Por ser uma alternativa segura e com poucos efeitos colaterais, a prescrição de cannabis medicinal para tratar diversas questões da saúde da mulher, como endometriose, dores pélvicas crônicas, transição menopausal e vaginismo, por exemplo, tem ganhado força entre especialistas.
Enquanto os estudos do uso terapêutico da planta avançam, a prática clínica de quem cuida do bem-estar feminino tem mostrado resultados inegáveis. É isso que revela a ginecologista mineira Mariana Prado, especializada em ginecologia endócrina e climatério pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
“Desde que comecei a prescrever a cannabis, há quatro anos, noto a diferença na qualidade de vida das pacientes, além da redução de sintomas que chegavam a ser incapacitantes para algumas. O feedback delas após três meses de uso da medicação, que é quando os efeitos aparecem de forma consistente, é impressionante”, afirma Mariana.
Para a médica, o alvo mais importante atualmente é a dor pélvica crônica, que pode ser causada, principalmente, pela endometriose. A doença, que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), afeta cerca de 10% (190 milhões) das mulheres e meninas da idade reprodutiva globalmente, é crônica e costuma trazer desconfortos como cólicas menstruais intensas, dores na relação sexual e infertilidade em mais de 30% dos casos no Brasil.
Por aqui, de acordo com a Sociedade Brasileira de Endometriose, uma em cada 10 mulheres sofre com endometriose e 57% das pacientes têm dores crônicas.
“Praticamente 100% das pacientes têm melhora nos sintomas após o uso da cannabis medicinal. Até mesmo as que chegam ao consultório depois de tentar diversos tratamentos e até cirurgias tem reagido bem a essa classe terapêutica”, diz a ginecologista.
Um dos casos mais emblemáticos que ela já tratou foi a de uma paciente com endometriose profunda, já atingindo bexiga, intestino e causando dores insuportáveis. “Em busca de alívio, ela já estava usando altas doses de morfina até”, conta Mariana.
De acordo com a especialista, três meses após engatar no uso da cannabis medicinal por meio do óleo full spectrum, que conta em sua composição com o CBD e THC, a paciente relatou que finalmente havia encontrado uma saída para seu problema.
“Além de voltar a fazer atividades para as quais estava incapaz, a qualidade de vida dela melhorou, os gastos com medicamentos caíram e a morfina saiu de vez da rotina com o tratamento”, relata a ginecologista.
Um dos passos mais importantes para o engajamento das pacientes com os fitocanabinóides, segundo Mariana, é o alinhamento das expectativas sobre os resultados e as melhores formas de usar o medicamento.
“Algumas são céticas ou nunca tiveram contato com a cannabis. Com paciência, vou compartilhando informações, orientações e deixando claro que estamos falando de um método natural, que não vai fazer nenhum milagre ou proporcionar efeitos fortes logo de cara”, alerta.
Mesmo para a profissional, foi preciso ultrapassar algumas barreiras até entender bem o uso da planta e sua efetividade na saúde das mulheres que atende. “Antes de me especializar e começar a prescrever, eu não tinha conhecimento e até achava que a terapia canábica era uma submedicina, sem evidências científicas”, lembra.
“Até que comecei a estudar a fundo o sistema endocanabinoide, descobrir uma quantidade enorme de estudos e entender o valor do uso medicinal da cannabis. Atualmente, considero um absurdo que a cannabis não faça parte da grade curricular dos cursos de medicina.”
Uma das explicações para os bons resultados positivos do uso da cannabis na saúde da mulher é a presença de uma grande quantidade de elementos do Sistema Endocanabinoide (SEC) em todos os tecidos reprodutivos femininos, como ovários, trompas uterinas, endométrio e útero.
O SEC é um conjunto de receptores, ligantes e enzimas que atuam como sinalizadores entre as células, contribuindo para as mais diversas funções do organismo. E são os compostos químicos presentes na cannabis que estimulam e ajudam a equilibrar esse sistema.
Por isso um dos usos mais importantes da planta na saúde feminina é no tratamento das questões relacionadas à menopausa.
“Evidências científicas mostram que a cannabis melhora sintomas causados pela transição menopausal, como a falta de lubrificação vaginal, insônia, ansiedade, depressão, flutuação de humor e os sintomas vasomotores, como o ‘calorão’ que faz a mulher acordar na madrugada”, explica Mariana.
Para as mulheres que não optam pela reposição hormonal clássica, a planta pode ser uma alternativa interessante, uma vez que traz poucos efeitos colaterais.
No tratamento com hormônios, muitas relatam sangramento vaginal de graus variados, inchaço, cefaléia, alterações do humor e dor na mama. Além disso, a reposição pode trazer riscos, mesmo que baixos, de desenvolvimento de câncer de mama, aumento do risco de acidente vascular cerebral, trombose venosa profunda e até embolia pulmonar.
Além do óleo, modo de administração mais difundido, a cannabis pode ser utilizada na forma de supositórios, óvulos vaginais ou mesmo lubrificantes.
“Entre as queixas mais frequentes das mulheres neste período da transição menopausal, que vai dos 45 aos 55 anos, está a atrofia vaginal (ressecamento). Ela causa incômodo, atrapalha o desempenho sexual e causa ardência ao urinar, o que muitas vezes se confunde com infecção urinária de repetição. A administração da cannabis neste caso tem se mostrado eficiente”, avalia Mariana.
Se, no Brasil, a indicação para esses casos ainda é tímida entre os médicos, nos Estados Unidos, onde o uso da cannabis já é mais consolidado, o interesse no uso da planta para controlar os sintomas relacionados à menopausa aumentou.
Um estudo recente da The North American Menopause Society (NAMS) avaliou 250 mulheres na perimenopausa (anos que antecederam a menopausa) e na pós-menopausa e verificou que 86% de ambos os grupos usam, atualmente, a cannabis como tratamento adjuvante para sintomas relacionados à menopausa, sendo os mais comuns distúrbios do sono (67,4%), de humor e ansiedade (46,1%).
Queixas comuns em consultas ginecológicas, como os desconfortos da tensão pré-menstrual e dificuldades na vida sexual – como dores relacionadas ao ato – também podem ser tratadas com a maconha de forma medicinal.
Diversos estudos compravam que, por atuar no sistema endocanabinóide, o THC e o CBD auxiliam na regulação e no equilíbrio, indiretamente, do nosso sistema endócrino, responsável pela produção de hormônios. Além disso, a cannabis age como um analgésico, relaxante muscular e regulador de humor.
“As mulheres que lidam com TPM exacerbadas, com perdas na qualidade de vida, podem se beneficiar demais do uso da cannabis”, finaliza Mariana.