Um grande número de casos de demência é esperado dentro dos próximos anos em todo o mundo. Porém o que se observa é que os países de alta renda demonstraram taxas decrescentes de demência, enquanto a incidência aumentou rapidamente em países de baixa e média renda, que já respondem por quase dois terços da população global que sofre de demência.
Este é um ponto trazido pelo artigo “Guidelines for the use and interpretation of Alzheimer’s disease biomarkers in clinical practice in Brazil“, de 2024. E um dos especialistas que assina o estudo é brasileiro: Wyllians Vendramini Borelli, neurologista e coordenador de pesquisa do Centro da Memória do Hospital Moinhos de Vento.
O impacto epidemiológico da demência é devastador: 8 a cada 10 brasileiros que possuem demência, em sua maioria Alzheimer (70%), não estão diagnosticados.
Isso significa que não estão acompanhando a doença, mantendo hábitos que poderiam estancar a progressão dela ou colaborar para o bem-estar.
Para Borelli, a alta taxa de subdiagnósticos preocupa especialistas porque impede que pacientes recebam assistência para tentar desacelerar a progressão da doença e ter mais qualidade de vida. Além disso, deixa familiares às escuras, sem a oportunidade de se preparar para lidar com o avanço da condição.
Como a doença de Alzheimer se inicia antes da demência se manifestar, atualmente, o foco dos profissionais do Centro da Memória do Hospital Moinhos de Vento, onde Borelli atua, é em relação à prevenção, seja antes dos sintomas (primária) ou depois do início deles (secundária). “Somos um dos únicos centros do Brasil com foco em ‘Serviço de Saúde Cerebral’. Desenvolvemos um trabalho intensivo para identificação de fatores que comprovadamente pioram a memória para, então, controlá-los e reduzir seu impacto”, explica Borelli.
Em cada paciente, são analisados e acompanhados os 14 fatores de risco da demência:
• escolaridade;
• possíveis lesões cerebrais traumáticas;
• perda de audição;
• colesterol LDL alto;
• depressão;
• diabetes;
• obesidade;
• hipertensão;
• sedentarismo;
• tabagismo;
• abuso de álcool;
• isolamento social;
• poluição do ar;
• perda visual.
Por meio de questionários sensíveis e testes, os médicos do Centro trabalham em parceria com outros profissionais, como otorrinolaringologistas, neuropsiquiatras, psiquiatras, geriatras, cardiologistas e fonoaudiólogos.
O Centro da Memória do Moinhos alia assistência e pesquisa, o que possibilita aos pacientes ter acesso aos principais avanços mundiais em relação ao tratamento e de forma mais rápida. “Hoje, contamos com protocolos de pesquisa e estudos acadêmicos para auxiliar no diagnóstico precoce da população brasileira”, ressalta o neurologista. Para ele, o contexto de novos tratamentos e novas pesquisas sobre Alzheimer traz novas esperanças para o tratamento.
Ao lado de especialistas, Borelli contribui com pesquisas e artigos frequentemente, como a publicação recente na revista científica “The Lancet”, em janeiro de 2025, que aponta que o maior fator de risco para alguém desenvolver declínio cognitivo no Brasil não é a idade avançada, e sim a falta de acesso à educação.
O estudo enfatiza que a disparidade social e de saúde são fatores relevantes do envelhecimento cerebral saudável na América Latina, sendo a escolarização um elemento determinante no processo de envelhecimento cerebral. Dados de cerca de 41 mil pessoas foram analisados em cinco países sul-americanos (Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Uruguai).
“A educação e sintomas de saúde mental foram os fatores modificáveis mais importantes para o envelhecimento cerebral saudável no Brasil, o que indica que devem ser priorizados ao desenharmos estratégias de saúde pública no país”, explica Borelli.
Baixos níveis de educação, instabilidade econômica e insegurança social são determinantes para impactar negativamente o envelhecimento cerebral na população brasileira, especialmente nas regiões mais carentes. Além disso, fatores cardiometabólicos como hipertensão, diabetes e doenças cardíacas também contribuem para o declínio funcional no Brasil.