Com o início do verão, as chuvas se intensificam e aumenta a possibilidade de alagamentos e enchentes em cidades brasileiras. Nesse contexto, especialistas em saúde pública alertam a população sobre os riscos de doenças infecciosas que proliferam nessa época e nesses ambientes.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), quadros como leptospirose, dengue, chikungunya e hepatite A tendem a aumentar durante e após grandes volumes de chuva.
“Além dos transtornos urbanos, as enchentes criam um ambiente favorável para a transmissão de diversas doenças. Muitas delas podem ser prevenidas com cuidados simples, como evitar o contato com água contaminada, eliminar possíveis criadouros de mosquitos, garantir o consumo de água potável e manter uma boa higiene dos alimentos e do ambiente. São atitudes básicas, mas que fazem grande diferença na redução dos riscos”, explica o Dr. Filipe Piastrelli, infectologista e gerente médico do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HOC).
A leptospirose é uma infecção febril aguda transmitida a partir da exposição direta ou indireta à urina de animais (principalmente ratos) infectados pela bactéria Leptospira. A infecção acontece quando essa bactéria passa pela pele, especialmente se ela estiver com ferimentos ou machucados.
A doença apresenta elevada incidência em áreas com infraestrutura sanitária precária e alta infestação de roedores. Em casos graves, a letalidade pode chegar a 40%. No Brasil, até 18 de setembro de 2025, foram confirmados 2.103 casos e 164 óbitos pela leptospirose.
Sinais de alerta: febre, falta de apetite, dor muscular intensa (especialmente nas panturrilhas), dor de cabeça, náuseas e vômitos.
Cuidados recomendados: evitar entrar em água de enchente; usar botas de borracha e luvas se o contato for inevitável; lavar bem a pele após a exposição; buscar atendimento médico se surgirem sintomas nos dias seguintes.
“É importante lembrar que a lama das enchentes também pode ser fonte de contaminação e adere facilmente a móveis, paredes e pisos”, reforça o Dr. Piastrelli.
“A recomendação é remover toda a lama utilizando equipamentos de proteção e, em seguida, realizar a desinfecção com água sanitária. Para isso, deve-se diluir duas xícaras de chá (400 ml) de água sanitária em 20 litros de água”, orienta o especialista.
As arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti aumentam significativamente no verão. Após as chuvas, pequenos recipientes, calhas e ralos acumulam água e se transformam rapidamente em criadouros do mosquito. O calor também acelera o ciclo de desenvolvimento do vetor, encurtando o tempo entre os ovos e o mosquito adulto.
De acordo com o Painel de Monitoramento de Casos de Arboviroses do Ministério da Saúde, até 22 de novembro de 2025 o Brasil registrou 1.637.122 casos prováveis de dengue, com 1.732 óbitos confirmados. No mesmo período, foram notificados 128.078 casos de chikungunya e 116 mortes associadas à doença.
Para o infectologista do HOC, os números refletem um cenário que exige atenção contínua: “Estamos diante de um dos maiores registros de casos confirmados dos últimos anos. A combinação de chuvas intensas, altas temperaturas e ambientes com água parada cria condições favoráveis para o mosquito”.
“Por isso, eliminar criadouros e buscar atendimento médico aos primeiros sinais é fundamental. O Aedes é um vetor oportunista e se aproveita de qualquer descuido”, reforça.
Além das medidas de prevenção, o especialista destaca o avanço recente no campo da imunização. No último dia 26 de novembro, a Anvisa aprovou a vacina nacional do Instituto Butantan, primeiro imunizante em dose única contra a dengue no mundo, indicada para pessoas de 12 a 59 anos. A expectativa é de que ela seja incorporada ao Plano Nacional de Imunizações (PNI), ainda em 2026, ampliando a proteção da população.
“A aprovação da vacina de dose única representa um marco importante no enfrentamento da dengue no país. Trata-se de uma ferramenta adicional que, combinada ao controle do mosquito e ações individuais para eliminação de criadouros pode reduzir significativamente a carga da doença nos próximos anos”.
Sinais de alerta: febre alta, dor no corpo, dor atrás dos olhos e manchas (dengue); dor articular intensa e prolongada (chikungunya).
Cuidados recomendados: eliminar água parada; manter áreas externas limpas; usar repelentes; instalar telas nas janelas; observar sinais de alarme e procurar atendimento médico.
A hepatite A é uma infecção causada pelo vírus A (HAV), também conhecida como “hepatite infecciosa”. Na maioria dos casos, apresenta evolução benigna, mas o curso sintomático e a letalidade tendem a aumentar com a idade.
Durante enchentes, é comum que a água destinada ao consumo seja contaminada e sua incidência cresce em cenários em que a potabilidade da água fica comprometida.
Sinais de alerta: febre, cansaço intenso, enjoos, vômitos, dor abdominal, pele e olhos amarelados (icterícia).
Cuidados recomendados: na ausência de água potável, consumir apenas água tratada ou fervida; higienizar corretamente frutas e verduras; descartar alimentos que tiveram contato com água de enchente; reforçar a higiene das mãos e utensílios; verificar situação vacinal, especialmente de crianças, idosos e pessoas com doença hepática crônica, imunossuprimidos e indivíduos com condições clínicas que aumentem o risco de complicações.
A limpeza de casas e comércios após alagamentos exige atenção redobrada, pois o contato com água contaminada pode representar riscos importantes à saúde. O ideal é realizar a higienização sempre com botas de borracha, luvas e máscara, reduzindo a exposição direta a resíduos e microorganismos presentes no ambiente.
A desinfecção deve ser feita com água sanitária, respeitando as diluições recomendadas, e todos os alimentos, medicamentos e objetos que tiveram contato com enchentes devem ser descartados. Utensílios e superfícies que possam ser reaproveitados precisam ser lavados cuidadosamente antes de serem utilizados novamente.
De acordo com Piastrelli, é fundamental que a população busque assistência médica diante de sinais como febre persistente, vômitos intensos, manchas na pele ou sangramentos, dor abdominal forte, sinais de desidratação ou ainda pele e olhos amarelados. Esses sintomas podem indicar infecções relacionadas à exposição a enchentes e não devem ser ignorados.
“É fundamental não subestimar sintomas após períodos de enchentes. Mesmo manifestações leves podem evoluir rapidamente, especialmente no caso de doenças como leptospirose, dengue ou hepatite A. Quanto mais cedo a avaliação médica, maiores as chances de evitar complicações”, destaca o especialista.
