica por que a empresa trabalha diretamente com os fabricantes, reutilizando óculos já produzidos, em vez de investir na impressão 3D – tecnologia que vem sendo cada vez mais usada na fabricação de óculos customizados de acordo com características e preferências de cada cliente. 

    “Acreditamos em um modelo de economia circular que usa o estoque existente de óculos, em vez de um que precisa imprimir novos pares, consumindo matéria-prima”, explica. 

    “A cada ano, em torno de 4 bilhões de novos pares são fabricados, e a maioria desses óculos acaba esquecida em uma gaveta depois de dois ou três anos”, ele continua. 

    “Se pudermos criar um modelo de economia circular e compartilhada que higieniza e reutiliza uma parte do estoque existente, nós conseguiríamos acabar com o gap de 1,8 bilhão de pessoas com problemas visuais porque não têm condições de comprar óculos.”

    Com isso, a XP Health tem chamado bastante atenção em pouco tempo. Em janeiro, anunciou ter levantado US$ 5 milhões de investimento em estágio seed, liderado pelo Valor Capital Group. 

    Em março, a revista americana Fast Company a colocou entre as dez startups com até 50 funcionários mais inovadoras do mundo. 

    Zoom, a empresa de videochamadas, e Udemy, de cursos online, estão entre as clientes da XP Health, que hoje tem 12 mil membros pagantes. O plano é fechar 2021 com 55 mil assinantes. Sem planos, por enquanto, de trazer o negócio para o Brasil, a meta a longo prazo é de 100 milhões de membros.

    Esse é o caminho que o neto do homem que simbolizou a indústria brasileira no século passado, com seu gigante Grupo Votorantim, pretende trilhar para chegar a 1 bilhão de pessoas impactadas – e, dessa forma, mostrar ao mundo sua visão de capitalismo moderno. 

    “A pergunta que me faço constantemente é: ‘O que é a coisa mais impactante, desafiadora e de maior aprendizado que posso estar fazendo com a minha vida?’”, conta Antonio.

    “Com certeza o caminho que decidi seguir – de me tornar um imigrante, estar longe da família e dos amigos, abrir mão do reconhecimento e posições de influência que conquistei no Brasil – é o mais difícil que eu poderia ter escolhido. Mas é um que completamente preenche a minha alma.”

    Fique por dentro das melhores histórias de inovação em saúde: assine nossa newsletter.

    Confira Também: