• Com uso de adenovírus, nova vacina desenvolvida em parceria com Unifesp deve entrar em estudo com humanos neste semestre

    A professora Juliana Maricato, da EPM/Unifesp
    Jose Renato Junior | 2 jul 2021

    A cientista Juliana Maricato trabalhava com testes de neutralização, que atestam a eficácia de vacinas contra o vírus Sars-Cov-2, quando recebeu um convite de uma equipe de pesquisadores do Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, na sigla em espanhol) e do Instituto Leloir, ambos argentinos, e da empresa norte-americana de biotecnologia Vaxinz.

    Doutora em ciências com ênfase em imunologia e pós-doutora em virologia, a pesquisadora e professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) fora chamada para integrar uma aliança estratégica que vai resultar no desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19 que está em fase de estudos.

    Batizada de Corovax, ela já mostrou uma excelente resposta imunológica em estudos pré-clínicos com animais. A parceria com a Unifesp deve permitir o início dos estudos clínicos.

    Os pesquisadores aguardam aprovação para partirem para esses estudos com humanos, o que deve acontecer agora no segundo semestre. 

    Ainda não há uma estimativa de prazo para que o imunizante seja de fato produzido e aplicado na população, já que tudo depende de como essa nova etapa de testes se sucederá. 

    Os pesquisadores estão animados: o produto já provocou potente resposta imunológica contra o vírus Sars-CoV-2 em 100% dos animais vacinados. Além disso, mostrou que a proteção é mantida por pelo menos cinco meses sem se deteriorar. 

    A Corovax, que está sendo apoiada pelo governo argentino, foi desenvolvida pela equipe do dr. Osvaldo Podhajcer, chefe do Laboratório de Terapia Molecular e Celular da FIL e pesquisador sênior do Conicet. 

    O grupo que ele lidera tem décadas de experiência no uso de plataformas de adenovírus para terapia de câncer, além de histórico no desenvolvimento de vacinas experimentais para o papilomavírus humano. 

    COMO É A NOVA VACINA?

    O produto dos pesquisadores do Conicet é uma vacina de segunda geração. Isso significa que já é adaptada para englobar o máximo de variantes circulantes. 

    Assim como na vacina desenvolvida pelo laboratório Astrazeneca e no produto da Johnson, esse novo imunizante baseia-se no uso do adenovírus – o vírus da gripe –, como vetor viral. 

    “O adenovírus tem uma estrutura simples, é fácil a gente manipulá-lo geneticamente”, explica Juliana. Na universidade, o grupo de pesquisadores é liderado pelo diretor da EPM, Manoel Girão, que tem Francismar Vidal e Walace Pimentel como coordenadores e Tatiana Bonetti, Mario Janini e Juliana liderando as pesquisas.

    “Pegamos o genoma, cortamos esse genoma onde queremos, tiramos uma parte dele e a substituímos por uma parte do genoma do Sars-CoV-2, localizada e controlada, sem a parte da replicação. Assim, obtemos um adenovírus geneticamente modificado.” 

    A partir do momento que o nosso organismo recebe a vacina, ele passa a produzir anticorpos neutralizantes, que são aqueles que impedem a entrada do vírus na célula. 

    O vírus entra na célula quando a proteína dele, denominada spike, se liga a um receptor celular. (Proteínas spike são aquelas ramificações que vemos representadas nas ilustrações do coronavírus). 

    Quando temos no nosso organismo um anticorpo contra essa proteína, esse anticorpo chega na célula antes do vírus e, dessa forma, ele não consegue mais se encaixar na célula. 

    “Imagina que você tem uma chave e uma fechadura e você cobre essa fechadura com uma capa. Dessa forma, você não consegue mais usar a chave para abrir a porta”, explica a cientista.

    Os estudos indicam que essa nova vacina também deverá ser aplicada em duas doses. 

    UM VÍRUS QUE VEIO PARA FICAR

    No Brasil, nós temos até o momento quatro vacinas aprovadas para uso emergencial – Coronavac, Astrazeneca, Pfizer e Janssen –, e a intenção do governo é que toda a população adulta receba a primeira dose até setembro de 2021. 

    Por que, então, segue a corrida pela criação de novos imunizantes? De acordo com Juliana Maricato, o coronavírus pode ser, sim, um vírus que veio para ficar. 

    “Ainda é cedo para a gente saber, mas eu acredito que é o caso, porque já vimos que o coronavírus é bem adaptável”, afirma ela. “Para não sair de circulação, devido às pressões ambientais sofridas, ele consegue ter mutações de escape.”

    Segundo a pesquisadora, essa é uma das características dos vírus respiratórios, como o Influenza, por exemplo, que é o vírus da gripe.

    “Acreditamos então que vamos ter que estar constantemente aprimorando a vacina, imunizando a população”, diz ela. 

    “Não sei se isso vai ter que ser feito duas vezes por ano, anualmente, ou com um prazo até mais extenso, isso a gente vai ter que avaliar. Mas, até não conseguirmos reduzir significativamente o vírus de circulação, nós vamos ter que nos cuidar muito em termos de uso de máscara, medidas de proteção individual e também na questão da vacinação.”

    Juliana explica que as infecções por coronavírus se espalharam muito rapidamente e há muitos vírus circulando ainda. “Até conseguirmos uma redução significativa disso, vamos ter que vacinar e revacinar.”

    A AÇÃO DO VÍRUS EM DIFERENTES CÉLULAS

    Desde o início da pandemia, Juliana e os colegas pesquisadores Mário Janini e Tatiana Bonetti têm como missão estudar o novo coronavírus. 

    Antes do surgimento dos Sars-CoV-2, ela se dedicava à pesquisa de neuroimunomodulação nas infecções virais – ou seja, estudava a relação entre o sistema imune e o sistema nervoso, e de que forma fatores como estresse, por exemplo, influenciam nas infecções virais. 

    “Eu trabalhei com neuroAids, com o Zika e ia começar a trabalhar com a febre amarela e outros arbovírus quando veio este coronavírus”, conta. 

    “Toda minha linha de pesquisa voltei então para o Sars-CoV. A gente teve que, por exemplo, caracterizar como era a infecção desse vírus nas células pulmonares, nas células nervosas. Estou fazendo ainda um trabalho em células cardíacas”, conta. 

    Juliana e os colegas fizeram também desenvolvimentos de testes que serviam de complementação para o diagnóstico. “Por exemplo, nós padronizamos no laboratório o PCR quantitativo em tempo real”, afirma. 

    A equipe da EPM-Unifesp começou ainda a desenvolver testes de neutralização do vírus para testar o soro dos potenciais doadores convalescentes, para que o plasma sanguíneo deles pudesse ser usado em pacientes graves que estavam no Hospital São Paulo, que pertence à Escola de Medicina Paulista. 

    Foi por isso que surgiu o convite do Instituto Leloir e da Vaxins para essa parceria, que visa se aproveitar de todo o know-how dos pesquisadores da Unifesp para fazer o teste de neutralização nas amostras dos animais vacinados com esse novo imunizante. 

    “E esse foi o primeiro passo assim de uma colaboração que está se estendendo e a gente pretende estender ainda mais”, afirma.

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