• Ortopedia engessada é coisa do passado: a Fix It aposta em impressão 3D com materiais sustentáveis

    Hebert Costa e Felipe Neves, os sócios da Fix it
    Jose Renato Junior | 26 jul 2021

    Um fim de semana, muitas mentes criativas de diversas áreas juntas e um objetivo: criar produtos ou soluções inovadoras. Foi de uma proposta assim que, em 54 horas, surgiu a Fix it, uma promissora healthtech brasileira que pretende desengessar a ortopedia – no sentido figurado, mas também no literal.

    Órtese é o nome que se dá a qualquer dispositivo de uso provisório que tem como função imobilizar, alinhar ou regular uma parte do corpo. São, por exemplo, bengalas, muletas ou o gesso ortopédico.

    Mais leves, práticos, arejados e sustentáveis que o gesso, os produtos da Fix it andam fazendo tanto sucesso que a empresa cresceu 350% no ano passado – explorando um modelo de licenciamento de suas soluções. 

    E tudo começou em um desafio, o Startup Weekend, em outubro de 2015, no Rio Grande do Norte. Dele participavam dois colegas que trabalhavam com impressão 3D – um deles era o biomédico Hebert Costa, atual sócio do negócio.

    Formado em fisioterapia, Felipe Neves assistiu ao pitch do projeto dos dois, que já se chamava Fix it, e ouviu a proposta: produção de uma órtese com impressão 3D.  

    “Eu, fisioterapeuta com algumas skills que poderiam contribuir tanto na parte de negócio quanto na parte de validação, pensei: vou me juntar com esses caras aí”, conta Felipe. 

    “A ideia é votar nas ideias que você mais apoia. E votei todas as minhas fichas na ideia da Fix it.” A empresa venceu o desafio – e a startup foi de fato criada, com Felipe e Hebert a tocando. 

    RESOLVER PROBLEMAS DO MUNDO E GANHAR DINHEIRO COM ISSO

    A Fix it não foi o primeiro negócio de Felipe, que já teve outras startups e pequenos negócios. “Negócio de quentinha, negócio de gás natural veicular”, ele enumera alguns. 

    A veia comercial já existia desde criança. “Muito pequeno, eu pegava as frutas do meu condomínio para vender na rua, fazia barraquinha. Sempre tive essa inquietude de empreender, de querer ter um negócio.”

    Foi só durante uma edição anterior do mesmo evento Startup Weekend, em Campina Grande, na Paraíba, que ele começou a levar a ideia de empreender a sério. “Ele fez total diferença no meu racional e na construção de pensamento empreendedor”, conta. “Vi que eu tinha como contribuir para o mundo.” 

    Ele relembra que, quando teve esse insight, pensou: “Quero resolver problemas e quero ganhar dinheiro com isso”. 

    Felipe conta que a ordem foi subvertida na criação da Fix it, em relação às dores que a startup resolvia. “Só sentimos a dor no mercado um pouco depois. A primeira dor sentida e validada foi a dor dos pacientes que usam gesso”, afirma. 

    Afinal, quem já usou gesso para imobilizar algum membro do corpo sabe como é desconfortável: ele é pesado, quente, não pode ser molhado e pode dar coceiras e alergias. 

    “Essa dor era evidente, só que não sabíamos se existia mercado para isso. Até porque era um mercado que não existia, teve que ser criado, e ainda está em constante validação porque é muito novo, é disruptivo total.”

    Mais tarde, os sócios entenderam que os profissionais da saúde, incluindo médicos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, sofriam com poucas opções inovadoras nesse mercado de mobilização.

    O grau de trabalho era grande, já que a adesão do paciente ao gesso é baixa. “Fora toda a questão ambiental que o gesso causa tanto na extração quanto no seu descarte – e todo o custo que existe envolvendo o descarte correto desse gesso.”

    A oportunidade foi, assim, farejada por Felipe e Hebert, e a startup foi se consolidando. “Mas a Fix it só foi virar negócio mesmo no início de 2018. Antes disso, houve muita validação.” 

    Um dos modelos de órtese plástica da Fix it

    PROFISSIONALIZAÇÃO DEPOIS DA ACELERAÇÃO

    Após o Startup Weekend em que se conheceram, Felipe e Hebert ganharam outras competições, a ID Action e a Batalha de Startups. 

    “Em 2016, tivemos um ano muito de um estilo de vida ‘startupiano’, sem muita responsabilidade.” Hebert era funcionário público federal e Felipe trabalhava de forma terceirizada na Petrobras. 

    Depois de muito “brincar de startup”, nas palavras do CEO, em 2017 a Fix it passou em importantes processos de aceleração, como da Braskem e da ACE Startups. “Em 2018 conseguimos fazer, realmente, as primeiras vendas consistentes, vendas grandes, e avançar no mercado”, diz ele. A essa altura, eles se dedicavam exclusivamente à Fix it.

    Hoje, há mais de 25 modelos de imobilizadores articulares no portfólio da startup, para membros superiores e inferiores. Eles são feitos de plástico termomoldável e biodegradável e têm design inovador. 

    “Utilizamos um polímero que é biodegradável, sustentável, feito à base do bagaço de cana de açúcar, beterraba e milho”, explica Felipe. 

    A imobilização do paciente é feita de forma muito rápida, em no máximo 5 minutos. Os produtos ainda diminuem a produção de lixo hospitalar. A durabilidade das órteses é de três anos e eles podem ser remodeladas, em média, mais quatro vezes após a primeira aplicação. 

    “Ela é adaptável a toda anatomia de quem a está utilizando, por ser termomoldável em baixa temperatura – uma das grandes vantagens que o polímero proporciona. Fora que, por ser feito com impressora 3D, o produto é totalmente sob medida, personalizado para aquele paciente.” 

    MODELO DE NEGÓCIOS: SAAS

    A Fix it opera no modelo SaaS. “Nós temos um software, e vendemos essa licença do software e do uso de marca”, explica Felipe. “Também vendemos cada arquivo individualmente aos nossos licenciados.”

    Dessa forma, cada paciente corresponde a um arquivo, do qual vai sair a impressão em 3D. Se no mês uma unidade Fix it tiver 30 pacientes, serão 30 arquivos. “Tudo acontece através desse software”, diz Felipe. 

    “O paciente chega no local, tira algumas medidas. O licenciado vai no software, imputa os dados, baixa o arquivo já personalizado do paciente e imprime na impressora 3D. Nós não imprimimos mais nada. Quem faz toda a impressão, produção e logística é o nosso licenciado, é a nossa ponta”, diz.

    “A descentralização da produção e de logística também foi uma baita sacada nesse processo de inovação e criação de uma comunidade maker na área da saúde.”

    Atualmente a startup oferece quatro tipos de licenças (para clínicas, hospitais, modelo office e lojas) que variam entre R$ 5 mil e R$ 100 mil. Os arquivos e o software, o licenciado paga mensalmente. A healthtech oferece ainda cursos para profissionais da saúde aprenderem a aplicar os imobilizadores. 

    A startup, cujos primeiros investimentos foram feitos pelos próprios empreendedores, teve seu primeiro aporte externo feito pelo programa da ACE: R$ 150 mil. 

    Desde então, houve captações do antigo Veros, hoje GR8 Ventures, de R$ 400 mil, e de um grupo de quatro investidores-anjos, também de R$ 400 mil. “Tivemos recentemente um investimento da Unimed, com R$ 360 mil”, conta o CEO. 

    Ele e Hebert pretendem agora levantar R$ 6 milhões. “Estamos preparando, realmente, a casa em todos os aspectos fiscais, financeiros, de time, de estrutura, de tecnologia, para fazer uma baita Série A e uma captação bem bonita, para levar a Fix it a outro patamar.”

    CRESCIMENTO DE 150% E FATURAMENTO DE R$ 2 MI

    Felipe e Hebert preveem um crescimento para 2021 de 150%, com faturamento de R$ 2 milhões. Apenas no primeiro semestre foram 5 mil soluções personalizadas vendidas, dez vezes mais do que o mesmo período em 2020.

    Nada mal para os empreendedores que ouviam que não iam chegar a lugar nenhum.

    “Ninguém realmente conseguia enxergar como nós enxergávamos o futuro da Fix It. Mas era como o Hebert costuma falar: éramos dois zés-ninguém em Natal sonhando em impactar o mundo, né?”

     A Fix it, hoje, está ao lado do gigante Hospital Israelita Albert Einstein. “Temos médicos renomados, tanto no nosso time quanto como clientes”, orgulha-se Felipe. “Nós impactamos o Brasil: já atuamos em todos os estados  do país, menos o Amapá. Estamos também em outros países, como  Paraguai, Argentina e em breve começará o funcionamento no Uruguai, Chile, Bolívia, Venezuela e Suíça.”

    Em 2022, deve ter início a operação em Moçambique e eles miram Europa e América do Norte.

    “Essas sementes que estamos plantando lá  são sementes de validação, sementes de intenção. Já existem pessoas nossas nesses locais validando as soluções, indo a campo como nós fizemos aqui no Brasil.”

    Ter um mercado mundial é o objetivo da Fix it. “Não é ambição isso, é uma necessidade, até porque existem empresas [semelhantes] nesses países, nessas localidades, mas que praticam preços absurdos, inacessíveis para população, mesmo local”, afirma. 

    “Queremos chegar com essa democratização muito forte, para todo mundo ter acesso à inovação. Não adianta criar inovação cara, ela é pra ser acessível. Esse é o diferencial de inovação real, inovação feita para a humanidade.”

    Fique por dentro das melhores histórias de inovação em saúde: assine nossa newsletter.

    Confira Também: