• “Adiar a maternidade é um tabu nas consultas médicas”, afirma ginecologista

    Natalia Ramos, líder de cuidados e diretora de marketing da Oya Care.
    Natalia Ramos é ginecologista especializada em reprodução humana, líder de cuidados e diretora de marketing da Oya Care. (Foto: Nathalie Artaxo)
    Jose Renato Junior | 24 out 2023

    Cada vez mais mulheres estão postergando a maternidade. Até meados do século passado, ser mãe era um dos únicos caminhos possíveis para uma mulher seguir na vida adulta. Hoje, graças sobretudo ao avanço dos direitos femininos e do acesso a métodos contraceptivos, as possibilidades são múltiplas – inclusive a de não ter filhos.

    Seja por priorizar a carreira, ter mais estabilidade no relacionamento ou por querer viver outras experiências antes de construir uma família, a quantidade de brasileiras engravidando entre os 35 e 39 anos cresceu 63% na última década, segundo um levantamento de 2021 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Contudo, enquanto os horizontes se ampliam, o corpo feminino segue a mesma lógica de sempre, com o auge da fertilidade ocorrendo antes dos 30 anos. Além das dificuldades para engravidar de forma natural com o passar do tempo, esse descompasso também pode trazer riscos ao feto. 

    Com o desejo de dar mais poder de decisão às mulheres, a empreendedora Stephanie von Staa Toledo fundou a Oya Care, uma health tech focada em incluir a discussão sobre fertilidade na rotina de saúde feminina. Criada em 2020, a startup recebeu um aporte de R$ 16 milhões por investidores internacionais no ano passado. Hoje, a empresa atua, de forma online e na clínica localizada no Itaim Bibi, em São Paulo, na contracepção, no atendimento ginecológico e na fertilidade. 

    Apesar de oferecer soluções clássicas, como tratamentos de reprodução assistida, a Oya Care aposta em serviços de avaliação preventiva da fertilidade, como é o caso do pacote “Descoberta da Fertilidade”, para que mais mulheres planejem sua vida fértil. 

    Esse monitoramento começa com um exame antimulleriano (AMH) feito por coleta de sangue para medir a reserva ovariana da paciente. 

    Com base na quantidade de células reprodutoras e em informações clínicas e de histórico familiar, é possível estimar, entre outros aspectos, a idade de entrada na menopausa e a idade ideal para engravidar de forma natural – e, assim, avaliar em tempo hábil possibilidades como o congelamento de óvulos, por exemplo.

    A ginecologista e especialista em reprodução humana Natalia Ramos entrou para a startup ainda em 2020, enquanto esse serviço estava sendo estruturado. “Estava um pouco frustrada com o cenário de reprodução no Brasil. Sentia falta de um olhar mais preventivo e proativo sobre o tema”, comenta. 

    “Na reprodução humana, descobri uma grande falha da ginecologia. Descobri que muitas pessoas estavam chegando a um quadro de infertilidade por desinformação e falta de planejamento”, conta Ramos, que hoje é líder de cuidados e Chief Medical Officer da empresa.

    Em entrevista a FUTURE HEALTH, ela fala sobre como funciona a Oya Care e sobre como adiar a maternidade se tornou uma possibilidade concreta:

    FUTURE HEALTH: Qual o diferencial da Oya Care?

    NATALIA RAMOS: Acredito que seja a forma como colocamos as oyanas, como carinhosamente chamamos as pessoas que passam pela clínica, em primeiro lugar. 

    É isso que guia a maneira como desenhamos nosso atendimento: todos os serviços surgem a partir de demandas reais, e estão em constante aperfeiçoamento para que essas pessoas tenham uma experiência acolhedora e descomplicada ao cuidar da própria saúde, algo que ainda é raro. 

    Fazemos isso com o auxílio da tecnologia e de muita pesquisa, que se desdobra em treinamentos médicos e refinamento de protocolos para que elas sejam sempre protagonistas das suas jornadas de saúde. 

    É interessante perceber que a Oya ganhou notoriedade e é reconhecida em especial pela frente de cuidado de fertilidade, pela abordagem inovadora de um tema que ainda é tabu dentro do universo feminino. 

    FH: A Oya começou online e depois expandiu para o atendimento presencial. Como foi esse movimento? 

    NR: Nascemos na pandemia e desenvolvemos a telemedicina para além de soluções improvisadas para um problema pontual. Oferecemos desde o início uma ferramenta inovadora para levar atendimento de qualidade para pessoas do sexo feminino no mundo todo, de maneira prática, segura e acolhedora. 

    A expansão para o atendimento presencial foi uma forma de oferecer uma jornada de saúde mais completa, sem “abandonar” no meio do caminho aquelas que precisavam de cuidado mais especializado.

    Então, nos jogamos na missão de trazer nossa expertise online para o universo presencial, mantendo o mesmo padrão de qualidade, dessa vez em uma operação mais robusta. 

    Agora temos a chance de aprofundar o cuidado, seja através de uma rotina ginecológica com exames in loco, o que torna o processo muito mais prático, seja com procedimentos de maior complexidade, como congelamento de óvulos, fertilização in vitro e cirurgias ginecológicas. Tudo feito com nosso DNA inovador, com o objetivo de oferecer a melhor experiência. 

    FH: E vocês planejam expandir em que sentido?

    NR: Hoje, nosso foco é aprimorar as linhas de cuidado que oferecemos: ginecologia e fertilidade. A novidade é que passamos a realizar também cirurgias ginecológicas. Isso implica em cuidar dos processos, protocolos e, como sempre, da experiência da oyana para que ela viva cada etapa da forma mais acolhedora e confortável possível. Para o futuro, queremos fortalecer as parcerias com planos de saúde e, também, expandir as linhas de cuidado.

    FH: O Brasil é o líder em tratamento de reprodução assistida na América Latina. Mesmo sendo tão expressivos no país, poucos podem pagar por esses tratamentos. Por que a saúde reprodutiva é tão cara?

    NR: Os cuidados reprodutivos demandam investimentos altos, porque exigem recursos que, no geral, têm custo elevado, seja do ponto de vista médico, estrutural ou até mesmo em relação aos medicamentos utilizados. 

    São procedimentos de alta complexidade, que demandam uma série de etapas e todas elas envolvem profissionais específicos, ferramentas, medicamentos, e tudo isso tem um custo.

    Ao mesmo tempo, a infertilidade não é considerada um problema grave, que ameaça a vida. Até 2017, por exemplo, essa condição sequer era considerada uma doença. Por isso, a saúde reprodutiva acaba tendo menos prioridade na hora de receber subsídios públicos. As pesquisas na área são caras e complexas, e os planos de saúde ainda ficam de fora dessa conta. 

    FH: Apesar do aumento da idade em que as mulheres estão tendo filhos no Brasil, pouco se fala sobre infertilidade sobre fertilidade ainda menos. Como levantar e estimular esse debate?

    NR: O primeiro passo para quebrar tabus é falar sobre eles, fazer com que o tema ganhe espaço nos programas de TV, nas mesas de bar, nos filmes e novelas que assistimos. 

    É difícil falar de fertilidade, porque toca em questões sensíveis na nossa sociedade, como o envelhecimento e a autonomia sobre o corpo feminino. A infertilidade ainda é um assunto que envolve vergonha, sensação de fracasso, com um peso enorme sobre as mulheres.

    Na Oya, costumamos dizer que é em rede que nos fortalecemos. A partir do momento em que uma pessoa toma coragem para se abrir sobre uma questão de fertilidade, uma série de outras se sentem encorajadas a fazer o mesmo. 

    Representatividade, nesse sentido, é muito importante, e o fato de diversas pessoas públicas falarem abertamente sobre seus desafios com a fertilidade tem sido fundamental.

    Na Oya, usamos nossos canais de comunicação para puxar essas conversas difíceis, trazer informações de qualidade sobre o assunto (ainda existem muitos mitos e meias verdades sobre fertilidade que precisam ser desconstruídos) e fazer com que seja cada vez mais normal conversar sobre fertilidade.

    FH: Como fertilidade e saúde feminina entraram na sua trajetória profissional?

    NR: Quando estudava medicina, sonhava em ser pediatra. Mas quando comecei a ter contato com a pediatria, percebi que lidar com crianças doentes me fazia muito mal. Foi nesse momento que descobri que sou uma pessoa que gosta de saúde. 

    Olhando para trás, consigo ver que essa percepção foi uma das coisas que me aproximou da ginecologia. Meu pai é ginecologista e obstetra, mas sempre focou em cirurgias ginecológicas. Na época da faculdade, tive a oportunidade de acompanhar as aulas de pós-graduação em reprodução humana que ele estava cursando. Foi amor à primeira vista. 

    Em seguida, fiz residência no Hospital Pérola Byington, hoje chamado Hospital da Mulher, no qual temos um dos maiores serviços de reprodução humana oferecidos pelo SUS. 

    Quando finalizei a residência, realizei um estágio na França, com o professor René Frydman, que foi responsável pela primeira fertilização in vitro na França (e a quinta no mundo). Fui para ficar seis meses e acabei ficando como assistente dele por aproximadamente três anos. Trabalhar com reprodução humana, para mim, significa trabalhar com a vida. 

    A sociedade mudou muito nos últimos 50 anos. A revolução causada pela ascensão da pílula contraceptiva, a liberdade sexual, a mudança do papel e posição da mulher na sociedade. 

    Mesmo com todas essas mudanças, falar sobre o risco de infertilidade que vem da decisão de adiar a maternidade ainda é um tema negligenciado nas consultas médicas, infelizmente.

    Quando percebi isso, vi uma oportunidade de contribuir como médica ginecologista a partir de algo que me move de maneira profunda e tem um impacto direto na vida das pessoas.

    FH: Quais desafios você enfrenta como profissional da área da saúde feminina hoje? 

    NR: O principal desafio é o custo dos tratamentos. Infelizmente, no Brasil, temos essa barreira para pessoas que necessitam de algum tratamento de reprodução assistida, seja o congelamento de óvulos para postergar a maternidade, ou a fertilização in vitro, no caso de casais que têm dificuldade para engravidar ou de casais homoafetivos. 

    Em alguns países como a França, os tratamentos são oferecidos pelo sistema público de saúde, como forma de combater a diminuição das taxas de natalidade. Aqui, não vemos medidas para apoiar essas mulheres ou famílias. 

    O segundo maior desafio é o de melhorar as taxas de sucesso dos tratamentos, no geral. No Brasil, temos acesso às melhores e mais modernas tecnologias disponíveis no mundo. Ainda assim, as taxas de sucesso raramente são maiores que 50%. Ou seja, precisamos de apoio para investir em pesquisas a fim de melhorar os resultados dos tratamentos.

    FH: Nas últimas décadas, o que mudou para as mulheres de mais de 35 anos que querem ser mães?

    NR: A opção de adiar a maternidade e até mesmo rejeitá-la se tornou uma possibilidade mais concreta. Felizmente, começamos a caminhar numa direção que proporciona outras possibilidades de vida além da maternidade para as mulheres, o que deu a muitas a chance de realmente pensar como, quando e se desejam gestar. 

    Para aquelas que querem ser mães aos 35 anos, temos a ciência cada vez mais a favor. Hoje temos a possibilidade de monitorar preventivamente nossa fertilidade através de uma avaliação do hormônio antimulleriano, uma descoberta relativamente recente da ciência. 

    Isso nos dá um vislumbre de como está a reserva ovariana, o que significa a oportunidade de traçar um planejamento reprodutivo mais assertivo e seguro do que tomar essa decisão no escuro, sem entender o ritmo do próprio corpo.

    Também existe a possibilidade de realizar o congelamento de óvulos, para preservar a qualidade deles numa idade mais jovem, para que eles possam ser usados no futuro. E temos as outras técnicas de reprodução assistida para auxiliar aquelas que enfrentam desafios para gestar naturalmente, seja por conta da idade, que é o principal fator de risco, ou por qualquer outro motivo. 

    FH: Que conselho você daria para uma mulher que deseja engravidar?

    NR: Que todas as mulheres que desejam ser mães um dia – ou que ainda não decidiram, mas pensam sobre o assunto – realizem um planejamento reprodutivo com especialista, preferencialmente antes dos 30 anos, de acordo com dados do seu corpo, seus planos e objetivos. Feito o planejamento, é importante que ele seja renovado periodicamente, ano a ano, porque nossos planos mudam e o corpo também. 

    Para aquelas que decidiram que o momento chegou, o ideal é que elas passem em consulta com uma ginecologista para serem orientadas sobre exames, hábitos e cuidados no estilo de vida e dicas de como conhecer melhor e otimizar a sua fertilidade.

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