Aplicativo AFoot prevê risco de amputação em diabéticos em 60 segundos

A LookInside, startup incubada no Tiradentes Innovation Center, em Aracaju, Sergipe, está transformando o cenário de cuidados com a saúde de diabéticos com o lançamento de um aplicativo inovador, o AFoot, capaz de prever, em apenas 60 segundos – contra 40 minutos dos testes tradicionais –, o risco de amputações no pé de pacientes com diabetes. Este avanço tecnológico que reforça a importância do diagnóstico precoce no combate às complicações da doença chega durante as ações do Dia do Exame do Pé, promovido pela LookInside no Complexo do Centro de Especialidades em Saúde da Universidade Tiradentes (Unit).

De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, mais de 540 milhões de pessoas vivem com diabetes em todo o mundo. 

Uma das complicações mais graves da doença é a má circulação sanguínea, que pode levar à necessidade de amputações. 

Segundo o médico sergipano e fundador da LookInside, Hermílio Carvalho Júnior, “em 85% dos casos, a amputação pode ser evitada com diagnóstico precoce e intervenções rápidas”.

O AFoot pode ser baixado gratuitamente por qualquer pessoa e utiliza inteligência artificial (IA) para analisar imagens do pé do paciente – tiradas com um smartphone – e identificar riscos de complicações graves. O processo é simples e rápido: duas fotos (uma da parte superior e outra da parte inferior do pé) são suficientes para que o software forneça uma análise detalhada em apenas um minuto.

Carvalho explica que a ferramenta não substitui os exames médicos tradicionais, mas funciona como um aliado estratégico, permitindo que profissionais da saúde concentrem esforços em pacientes com maior necessidade de atenção.

Em entrevista exclusiva, Carvalho detalha a iniciativa para FUTURE HEALTH:

FUTURE HEALTH: Como surgiu a LookInside?

ERMÍLIO CARVALHO JÚNIOR: A LookInside surgiu em 2022, idealizada por mim e pelo desenvolvedor Welerson Melo. A ideia nasceu após percebermos o problema da amputação em pacientes diabéticos e a oportunidade de construir soluções de IA para o setor da saúde. Logo em seu início, a solução foi vencedora no programa Startup Nordeste do Sebrae Nacional, que forneceu a estrutura necessária para o começo do empreendimento.

FH: E como a ideia saiu do papel?

ECJ: A transição da ideia para a prática foi feita por uma equipe inicial de duas pessoas especialistas em tecnologia da informação, medicina e gestão de projetos, que trabalharam de forma integrada para transformar o conceito em realidade. Hoje, a Look Inside tem um time de 12 profissionais, incluindo desenvolvedores de software, especialistas em marketing, profissionais do setor comercial e consultores clínicos.

FH: Como funciona, passo a passo, a tecnologia do LookInside?

ECJ: A tecnologia da LookInside, por meio da solução AFoot, opera utilizando inteligência artificial e visão computacional para identificar precocemente riscos de complicações do pé diabético. 

O processo se inicia com a captura de imagens dos pés dos pacientes, que pode ser feita via smartphone ou câmera em clínicas, hospitais ou na própria casa do paciente. 

Essas imagens são enviadas para os servidores da LookInside, onde um modelo de IA treinado analisa padrões que indicam risco de ulceração, infecção ou complicações vasculares, sem fornecer um diagnóstico, mas auxiliando na triagem de pacientes.

Após a análise, o sistema classifica os pacientes em diferentes níveis de risco – baixo, moderado ou alto – e gera um relatório clínico detalhado com insights para profissionais de saúde. 

Esse relatório pode ser integrado a prontuários eletrônicos e enviado a gestores para otimizar a tomada de decisões e priorizar atendimentos. Além disso, o sistema permite o acompanhamento contínuo dos pacientes de alto risco, recomendando novas avaliações periódicas e auxiliando na prevenção de amputações evitáveis.

Por fim, o AFoot pode ser integrado a sistemas hospitalares, operadoras de saúde e programas públicos de prevenção, permitindo que instituições direcionem recursos para quem realmente precisa. A plataforma gera painéis analíticos e insights populacionais, facilitando o planejamento estratégico de gestores e promovendo um impacto positivo na redução de complicações do pé diabético. 

Dessa forma, o LookInside se posiciona como uma solução inovadora que melhora a eficiência do cuidado médico, reduz custos e salva vidas.

FH: Quais foram as principais dificuldades no processo de desenvolvimento e como elas foram superadas?

ECJ: O desenvolvimento do AFoot enfrentou desafios significativos, especialmente na aquisição e padronização de dados médicos, que são essenciais para treinar modelos de IA. 

Diferentemente de outras áreas da tecnologia, a obtenção de imagens clínicas de qualidade e em volume suficiente para alimentar o algoritmo exigiu parcerias estratégicas e realização de pesquisas detalhadas. 

A equipe da LookInside superou essa barreira estabelecendo um banco de dados robusto e representativo diretamente com voluntários clínicos, além de aplicar técnicas de data augmentation para melhorar a capacidade de generalização do modelo.

Outro obstáculo foi assegurar a precisão e confiabilidade da inteligência artificial, garantindo que o sistema gerasse resultados clinicamente relevantes e seguros para a triagem do pé diabético. 

Para superar essa questão, a equipe adotou uma abordagem rigorosa de validação cruzada com especialistas, onde profissionais experientes analisaram os resultados da IA e forneceram feedback contínuo. Além disso, foram implementadas métricas avançadas para avaliar a sensibilidade e especificidade do modelo, garantindo que ele identificasse corretamente os casos de alto risco sem alarmes falsos excessivos.

Por fim, um desafio crítico foi atender aos requisitos para que o AFoot fosse aceito como um software de saúde dentro de um ambiente altamente regulamentado. O desenvolvimento seguiu padrões internacionais de qualidade em tecnologia da saúde. 

A equipe superou essa barreira investindo em consultoria especializada e na documentação detalhada dos processos, garantindo que o sistema fosse não apenas inovador, mas também seguro, confiável e pronto para adoção em larga escala. 

FH: Quem são os principais investidores e como vocês têm captado recursos?

ECJ: O desenvolvimento do AFoot e das tecnologias da LookInside tem sido financiado por uma combinação de recursos não reembolsáveis, investimentos estratégicos e parcerias institucionais. 

A LookInside foi premiada como vencedora em programas de incentivo à inovação, como o Startup Nordeste, Catalisa ICT e TECNOVA III, que forneceram recursos não reembolsáveis. Essas iniciativas permitiram validar a tecnologia e garantir a conformidade com normas regulatórias, sem comprometer a autonomia da empresa.

Em 2024, a LookInside conquistou o 1º lugar na seleção do INOVATIVA Saúde (2024.2), um dos mais prestigiados programas de aceleração para startups de saúde no Brasil, validando o impacto da solução e sua proposta inovadora no mercado.

Além disso, a empresa recebeu investimento do Hospital Moinhos de Vento, um dos hospitais mais renomados do país, que reconheceu o potencial do AFoot na prevenção de amputações e melhoria da gestão do pé diabético. 

A LookInside também passou pelo programa VIBEE, da Unimed VTRP, uma iniciativa que conecta startups inovadoras ao ecossistema de saúde suplementar, possibilitando interações estratégicas com uma das maiores redes de planos de saúde do Brasil.

No campo da aceleração e incubação, a LookInside participou do in.cube, programa de inovação do InovaHC, hub de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, onde teve acesso a suporte técnico e validação clínica de sua tecnologia. 

Além disso, a empresa é incubada no Tiradentes Innovation Center (TIC), um centro de inovação do Grupo Tiradentes, localizado em Aracaju (SE), eleito o segundo melhor hub de inovação no Prêmio ANPROTEC 2024, que oferece suporte estratégico, metodologia e estrutura física para o crescimento do negócio. 

FH: Quais são os principais resultados obtidos pelo uso do LookInside?

ECJ: O LookInside revolucionou a triagem do pé diabético ao reduzir o tempo de um exame de risco de 40 minutos para apenas 60 segundos, permitindo avaliações mais ágeis e eficazes. 

Essa otimização impacta a capacidade dos profissionais de saúde de identificar precocemente complicações, aumentando a taxa de prevenção de amputações evitáveis e reduzindo a sobrecarga dos sistemas de saúde. 

Além disso, a empresa criou um ecossistema integrado de avaliação de risco, conectando pacientes, profissionais de saúde e gestores em um fluxo contínuo de monitoramento, acompanhamento e tomada de decisão, garantindo que os cuidados sejam personalizados e direcionados para quem mais precisa.

Um marco significativo nesse processo foi o LookInside Day, realizado em 23 de novembro de 2024, quando o AFoot foi oficialmente lançado. 

Durante o evento, foram realizadas 61 avaliações, e a tecnologia identificou 5 pacientes em alto risco, incluindo um caso crítico, onde um paciente com uma ferida de alto risco precisou ser imediatamente encaminhado à urgência para intervenção precoce. 

Esse padrão tem se mantido com o uso contínuo da plataforma, sem um único dia em que um pé em risco não seja detectado. Diversos pacientes foram encaminhados para atendimento de urgência, muitos deles sem sequer suspeitarem que possuíam qualquer problema nos pés, evidenciando o impacto direto do AFoot na prevenção de complicações graves.

Hoje, o AFoot está disponível em todo o território nacional e tem sido utilizado diariamente desde o início de 2025 para a avaliação rápida dos pés de pacientes. Sua acessibilidade permite que qualquer pessoa, independentemente da localização, tenha acesso a um sistema de triagem eficiente, auxiliando tanto a saúde pública quanto a saúde suplementar. 

Outro resultado positivo do uso do app é a criação de dados epidemiológicos valiosos, que auxiliam operadoras de saúde, hospitais e gestores públicos a prever tendências, reduzir internações e melhorar políticas de prevenção. 

A tecnologia já demonstrou que, diariamente, pés em risco são detectados e diversos pacientes são encaminhados para atendimento de urgência, muitas vezes antes que o próprio paciente perceba qualquer sinal de complicação. Isso mostra como o AFoot não só salva vidas, mas também fortalece a sustentabilidade do sistema de saúde ao reduzir custos e otimizar os fluxos de atendimento. 

FH: Quais são os próximos desafios?

ECJ: A LookInside tem como visão se tornar a líder internacional em uso de IA para suporte diagnóstico médico – objetivo que envolve excelência regulatória e desenvolvimento de tecnologias inovadoras para problemas clínicos relevantes.

No curto prazo, um dos principais desafios é a ampliação da adoção da tecnologia no Brasil, especialmente junto às secretarias municipais de saúde, hospitais e operadoras de saúde. Além disso, a integração com prontuários eletrônicos e sistemas hospitalares é um desafio técnico que exigirá interoperabilidade e conformidade regulatória.

No médio prazo, o objetivo é expandir a tecnologia para mercados internacionais, começando por países da América Latina e mercados regulados como os Estados Unidos e Europa. Isso envolve não apenas adaptações regulatórias para atender normas como FDA (EUA) e MDR (Europa), mas também a demonstração da eficácia do AFoot em diferentes populações e sistemas de saúde. 

Além disso, a inteligência artificial do AFoot deve continuar evoluindo, incorporando novos modelos preditivos, refinando a precisão da triagem e permitindo um acompanhamento ainda mais personalizado dos pacientes, com alertas automáticos e integração com outros dispositivos.

No longo prazo, um dos desdobramentos da tecnologia será a expansão do conceito de triagem remota para outras doenças crônicas e condições de risco. O modelo utilizado para o pé diabético pode ser aplicado a problemas de saúde em outras condições clínicas, criando uma plataforma mais ampla de monitoramento de risco baseada em IA e visão computacional. Além disso, com o avanço da medicina digital e telessaúde, a LookInside pode se tornar um grande ecossistema de monitoramento remoto, oferecendo insights preditivos e apoio na tomada de decisão clínica para diferentes especialidades médicas.